28 de dezembro de 2023

Huuummmmm..!!


    "Mano, não ponhas o carro aí! Põe antes naquele lugar ali ao fundo!"
    Tinha acabado de estacionar o carro em cima do passeio dentro de um parque de estacionamento que me pareceu cheio. E mal estacionei vi um rapaz de gorro e casaco fininho, nos seus trinta ou talvez menos do que isso,  a fazer um sprint em minha direcção. Bateu toc-toc-toc no vidro do pendura e baixei-lhe a janela para que me pudesse dizer aquelas palavras, embora já imaginasse o que é que ele queria.

    E depois tentei dizer-lhe que não tinha nem uma moedinha para lhe dar, mas ele já tinha virado costas e sprintado de volta ao tal lugar e lá do fundo fazia-me sinal.

    Peguei nas coisas, tranquei o carro e fui ter com ele. Disse-lhe que não tinha moeda nenhuma, e que ele guardasse aquele lugar para outra pessoa, que eu não ia demorar assim tanto.

    "Mas olha que eles multam-te, mano! E bloqueiam-te o carro! Deixa lá a moedinha, mete lá o carro como deve ser...".

    Encolhi os ombros, e hesitei uns segundos. Mas decidi fazer o que ele disse e fui buscar o carro para o estacionar no lugar que me tinha indicado.

    Fiquei sensibilizado com o rapaz. Não vou dizer que concordo com (ou discordo da) ideia de dar moedinhas a arrumadores, às vezes até em sítios onde para além da moedinha tem de se pagar parquímetro. Também não vou estar aqui com debates sobre a real ajuda de caridadezinhas ou de as pessoas as praticarem só para tranquilizarem a consciência. Ao menos essas pessoas têm uma consciência.
    A verdade é que estava um frio de rachar e eu estava bem agasalhado e mesmo assim tinha frio. Outra verdade é que às vezes dou moedinhas e outras vezes não. Raramente as tenho na carteira, porque agora quase tudo se faz com o telefone, não é? Mas se as tenho, às vezes dou porque algo me impele a fazê-lo, e outras vezes não dou porque esse algo não me impeliu dessas vezes.

    Levava comigo um tupperware sem tampa com coscorões cobertos por papel de cozinha, que ia entregar a quem prometi guardar alguns para provar. E ao passar por ele, que já se tinha afastado, tive o impulso de lhe dizer: "Epá, olha, não tenho uma moedinha, mas toma lá dois coscorões que estão bons".

    O rapaz olhou para mim de olhos esbugalhados e disse "Epá...!". E aceitou os coscorões.
    Trincou metade de um deles. Fechou os olhos e disse "Huuuummmmmmm....!" enquanto mastigava. Parecia uma criança a dizê-lo. E eu disse: "Estão muita bons, não estão? Fui eu que fiz! Vá, até logo!". E afastei-me a sorrir sozinho.
    Eu já não tinha frio de todo, e quero pensar que ele ficou um pouquinho mais quente. Embora os coscorões estivessem frios.

    Aquele huuummmmm ...

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