30 de dezembro de 2004

Uma estranha altura do ano

Esta altura do ano deixa-me sempre um pouco deprimido. Este corrupio para comprar prendas, esta última hipótese de praticar o bem antes do ano acabar. Eu não sei se o resto do mundo está a par mas, quem passa necessidade nesta altura do ano também o passa nos outros meses todos! O Natal traz ao de cima os valores e sentimentos de humanismo que andam o ano todo silenciados dentro de muitos de nós. Vai daí, sabendo disso, o pessoal desata a fazer peditórios e afins para isto e para aquilo. Nesta altura do ano passam-se ainda coisas estranhas que quebram a rotina dos dias. Além de todo o tipo de peditórios, cabazes, rifas, lotarias e, a última moda, relógios da swatch para ajudar tudo o que é criancinha desamparada, dentro de nós dão-se transformações. O bom dia e o boa tarde chegam a ser frequentes. Os sorrisos, espécie em extinção no resto do ano, encontram aqui uma altura menos desfavorável. E depois temos o bom natal… eu penso muito nisto. Mas afinal de contas, o que é um bom natal? É ter muitas prendinhas? É passar a noite de Natal sem incidentes (especialmente de viação) de maior? É conseguirmos sobreviver ás doses mortais de glicose e rezar para que o nosso pâncreas aguente mais uns anitos? Não sei. Se calhar é uma forma de dizer isto tudo e, quem sabe, muito mais. Mas esta festa essencialmente religiosa toca a todos da mesma forma, quer o sejamos ou não. As Igrejas enchem-se e até têm sessões da missa do galo, onde à porta, populam arrumadores de carros e outros enfermos, na esperança que o Natal lhes traga mais qualquer coisa.

Recebi um mail dum amigo que está no Brasil. Dizia ele que natal sem frio não era Natal e que nós temos sorte de termos um Natal à séria. Mas, principalmente, ele dizia que sentia a falta da família, nem sabendo o porque de ser, especificamente nesta altura. Falou-me ainda deste “bicho” que é a altura do Natal e como transforma as pessoas. Segundo ele, usualmente não se bebem refrigerantes na sua casa mas, nesta altura, estão lá sempre à disposição as garrafas de Coca-cola e de outros refrigerantes variados. É como se nos oferecêssemos uma prenda a nós próprios.

A árvore, as prendas, a comida, tudo isto vivido muito intensamente. As facturações astronómicas das lojas, as iluminações de Natal e a maior árvore de Natal da Europa (que utiliza electricidade espanhola, de certeza!). Os telefonemas, os postais de boas festas e, sinais do tempo, os sms de boas festas. As renas, o trenó e o Pai Natal. Mas qual Pai Natal? Qual deles é o verdadeiro? Deve ser aquele que dá no telejornal que sai directamente da Lapónia. Mas esse… não sei, tem um saquito de prendas muito pequenito e só tem uma rena a puxar o trenó! Uma coisa sei: o do Colombo não é de certeza! Além das barbas serem postiças, esteve sempre lá sem fazer compras, só tirava fotos!

Se calhar não tenho motivos para ficar deprimido. Se calhar tem mais a ver com um ano que acaba do que com o Natal. Se calhar…

A propósito da "cannabis"...

Análise dos efeitos negativos da "cannabis" por técnicos, utilizadores e políticos.
O "senso comum" gere a opinião pública.


"A decisão de condicionar ou não a venda de certos objectos tais como armas de fogo, armas brancas ou de certas substâncias como o veneno para ratos ou a cannabis é, essencialmente, política.
Quando alguns políticos pretendem tomar uma decisão, frequentemente pedem a opinião a peritos especializados que têm um saber específico sobre a utilização, as características e as consequências de determinados objectos. Umas vezes, fazem-no para avaliar qual a pertinência das medidas que propõem, dos riscos ou consequências eventuais dessas mesmas decisões, e, outras vezes, pretendem justificar as decisões que à partida já estão tomadas e que são de cariz puramente político. Deste modo, infelizmente, em certos pareceres os peritos surgem mais como álibi do que como ajuda à decisão.
A atitude perante a utilização da cannabis tem sido objecto de grande paixão e, certamente, os interessados em jogo são os motivadores da organização dos lobbies que a ela estão associados. Os argumentos que circulam na opinião pública a favor ou contra o consumo "hedonístico" ou "terapêutico" da cannabis baseiam-se contudo no "senso" comum, mas as paixões vivenciadas e o "militantismo" desencadeado são enormes.
Ao nível técnico, os inconvenientes e riscos da utilização da cannabis são plenamente conhecidos, pois a literatura científica é pródiga em demonstrá-los. Tanto do ponto de vista psiquiátrico como do ponto de vista somático parece existir, entre os peritos, um certo consenso relativamente às consequências negativas que o consumo da cannabis provoca.
Fazendo uma rápida revisão sobre alguns dos artigos publicados ultimamente, para além de muitos outros inconvenientes apontados, vamos salientar os que se inserem no âmbito psiquiátrico:

- o consumo excessivo da cannabis está associado à antecipação de uma primeira descompensação de tipo esquizofrénico, cerca de pelo menos três anos e meio, em relação aos sujeitos abstinentes;
- o consumo de cannabis parece funcionar como um risco acrescido no desencadear de um primeiro surto de esquizofrenia em pessoas sem antecedentes, com particular incidência em pessoas vulneráveis;
- o consumo de cannabis parece ter uma relação causal com a psicose;
- em determinados casos a utilização da cannabis está associada ao desencadeamento de ataques de pânico e perturbações de pânico.

Gostaríamos de sublinhar que, na nossa experiência de mais de 30 anos de prática clínica psiquiátrica, inúmeros são os casos de jovens que foram acompanhados devido a descompensações psicóticas, infelizmente graves na maior parte dos casos, ligadas ao consumo de cannabis.
Ao nível somático, também têm sido descritas perturbações variadas que vão desde o desencadeamento de pancreatites que se manifestam terapeuticamente sensíveis à abstenção da cannabis até à manifestação de arterites que se apresentam também sensíveis à abstinência.
Realçamos ainda que estão descritas a acção teratogénica da cannabis, as perturbações ocasionadas no sistema imunitário, o aumento do risco de cancro no tracto respiratório e a influência nociva sobre a condução de veículos, sobretudo se associada ao consumo de álcool, facto que é frequente.
De maneira genérica, a avaliação objectiva e subjectiva dos utilizadores excessivos sugere, a longo prazo, inúmeros elementos negativos associados ao consumo de cannabis.

Em conclusão, numa perspectiva puramente científica e técnica, consideramos que não há razão para afirmar que a utilização da cannabis é mais inócua que outros comportamentos de risco tais como a roleta russa, circular a alta velocidade em contra mão ou ter relações sexuais não protegidas com desconhecidos, desvalorizando os efeitos negativos que daí advêm, para si mesmo e para os outros.

João Hipólito
Director do Departamento de Psicologia e Sociologia da Universidade Autónoma de Lisboa"

Caros leitores: num destes dias passei os olhos por uma estante em que se encontravam diversos panfletos e revistas, numa biblioteca do Hospital de Santa Maria (tinha ido para lá estudar). Li este artigo, gostei, ri-me, e achei que talvez vocês também gostassem de ler. Bem sei que o blog tem primado pelos posts originais (no sentido de serem pessoais), mas considerem isto uma excepção.
Queria ainda deixar claro que, contrariamente aos meus posts anteriores, o facto de este artigo ter uma tendência argumentativa, tal não significa que eu concorde ou discorde dessa tendência. Deixo essa parte para vós!
Um grande bem haja, e votos de um melhor 2005.

18 de dezembro de 2004

Ou será verde alface?

Escrevo ao frio. Não chove. Há um isqueiro que se acende do lado esquerdo. Embora não goste do fumo do cigarro, a aridez do momento é suficiente para que procure aconchego no calor da cinza.
Reconheço perfeitamente o espaço. Vivo intensamente o tempo- relógio de ponteiros que na eterna espera do momento conta cada minuto como sendo o primeiro.
E as pessoas passam a passo acertado e maquinal, como numa coreografia de fardas em que tudo parece igual.
Sinto-me sozinha neste paradoxal espaço público sem público. Tudo corre na busca desenfreada da acção. O dia pesa sobre as minhas pálpebras e talvez apenas por isso esteja tão atenta aos subtis acontecimentos que espontaneamente se revelam.
Todos os dias dessensibilizamos os nossos sentidos em relação ao mundo que nos rodeia. Cada vez mais nos tornamos tolerantes em relação à vida.
Vivemos na era da informação, do consumismo, da captação de ondas. Num natal em que a grande maioria das pessoas coloca a saúde no topo das necessidades apenas por descargo de consciência, prontamente me apercebo do selvático quotidiano que transfigura o horizonte de muitos que nele vivem. É muito fácil adoptar os valores da multidão. Como é oportuno ser-se aceite na moda do preto. Para quê pensar que o verde ervilha até poderia ficar bem? Falta originalidade, criatividade, imaginação. Falta o gosto pela superação dos sonhos, se é que eles chegam a existir. Falta o porquê da curiosidade.
A fasquia está cada vez mais alta. O limite do contentamento começa quando o do próximo acaba. Tudo se processa a um ritmo totalmente insuperável. A ambição é mais forte do que os princípios. Hoje, tudo quer tudo a todo o custo.
A pseudo facilitação em que vivemos torna-nos inconscientes, numa ilusão constante. O mundo do crédito é aliciante. Poucos pensam no amanhã! Muitos andam ao frio com a falsa certeza de que existe cura para uma possível gripe.
As pessoas passam por mim e acham-me estranha. Venho de um jogo de futsal. Trago um fato de treino antigo e uma Monte Campo. Os meus cabelos estão húmidos e completamente anarquizados. Olham para mim com um ar desconfiado.
Escrevo este texto de bloco e lápis na mão. E as pessoas continuam a olhar… E eu a adorar este momento.
Porque será que é preciso andar com o Código Civil debaixo do braço para que os outros nos incluam num padrão normal? Porque é a vida um hipérbato de prioridades e suposições?
Os transeuntes olham para mim com ar de suspeição sem sequer me conhecerem. E tudo isto porque não venho de sapatinhos vela, nem de malinha do cavalinho (suponho que seja uma marca). A aparência precede a essência em termos das prioridades dos que nos rodeiam.
O mundo está neoplásico. Caminhamos para a proliferativa indferenciação das massas.
Apanhamos a boleia das marcas que incessantemente se metastizam e invadem os sentidos… as mentes.
A busca material suplanta as necessidades básicas; o pré-congelado antecipa-se ao feito na hora; a pré-concepção adultera a verdadeira essência do ser.
Tudo não passa de uma massa vascularizada pelas artérias da inércia do pensar. Os factores de crescimento do decorar sem perceber, são codominantes com os factores de necrose do sentido crítico e da reflexão!
Bem… vou andando! Um duche quente espera-me. Levarei comigo a saudade de um mundo puro… de nada!

1 de dezembro de 2004

Fake Plastic Trees

Ah caralho, que ontem o nosso Presidente (como está, Vª Exª.?) mostrou que tem os tomates no sítio! Após 4 meses e 20 dias a aturar um incompetente à frente do governo, o nosso Chefe decidiu que já chegava e mandou mas é este governo para a rua.

Como dizia o nosso antigo primeiro-ministro, Prof. Aníbal, na última edição do «Espesso»,
por dever patriótico cabe às elites profissionais contribuírem para que na vida partidária portuguesa os políticos competentes possam afastar os incompetentes
Quando um ex-primeiro ministro com a craveira deste algarvio de um real cabrão (antes que voem os insultos, deixem-me dizer que eu sou algarvio também) vem dizer que quem está à frente do Governo é incompetente, o sôr Presidente tem que ouvir...




26 de novembro de 2004

Regresso a casa...

Foi numa tarde fria, interlúdio de uma seca noite de Outono orquestrada pelas emoções colhidas durante o dia, que o nosso caminho convergiu. Linha de Sintra, algures entre as 20:00 e as 21:00 horas, Sete Rios, destino Agualva-Cacém… e lá íamos nós de regresso a casa. Jornada solitária e muda, em que os olhares se cruzavam no cansaço de mais um dia de trabalho. As luzes do comboio, baças e purulentas, iluminavam o reflexo cansado e borbulhento de um rosto interciso pela ranhura das portas que se abriam… Benfica. O comboio parou, como uma cadência ao 6º grau que suspensa, cedo retomou a marcha no encalço das barras metálicas, friccionadas pela aridez das rodas que cortavam o vento. De repente dei por mim, afinal também eu lá estava e nem sequer me apercebia… os meus pensamentos aliciavam a minha consciência e os meus sentidos, numa amálgama de imagens vividas ao som de Debussy… quarteto de cordas… 3º andamento.
Senti a tua presença em contornos de brisa ondulante como o desenho que trazias. Serias pintor? Inspirado por aquela multidão anestesiada e espectral, murmuraste pela folha já escrita que então gritou por algo mais, pedindo que a vestisses com roupagens asténicas e lucífugas, solidárias com a rotina fibrosada de uma pastilha sem sabor, seca, colada!
Como eu te compreendia. Não nos falámos, nem sequer olhares cruzámos porque ambos deambulávamos na mesma realidade. Olhávamos em sentidos opostos mas víamos precisamente a mesma matéria e anti-matéria; vivíamos tempos distintos fundidos num só espírito sonhador e empreendedor, sitiado na implacável ditadura dos tempos. O vento da prosa hasteava a tua flor de guerra como poema que por mim passava, por mim… que também não tinha terra. Ambos procurávamos a pureza daquele regresso, despreocupado e livre, alheio a pressões quotidianas. Éramos simplesmente dois jovens, com vontade de viver! A beleza daquele momento, que para os demais nem chegava a sê-lo, era suficientemente poderosa para impedir que compreendêssemos e tolerássemos aquele rebanho de mancebos tornados escravos (do Tal e Qual e restantes congéneres). Como era possível aquela estagnação, após mais um dia de trabalho maquinal?
Era preciso gritar contra aquele marasmo vicioso: rede sem furos por onde nem sequer passava o ar; asfixia constante monopolizada pelo circuito fechado de viver sem pensar… lutar… por uma condição mas digna e consciente, em que mesmo os mais velhos pudessem sonhar! E gritávamos… e grito!
Barcarena…. O comboio travou! Ambos saímos vislumbrando o mesmo luar que fugazmente se tornou nítido como a noite cristalizada. Foi então que seguimos caminhos divergentes, rumo à realidade das nossas vidas. Deixei de te ver mas não te perdi… Encontro-te todos os dias, sempre que apanho o comboio, sempre que olho para mim, reflexo de ti!
São viagens como estas, infindáveis como o segundo que não passa, que nos despem, num tempo só nosso. A reflexão é a panaceia para o espírito. É ela que nos transporta para a consciência e sentido da vida. É nela que encontramos a solução para os nossos problemas. É por ela que digerimos a realidade aproximando-nos dela.
A vida é um pleonasmo de erros. É preciso criticar… cultivemos as virtudes que nos restam!


Morning Bell

Vejo o início de julgamento do processo Casa Pia na TV. Para além da esperada multidão de jornalistas de todos os meios de comunicação, amontoando-se em volta dos principais protagonistas do processo como piranhas em volta de uma vaca que caiu a sangrar dentro do rio Amazonas, e de um número razoável de agentes da autoridade, encontram-se algumas dezenas de «populares».

Sempre gostei do termo, «populares». Populares para quem? Eu nunca os vi mais gordos, fazem todos parte da imensa massa anónima que enche as ruas de Lisboa todos os dias. Mas estes estavam lá com uma missão: insultar Carlos Cruz. Acho impressionante que haja quem tenha perdido um dia inteiro para estar ali ao frio na Rua Nova do Almada à espera que o homem saísse do tribunal para o chamar de «paneleiro», «filho-da-puta» e «devias mas era ser tu a levar no cú ó cabrão» durante uns breves segundos. Alguns tentaram chegar a vias de facto. Acho que é isto a que chamam justiça popular. Decerto estes personagens terão ido para casa mais satisfeitos com a sua façanha. Dirão aos seus cônjuges: «aquele paneleiro... já lhe disse o que ele merecia ouvir». Irão decerto ao café/taberna da sua área de residência vangloriar-se deste feito aos amigos, enquanto metem uma S. Domingos no estômago e voltam para casa bêbedos, tendo-se como «grande homem» na sua consideração.

O que é certo é que quando o Carlos Cruz se estava a encaminhar para o tribunal sem escolta policial, estes mesmos populares se mantiveram caladinhos que nem ratos. Curioso, como isto funciona. Só atacaram quando sabiam que não podiam atingir o alvo, conseguindo com isto atingir a notoriedade de uma maneira mais segura e menos trabalhosa.

Mas ainda fico na dúvida do que os levou a fazerem isto. A não serem parte da massa indiferente ao processo. A terem que extravasar a sua opinião na praça publica sem ela ser pedida. Armados em juízes, condenando imediatamente os arguidos a um corte do pescoço. Sabem qual é o tipo de pessoas, aqueles que no autocarro se insurgem contra os motoristas porque chegaram 2 milésimos de segundo atrasados e depois dizem que isto é uma vergonha e se queixam que é por isto que o país não anda para a frente. Falando sozinhos, pois ninguém os quer ouvir, causando incómodo a quem queria seguir em paz para casa.

Pessoalmente acho que a defesa do Carlos Cruz conseguiu reunir provas, recorrendo aos registos do cartão de crédito, portagens e uso de telemóvel pessoal, que não o colocam em Elvas na altura dos crimes. E sempre achei que as únicas pessoas que recebiam sexo anal por parte dele eram as assistentes do 1,2,3 (ele por acaso acabou por casar com uma delas, mas isso agora são outros 500 paus). Mas é difícil destruir um preconceito estabelecido. «O homem foi ao cu das criancinhas e pronto!!».
O pior e que as criancinhas muitas vezes são jovens com 14, 15 e 16 anos e sabem muito bem o que estão a fazer. Basta ver o aluno típico da Casa Pia que podemos encontrar nas paragens da Carris em Belém. Mas nada disso interessa.

16 de novembro de 2004

I Might Be Wrong, parte II - Cardumes e pedaços de Sushi

Lembro-me muitas vezes do tempo em que andava no infantário e na primária, em que havia aquelas actividades em que se cortava papel de lustro e se faziam colagens de várias formas e cores; havia aquelas formas que tínhamos para picotar, de vez em quando davam-nos umas folhas de papel cavalinho para desenho livre, e algumas vezes tínhamos uns livros com uns desenhos para colorir, tendo ao lado os desenhos já pintados, e em que era suposto pintarmos das mesmas cores.
Lembro-me bem que não ligava muito às cores dos modelos, e pintava os desenhos como achava mais bonito; alguns dos meus colegas faziam o mesmo, e a minha professora não nos ralhava; pelo contrário, julgava positivo que as crianças desenvolvessem a capacidade de inventar coisas novas, desde que, claro, na hora dos ditados, não nos puséssemos a ser criativos com a ortografia.
Depois, ia para casa jogar spectrum... essa maravilha da tecnologia que tanto ensinou a tantos. E os jogos eram realmente viciantes e complicados, e... criativos! As pessoas preocupavam-se em conceber jogos em que a jogabilidade, a dificuldade, o vício... superavam em muito a apresentação gráfica. Hoje em dia os jogos são todos iguais com os mesmos gráficos. Tanto se preocuparam em copiar a realidade ou em tornar o irreal em quase real que se desviaram do mais importante: as pessoas não se importam se o jogo é inverosímil... querem é que seja divertido e as ponha nervosas a... tentar. "Mas ó puto, os jogos são vendidos à mesma e eles ganham uma data de pasta!"; está bem... fica com a tua que eu fico com a minha.

Entretanto crescemos. Desde muito cedo muitos de nós se habituaram a admirar pessoas famosas, poços de incontáveis virtudes e com estilos marcantes, e a abandoná-las quando surgisse o próximo ídolo, alguém que brilhasse mais intensamente, num ritmo cada vez mais voraz, tão rápido quanto o nosso crescimento de dia para dia.

Todas essas referências foram importantes para o processo de construção de uma personalidade, e para a moldagem da nossa formação enquanto pessoas semelhantes entre si mas conscientes e orgulhosas das diferenças que nos tornam tão próprios. Será?

Observo à minha volta: quase todos nós temos medo de expôr as nossas diferenças perante todos os outros; de mostrar o que de mais criativo temos. Preferimos esconder-nos em cardumes cada vez maiores que nadam freneticamente pelos enormes oceanos citadinos. Cada um de nós está protegido dos perigos de ser apontado como anormal, mas esta protecção é uma rede que também nos impede de sobressairmos pela invenção ou pela reinvenção do que quer que seja... até que estes cardumes se tornam nos enormes tubarões que patrulham em busca dos talentosos indefesos que ousam nadar em diferentes direcções.
Há também muitos de nós que são escravos da procura incessante de ser diferentes a todos os níveis. Mas também estas pessoas se agregam inevitavelmente em cardumes - ser-se anti-sistema é pertencer a um sistema, perdoem o lugar comum. Todos juntos, estes peixes encontram-se sempre no topo da curva de Gauss, no meio do cardume.

Fui beber um café ao S.Jorge, o cinema na Avenida da Liberdade. Quando lá cheguei, estava praticamente vazio, porque as sessões ainda estavam a meio; enquanto bebia o meu café, pude reparar que decorria naquele local um festival de cinema francês. Então pensei que alguns filmes deviam ser interessantes, para desenjoar das longas metragens hollywoodescas, e que talvez aquela iniciativa não tivesse muito êxito, por causa da massificação que se assiste na indústria cinematográfica. Puro engano.
Quando desço as escadas, encontro-me no meio da multidão que entretanto tinha abandonado as salas de cinema e descido para o hall de entrada do cinema. Olhando para todas aquelas pessoas, vi que não havia uma que se destacasse pela sua simplicidade. Nas raparigas, os vestidos cor de canela, os cabelos tingidos de ruivo, as malas feitas de trapos, as sandálias tipo Woodstock. Nos rapazes, os óculos de massa, as bóinas à pintor, as barbas desenhadas à francês, os ténis cor de abóbora.
Toda a população pseudo-intelectual se encontrava ali representada. Para tentar não ser descredibilizado por aparentemente criticar as pessoas apenas pelo seu aspecto, convido o leitor a seguir a minha visão. Ali estava um cardume - constituído por pessoas que supostamente admiram a criatividade, a diferença, a variedade no pensamento artístico, mas que, não obstante, pareciam fotocópias uns dos outros; muito para além da simples característica em comum de gostarem de cinema francês, todos eles eram anti-hollywood (à excepção do David Lynch e do Tim Burton). Ponho as minhas mãos no centro do Etna. Ponho-me a pensar que "O Principezinho" é o seu livro de eleição, gostam de gatos em vez de cães porque aqueles são muito indepentendes, são histéricos (quase bi-bolares), vão às aulas com malas de couro desbotado e fivela daquelas de encaixar...

10 de novembro de 2004

Coisas boas?


Estou aqui a “suar as estupinhas” para escrever algo revitalizante. Queria proporcionar uns sorrisos, ainda que breves, ao leitor, dando-lhe o simples prazer dum sorriso cheio de significado algum. O esforço é titânico, não por não existirem razões para que um sorriso se abra, mas porque só me vêem bílis à boca e pior, aos dedos! A crítica do escárnio e mal dizer é uma arte fácil. O maldizer é uma constante da vida, não só por sermos seres sempre insaciáveis mas, também, os exemplos tristes pegam de estaca, nem o oídio lhes toca!
Já sei, uma razão para sorrir: o tempo tem estado bom! Eu bem me esforço... mas só me vem à cabeça temas como o encerramento do túnel do Rossio, que mais umas horas teria subterrado umas dezenas de pessoas (passaríamos a ter o caso de entre as estações!). Mas vou fazer um esforço. Deixa cá ver... Ah, temos ai um lançamento para o Natal, que consiste numa caixa com filmes da Heidi e da abelha Maia, com oferta dum relógio! Por apenas 24,99€! Ora ai está uma boa notícia. Este lançamento ainda não vai contar com nenhum dos prometidos “choques” fiscais, estando prometidos os choques orçamentais e por ventura, se o pessoal se puser com ideias reaccionárias, a polícia de choque. Ai, já estou a desalinhar! Bem, para os eleitos temos a temporada de bailado da Gulbenkien. Outra coisa que me irrita solenemente é a noção de cultura. Mas porque é que um degradé de cinzentos e vermelhos, com um nome do tipo “infância num campo de acácias” é arte e eu sou só mais um tecnocrata se assim não o achar? Desculpem se acho que o cinema deve ter imagem, pois se assim não for, tenho por hábito chamar-lhe rádio! As pessoas que não gostarem de bailado como eu, digam-no! Não tenham medo! “Find a happy place”... pronto, já estou mais calmo. Outra coisa boa é que já quase não oiço falar da quinta das celebridades, o que pode ser mau, pois estas coisas são como os putos: quando estão calados é porque estão a preparar alguma. O preço da gasolina lá desceu meio cagagésimo. Ora aqui está outra facto que nos obriga a rasgar um sorriso, esses velhos do Restelo que diziam que as gasolineiras faziam “panelinha” – palhaços. E quem é do Benfica tem sempre motivos para rir, nem que seja com a maneira meio símia de correr do Karadas.

Qualquer dia vou conseguir fazer uma crítica construtiva e então tornar-me-ei num Homem válido. Um dia saberei escrever, nem que tenha de usar uns ténnis cor de abóbora©, uns óculos de massa e beber sprite, conseguirei...

8 de novembro de 2004

George W Bush

Eu ainda estou meio perplexo com os resultados eleitorais obtidos na semana passada nos EUA. Espanta-me que um energúmeno como aquele tenha conseguido mais de 50 milhões de votos, e pior!, vencer John Kerry por 3,5 milhões de votos.
Custa-me a entrar na mona que aquele que se revelou o pior presidente da história daquela nação tenha sido escolhido em massa. Aumentos brutais nos níveis de desemprego e nos custos opercaionais, o envio de milhares de soldados para o Iraque à caça de gambozinos (dos quais mais de mil já pereceram, e milhares já saíram feridos - mas há sempre um lado bom!, poderá ser instituido um governo America-friendly que venda petroleo a preço de amigo), a má campanha na caça de Osama bin Laden no Afeganistão, e a constante demonstração pública de falta de inteligência.
O problema é que ele tem um paizinho que a sabe toda.

Mas o que mais me espanta é que mesmo tendo aparecido um filme como Fahrenheit 9/11 (que, tirando algumas obvias manipulações artisticas para criar impacto, transmite a mensagem que o sr. Presidente é um granda filha da puta mentiroso e incompetente), a maioria dos americanos preferiu ignorar as provas e escolher um candidato que, tal como eles, defende os principios morais do catolicismo mais hardcore. «Ai o Kerry diz que os seus principios morais não vão influenciar as suas decisões? Esse herege defende que os paneleiros se podem casar e que os abortos são legais? vou votar no homem que defende os meus valores!», terão pensado decerto milhões de americanos na ruralidade enquanto tinham sexo com as suas irmãs.

No final tudo se resumiu a uma questão de religião, e não de competência. Kerry, ao defender o aborto e a pesquisa com células estaminais embrionárias, alienou milhões de votantes. Bush já proibiu a pesquisa com CE, e prepara-se para introduzir uma lei retrógrada para tentar proibir o aborto livre.

Outra coisa estranha (ou talvez não, porque já nada me surpreende), foram as irregularidades no processo de voto. Desde votos electronicos que não emitem recibo comprovativo da votação (e que como tal podem ser facilmente manipulaveis), a máquinas electronicas que vieram de fábrica com uma pré-definição a dar vantagem de 500 votos a Bush, passando pela anulação de votos (estatisticamente cerca de metade dos votos anulados deveria referir-se a um dos candidatos. Um estudo aponta que mais de 90% destes eram favoráveis a Kerry). Isto para não falar que certas assembleias de voto punham os jovens (mais favoráveis a Kerry) à caça de gambozinos, indicando que pessoas de uma certa idade tinham que votar num sítio especifico (que não existia). Ou muitas assembleias de voto terem à entrada panfletos cristãos que exultavam as qualidades morais de Bush. Só mesmo na América.
Basta dizer que no dia a seguir à vitória, o site da imigração do Canadá (que recebe os pedidos de vistos de residência) teve um aumento de 600% nas visitas.


Quero ir morar para Marte.

6 de novembro de 2004

Speechless

Há alturas em que ficamos incompreensivelmente estupefactos perante o inevitável ciclo da vida; digo incompreensivelmente estupefactos porque é uma situação a que todas as espécies estão sujeitas, uma circunstância a que nós já deveriamos estar habituados. Mas não estamos. A ligação entre o racional e o irracional prende-se com a necessidade de sobrevivência do próprio e da espécie. O ser humano cada vez menos se preocupa com a sobrevivência da sua espécie. Será então que se tornou mais racional? Mais animal irracional? Não... O ser humano tornou-se cada vez mais estúpido, incongruente, ignóbil e fútil. Nenhuma destas definições cabe no conceito de racional, nem de irracional. Tudo isto porque um animal racional não faz, por definição, algo que o prejudique a si (ou à sua espécie); o animal irracional mesmo que faça algo que o prejudique a si (ou à sua espécie) não o faz em consciência. Em última análise, um ser humano que faça isso, está a ser auto-destrutivo.
Perguntam porque questiono coisas que provavelmente vocês já sabem. Porque a vida tem um valor incalculável e parece que é sub-aproveitada. Só dão real valor à vida quando algo de mal acontece a si ou aos seus, até mesmo quando acontece a alguém que é uma celebridade e que nos entra pelos ecrãs, dentro das nossas casas. No entanto, esquecem-se que a cada segundo que passa, morrem milhares de pessoas em todo o mundo, vítimas das mais incríveis barbáries ou vítimas das suas patologias adquiridas ou herdadas. Essas não são recordadas. O Zé Ninguém que vive debaixo da ponte, sub-nutrido, desidratado e que vai morrer com uma infecção respiratória, não é recordado. A prima do Zé Ninguém que tem problemas de hipertensão arterial, teve um enfarte e morre, ninguém se lembra dela. A avó do Zé Ninguém que sofre de Doença de Alzheimer, tem aterosclerose generalizada e que vai morrer, não tem valor. É, sem dúvida, mais importante dar valor aos problemas fúteis que nos assolam e que parecem não ter solução nenhuma. Prioridade máxima para garantir a estabilidade financeira dos grandes! O que se passa connosco? Quem realmente necessita de cuidados não os tem porque a atenção vai para outras vertentes que não a humana? O mundo anda trocado. Aconselho a todos esses senhores do poder, inquebráveis e inabaláveis, a irem ao antro do degredo humano que é um hospital. Se tivessem uma réstia de humanidade naquelas cabeças de pedra-pomes, ocas, chorariam a ver a miséria que anda pelo nosso país fora, miséria que caminha como um exército de mortos-vivos apenhados nas suas ruas onde jazem cadáveres, seus companheiros de vida amargurada. Talvez deixem de pensar na saúde como um negócio que tem que dar lucro. Mentalizem-se, oligofrénicos sedentos de poder e dinheiro, a saúde não é um negócio e, como tal, não está feita para dar lucro! Vejo esses senhores, dignos de um lugar no reino de Lúcifer, como capazes de privatizar até a própria mãe. Mas isso são assuntos que não dizem respeito à saúde, até porque não me lembro da existência de um hospital dentro do Parque Eduardo VII.
Episódios de dias passados levam-me a passar esta mensagem. É impressionante como o ver partir de uma vida é idêntico ao apagar de uma vela. Os olhos que brilham intensamente, mesmo que magoados e assustados pela doença, reluzem ao mínimo raiar de luz. Quando vemos que aquele foi o último batimento cardíaco, o brilho desaparece. A tão aclamada alma tinha saido. A pessoa que não conhecia de lado algum, com quem tinha dialogado, estava ali: impávida, serena, calma. O encontro com a morte fora inevitável. Algum dia a morte tinha que ganhar. Quando fazemos da nossa vida uma luta constante para evitarmos a morte, todos os problemas parecem ser pequenos ao lado desta rivalidade natural e primordial.

Adormecido, mas não morto!

Olá, malta!
Isto tem estado muito em banho maria por estas bandas. Não faltam assuntos, não tem faltado produção passível de resultar em novos posts, mas a verdade é que as coisas têm andado muito inconsequentes... de maneira que nada está pronto para publicação.
Sei bem que não se importam, não é verdade? Todos nós temos agora muito que fazer, e esta mensagem é só para dar uma palavra de apoio, e para que não pensem que desisti de escrever. A falta de tempo e de energia é que me tem condicionado, mas muito em breve teremos algumas surpresas...

Aquele abraço...

12 de outubro de 2004

Knives Out

Após uma rica semana em que o governo foi atacado em todas as frentes devido ao caso Marcelo Rebelo de Sousa, eis que o primeiro-ministro fez ontem uma comunicação ao País (relembrando as conversas em família do saudoso sucessor do ditador Salazar, Marcello Caetano, que, ironicamente, é padrinho de baptizado do Prof. Dr. mais famoso do país). Nem faltaram as fotografias dos filhos na mesa por trás dele, a demonstrar o seu interesse na defesa dos valores da Familia. E o que é que de tão interessante continha a mensagem do dr. Santana Lopes para os Portugueses? Aumento da função pública acima da inflação calculada, aumento das pensões até um máximo de 9% e descida da tributação do IRS. Nobres intentos, sem dúvida, mas dificeis de concretizar, porque

#1: Ainda há não muito tempo o excelentissimo sr. dr. Bagão Félix, Ministro das Finanças, reafirmou que no próximo ano não haverá disponibilidade finaceira para grandes loucuras, i.e. o Governo teria que continuar a sua politica de contenção;

#2: atendendo à presença cada vez mais desejada de militares americanos na região do Golfo Pérsico, à crescente instabilidade na Nigéria (6º maior produtor mundial de petróleo) e às tragédias climáticas na América Central e do Sul (por exemplo, a Venezuela é o 5º maior produtor mundial). Junte-se a isto a crescente procura de mercados emergentes com a China (que congrega apenas 1/5 da população mundial), e não se vêem sinais de o preço do crude baixar tão depressa. E com isto, a inflação vai atrás.

#3: Cheira-me tudo a manobra de diversão politica na ressaca do caso de censura. Agora que a responsabilidade de transmitir as partidas da Superliga em canal aberto foi delegada na TVI (achei muito estranho que a RTP, controlada pelo Estado que aparentemente até tem alguma margem de manobra financeira, a julgar pelo discurso de ontem, não tenha feito uma contra-proposta para segurar o seu maior ganha-pão dos últimos anos), poderá o medo de perder as avultadas receitas que o futebol sempre traz influir na capacidade decisória do sr. dr. Miguel Paes do Amaral?


Seja como for, reservo o seguinte espaço para algum elemento do Governo poder expôr o seu contraditório:


























O que até é estúpido, pois o próprio Pedro Santana Lopes andou durante semanas a fio a fazer comentários all alone no Jornal da Noite da SIC, pouco tempo antes de Durão Barroso ser convidado para a Comissão Europeia.

10 de outubro de 2004

Quinta das "nulidades"

Viram? Não viram? Mas com toda a certeza... já ouviram falar! É verdade! Não se fala de outra coisa senão do Zé Castelo-branco (ou elefante branco?) e do seu bóbi (ou bibi?)... Como é possível que um programa tão reles, com gente com tão pouco valor e com tão pouco conteúdo consiga ter tanta audiência? Será a curiosidade pura ou falta de gosto e ignorância? O que é que leva uma pessoa a ficar sentada em frente ao televisor a "comer" o pequeno-almoço da cinha, a aturar as bichanices da Romanova, ou a esbarrar com o bruta montes (de Vénus?) brasileiro, que só sabe é carregar baldes lol.
Num país onde, de acordo com as estatísticas europeias, a estupidez é máxima, como é possível que as pessoas não se revoltem? De onde vem tanta estagnação e gosto pelo fútil? Será que são os modelos estrangeiros??? Mas... se fossem... porque é que estamos mais atrasados que eles? Afinal são eles que inventam estas merdas que passam na televisão! Isto preocupa-me e leva-me a crer que Portugal é de facto um país do terceiro mundo, com uma assoalhada, água canalizada, Internet e T.V. por cabo (ooops… já tem ADSL), ou satélite, como lhe queiram chamar! Não passamos de marionetas... Fazemos exactamente o que eles querem que nós façamos. Somos um país de acomodados, quanto menos pensarmos... melhor! Os nossos únicos exemplos são as americanadas e o fitness, que importamos aos montes em HOLMES PLACES disseminados, como se de uma epidemia se tratasse!
São precisas vitórias no Euro para comprarmos bandeiras e andarmos para ai a buzinar e a gritar por Portugal! Que vergonha! De um país em cuecas, passámos para uma nação coesa e forte... até parecia o 25 de Abril, não fosse o facto de termos continuado com a ditadura!
Estaremos para sempre condenados a parasitar na cauda da Europa, ou será que um dia poderemos chegar ao tálamo e fazer parte do comando central?
O panorama não é muito satisfatório… não fossem as vitórias do Benfica e o livro de memórias do Mourinho!
Enfim… viva a SUPER BOCK!

6 de outubro de 2004

I Might Be Wrong, parte I - CDS - Partido Popular

Em mais uma tarde de domingo, passada num qualquer café à beira de uma estrada, eis que surge uma folha de jornal antiga trazida pelo vento de Outubro. Como que trazida pelo destino, bate-me nos pés; instintivamente, levanto-a do chão, com a curiosidade de quem não tem nada para fazer. Automaticamente, desejei não o ter feito, porque vinham duas fotografias que rapidamente me deram a volta ao estômago. Curiosamente (ou talvez não), lado a lado encontravam-se dois ícones da política portuguesa: Celeste Cardona e Pires de Lima. Vocês sabem quem são, com certeza.

Claro que comecei a dizer mal a torto e a direito, chateei os meus amigos com o meu praguejar. Não me interpretem mal, eu não gosto de política e os filhos da mãe existem em toda a parte. Mas parece-me que no caso do PP as laranjas podres cairam naquele cesto como se fossem atraídas por alguma força primordial. Um pouco como a massa amorfa e desuna que girava em torno de uma estrela, e que formou planetas por agregação. Enerva-me pensar que, se dos 10 milhões, votaram 62,8%, e se o PP contou com 8,8% dos votos, isto dá, fazendo as contas, mais de meio milhão de pessoas (?).

Tomei a liberdade de apresentar algumas das vedetas em fotografia.

Pires de Lima: aparece em todos os debates como representante deste partido. Parece um trolha, (com a devida ressalva, porque os trolhas são gente válida, respeitável e necessária), nunca tem uma argumentação subtil (é quase do tipo: toda a gente sabe que eu sou um grande sacana, mas façam um esforço para fazer de conta que não e que o que eu estou a dizer é mesmo aquilo em que acredito), e não me apetece falar mais dele.

Celeste Cardona: fala como se soubesse muito mais do que toda a gente junta, mas quando a vejo a falar na televisão, acredito mesmo que sabe muito mais de determinados assuntos do que toda a gente junta (basta-me olhar para aquela boca de ordinária para ficar convencido disso). E esta de ter ido trabalhar agora para a CGD... oportuno, no mínimo.

Bagão Felix: a cara não engana. Estamos perante um vampiro. Talvez a foto não seja a mais bem escolhida, mas a verdade é que não encontrei uma que lhe expusesse os caninos. Como é possível que se escolha alguém comprometido com as seguradoras para ministro da segurança social? E agora, para ministro das finanças! É entregar o ouro (que não é muito, já) ao bandido (que esse sim, é mesmo muito bandido!).

Nobre Guedes: não tenho muito a dizer. É a prova de que o político português, mais do que roubar, pilhar brutalmente e sem contemplações, tem que mostrar que o faz. Um gajo que é indigitado para ministro do ambiente ir construir na área protegida da serra da Arrábida, que é dos sítios mais bonitos que já vi, um palacete senhorial... esse senhor devia ser atado ao pelourinho e apedrejado (com pedras da pedreira que lá foi aberta). Peço desculpa aos mais sensíveis, mas eu sou sensível à mãe natureza e esse senhor nem desculpa pediu.

João Pinho Almeida: o cromo mais difícil de sair. É a prova de que a mediocridade compensa. Um deputado mais novo que eu, de quem a própria bancada parlamentar se ri quando discursa. Director da Fúria Azul (claque oficial do Belenenses). 4º ano de Direito... quando vi os cartazes dele espalhados por Oeiras, como candidato à Câmara Municipal, não soube se havia de rir ou chorar. Estava agora a ver um documentário, mesmo a propósito, sobre a maneira como as planárias se regeneram: se cortarmos uma em quatro partes, cada uma delas origina uma nova planária. A semelhança entre as planárias e os filhos da puta acaba aqui, porque estas são platelmintes de vida não parasitária.
Fui pesquisar: meu deus! Ele afinal é mais velho do que eu! E diz nas habilitações: frequência do 4º ano de Direito! Já o estava a favorecer... e acreditem: esta fotografia favorece-o muito.
Fico por aqui. Toda esta temática dá-me náuseas.

Nota: o meu pai apanhou-me a montar as fotos! Apenas disse isto: estás a planear um filme de terror ou estás a pensar estrumar o alentejo inteiro? ...

6 de Outubro... 2:53 :) OU :(

A vida é um conjunto de disposições para... São elas que constituem o limite das nossas capacidades, a nossa vontade, o nosso ser! Podemos até pensar que não vamos conseguir, que tudo é difícil e complicado, que nunca atingiremos o objectivo proposto. Por vezes, parece que caminhamos num deserto em que a areia corre como água, afogando a nossa vontade de vencer, enterrando a força e a esperança que havia em nós. Por vezes, sinto que tudo o que alcançei até aqui é falso e instável, perdendo-se por entre os dedos do tempo. Que realidade petulante permanentemente criamos ao som dos nossos dias? Que egoísmo é este que nos cerca e contagia, ao pulso frenético da matéria que se molda em sofisticadíssimos carros e telemóveis, que se veste com marcas radicais e snobs. Incomoda-me a sociedade em que vivemos. Sinto-me sufocada neste acelerador de particulas que incessantemente voam em direcção ao nada, ao abismo. Tudo seria tão simples se pudessemos estar cercados por imagens como estas! É preciso reinventar! Não... não me refiro ao "show" da Madonna no Atlântico! Como é possível ter tão pouca qualidade e tantos fãs! Não será isso representativo dos tempos em que vivemos? Da falta de sensibilidade para apreciar, reconhecer e louvar os verdadeiros valores musicais (e não só!)? Como é possível gostar de um produto sintético feito para para as massas... como se de um BIG MAC se tratasse. Perdoem-me os apreciadores de Macarrão Amassado Deficiente Orgásmico para Novatos e Amadores! Não é que a diva (ou divã?) não tenha jeito para a música... Agora elevá-la à categoria de Música é que por favor! É quase como dizer que "Se a minha avó tivesse asas era um avião"! Enfim... Indescritível realidade esta em que vivemos!

Fuga

A passo frenético e rotineiro lá vou inconscientemente respirando o saturado ar desta ignóbil cidade de buzinas constantes e intransigentes, de gente boa e má, de escravos e lordes! Bombardeada pela fulgurante imagem da publicidade, da inexistente necessidade criada, deixo-me sufocar e levar pelo individualismo egoísta da vida urbana. Mergulhada num mundo de ilusão, crédito e facilidade, vejo os cegos inocentes habituados a uma realidade miserável, em que os valores morais são suplantados pelos bens materiais, pelos enormes e sedutores corredores do consumo que subtilmente os entretêm. A par desta triste realidade, os protegidos do sistema, sustentados pelo suor daqueles que trabalham, facilmente o esquecem e, ao som dos mastros e velas, lá se vão banhando num restrito sol que, dito universal, não passa de pura miragem para aqueles que famintos e cansados consomem a sua inglória vida por um simples raiar! As crianças, despejadas em escolas sem tecto, lá vão sobrevivendo: deixando-se endrominar pelos desígnios da televisão; dando continuação a esta marcha progressiva em direcção ao nada. Os jovens, condenados à virtualidade do sistema educativo apoiado na teoria, decoram com frias palavras a preciosa e maravilhosa natureza, condensada em pequenas e limitadas imagens, pobremente reduzida a parágrafos sem vento, sem cheiro, sem som... A sua irreverência e sede de lutar por causas facilmente os faz aderir às inglórias manifestações, muitas vezes ignoradas e desacreditadas por uma censura egocentrista e indiferente, comandada por aqueles que também um dia foram jovens mas que agora, habituados a um mundo por eles banalizado e corrompido, apenas pensam em si e no seu bem-estar, tendo por lema: ganhar!Os idosos, que outrora foram o suporte de tudo e hoje são ignorados como inúteis fardos, nos bancos de jardim jogam as suas cartas, nos balcões das farmácias depositam a sua miserável reforma, no empedrado da rua pedem apenas por um pedaço de pão! Os drogados, doentes, sujos e viciados, contribuem para este cenário aterrador, destruindo as suas vidas e as dos outros, mutilando a preciosidade que é viver! Nas primeiras páginas, o crime, o racismo e a crise são uma realidade que se mistura no sufocante pó das inacabáveis obras, acabando por cair no fosso que é a nossa economia. É este o mundo em que eu vivo, é esta a realidade que me provoca uma tremenda tristeza e desolação, é esta a cidade que me faz querer fugir para o lugar dos meus sonhos que, embora desprovido de todas as inovações materiais, é dotado de toda a riqueza das mais sinceras e puras relações humanas, livres do egoísmo, da decadência, da aparência e da falsidade das grandes urbes comandadas por fortes apelidos, sustentadas por humildes desconhecidos.

29 de setembro de 2004

O outro lado


Depois de ter lido o “Diário de um caloiro”, senti que devia expor uma outra visão. É engraçado que passados alguns anos, as impressões dum caloiro da FCUL não sejam diferentes das que experimentei, eu e os meus companheiros de armas. O que é ainda mais engraçado é reparar que os embustes que se nos deram a reparar continuam, e é isso em última instância o que os perpetua! Ao ler o testemunho do Vaskithu, senti-me como um narrador omnipresente e omnipotente. Senti-me um pouco como aquele ancião de barbas no cimo daquela torre no “fort Boyard”, que podia dar-te a chave ou, como invariavelmente acontecia, fazer-te nadar no mar para a ires buscar. É inevitável ficar um pouco intimidado, sendo recém chegado. Muita gente, muitos pavilhões, muita confusão. Passados uns tempos começamos a reparar que a multidão é sempre a mesma, os pavilhões não são assim tão grandes e mesmo a confusão vai-se tornando aquele ruído de fundo do frigorífico, que só quando se desliga é que nos damos por ele. A pouco e pouco vamo-nos apercebendo dos embustes. Do que realmente são. Muito semelhantes a cavacas, que logo à primeira dentada descobrimos que são ocas. Depois descobrimos os habitués da palheta – a conversa de chacha. Aqueles que dizem que fazem isto ou aquilo. Aqueles que dizem que não estudam e que se desunham, aqueles que dizem que não precisam de estudar (pois é tudo muito fácil). Estes são de longe os meus preferidos, aqueles que ainda nem chegaram à fase de negação! No outro dia estava na esplanada a beber um café (sitiozinho execrável onde nem te consegues ouvir a pensar!) e dei comigo a ter uma ideia perfeitamente lúcida sobre a FCUL. Este espaço assemelha-se a um ponto de encontro de nómadas. Pessoas com pouca ligação entre elas encontram-se com um propósito semelhante. Vêem de sítios diferentes, criam laços pouco sólidos, e relações de abrupta intensidade. Mas depois... Depois é a selva! Talvez fosse esta a faceta que mais me custou a ultrapassar. A aparente mão amiga, a ilusória ajuda, o amigo D. Sebastião... É engraçado que no meio de tanta gente estejamos sozinhos! Pois é, contamos connosco e pouco mais. É claro que fiz amigos, não muitos mas bons. Mas de toda a gente que conheci, a quantidade que se aproveita e atenção, estou a dizer “aproveita” é ridícula. Depois há a praxe. Eu acho que este assunto já foi por demais debatido, havendo tantas opiniões como opinadores. Não entrando na discussão da lã caprina dos a favor e contra, direi a propósito que este é o terreno dos embustes. Eu acho que já nem os caloiro têm medo das praxes. Eu estava a fitá-los no relvado, ordens eram gritadas e o pessoal a ser praxado estava na boa... nem ai nem ui! Achei aquilo um pouco ridículo do ponto de vista do praxador. Na maior parte das vezes está ali para apreciar a colheita do ano e aí a probabilidade de figuras ridículas é enorme! Mas a FCUL também tem coisas boas, há que as procurar! Já agora, se alguém as encontrar avisem!

24 de setembro de 2004

Diário de um Caloiro

Segunda-feira, 20 de Setembro de 2004
Finalmente paro. Paro e sento-me num banco isolado perto do edificio onde penso que vou ter aulas. Adjectivei-o de isolado, mas penso que todos os bancos que vi por aqui o são, dada a distância desértica que os separa. Pois é, é verdade, o meu primeiro dia como estudante universitário não está a ser das experiências mais gratificantes que já tive.
Depois de me ter levantado e saído de casa ainda de noite, para ir ter uma aula de análise matemática I, que nem sabia ao certo onde era, pois a única pista que tinha era um TP 3/6 que estava no horário que copiei, vim a descobrir que isso era uma aula prática, algo que nao havia na primeira semana de aulas. Senti uma enorme raiva, que ainda se agravou quando reparei que só tinha uma aula teórica ao meio dia! Teria de passar 4 horas ali sem conhecer ninguem a tentar fazer passar o tempo. Comecei por dar voltas à faculdade para a conhecer melhor, e depois cá me sentei para elaborar um rascunho deste texto que agora escrevo. Quando o acabei procurei um bar, pois ja se tinham passado umas duas horas e a fome começava a aparecer.
As pessoas aqui sao definitivamente diferentes. Aqui todos têm um aspecto bem mais adulto que eu, a maioria muito mal arranjados, com a barba por fazer e tudo mais, e com ar de quem estuda 25 horas por dia. Já nao me lembro ao certo o que fiz no resto do tempo, mas quando entrei na sala, corrijo, anfiteatro, estavam umas 50 pessoas à espera de um professor que apareceu logo de seguida: era a aula de apresentação de Análise Matemática. Nao gostei desta aula pois nao consegui ouvir muito do que o professor disse devido ao barulho feito pelos outros alunos e à incapacidade expressiva oral do primeiro (falava para dentro). Acabou a aula, diriji-me para o exterior e fui embora da faculdade almoçar com a minha namorada.
Terça-feira, 21 de Setembro de 2004
O dia começa cedo mais uma vez, ou seja, acordar ás 6:30 para ter aula ás 8:00, mas desta vez tinha mesmo aula, de informática, Introdução à Programação. Surpresa a minha quando no decorrer da aula uma rapariga (se nao era a única, não me lembro de outra ) disse ao professor que era de engenharia geográfica. Fiquei espantado mas contente, e rapidamente fiz um retrato fisionómico da personagem na minha cabeça. Uma pessoa dos seus 20 e tal anos, magra, relativamente gira, com ar muito interessado. Devido a esta ultima característica não quis saber dela e fui embora no fim da aula à procura do meu amigo (de escola), que estava no departamento de fisica e era a ùnica pessoa minha conhecida nas redondezas.
Quando olhei para o meu horário constatei que a aula seguinte (Àlgebra) começava à mesma hora que esta última tinha acabado e portanto nao tinha intervalo. Então apressei-me para o local da aula e quando lá cheguei vi que a aula seria noutro sector da faculdade, que curiosamente era no anfiteatro ao lado de onde estava à 3 minutos atras, e numa zona longe da qual eu estava no momento. Entrei na sala e reparei no professor a gritar e esbracejar lá ao fundo. Tinha pelo menos 150 kilos, suava por todo o lado e tinha um ar de muito mal disposto. Uma rapariga sentada atras de mim perguntou-me se eu era caloiro, ao que respondi possitivamente, e ela retorquiu dizendo que este professor era muito muito lixado e só passava raparigas. Como é obvio fiquei assustadíssimo já convicto que ia chumbar. Pior fiquei quando ele disse que no tempo restante de aula (cerca de 1 hora penso eu) teríamos de fazer o exame da 2ª fase de matemática de 2004, e quem tivesse menos de 14 nao teria razão para vir as aulas pois estaria chumbado. Mas passado muito pouco tempo quase toda a gente do auditório se levantou e começou a bater palmas, muitas das pessoas à minha volta a dizer que era uma brincadeira e que era uma aula de praxe. (Enorme suspiro) Estranhamente os veteranos que me rodearam pensavam que eu era do curso de matemática, mas quando disse que era de engenharia geográfica ficaram com um sorriso amarelo.Passo a explicar: Este curso tem muito pouca gente e como tal nao há veteranos o que torna a vida de um caloiro do curso bastante complicada. Continuando:
Não saí do meu lugar, a professora de àlgebra entrou na sala e apresentou a disciplina. Quando acabou e saí da aula deparei com as praxes de matemática, e ao perguntarem-me o meu curso, encontrei um rapaz do segundo ano de engenharia geográfica! Óptimo, finalmente tinha alguem que me podia algumas noções neste mundo diferente. Pareceu-me uma pessoa muito fixe com interesses como os meus e convidou-me a fazer parte das praxes. Quando olhei para os caloiros, neste caso caloiras ( 18 raparigas 0 rapazes ) todas pintadas, com latas presas aos pés e tudo mais nao me deu muita vontade de ir com elas. Claro que vocês vão pensar que sou parvo, que era o meu paraíso e tudo, mas acho que estaria um bocado deslocado, que é para nao dizer completamente. De qualquer forma acompanhei as praxes de fora, mas, sem nada a perder, decidi juntar-me durante o almoço na cantina, onde comecei por comer sem talhetes. É Verdade, à lambidela limpei o prato de esparguete à bolonhesa!! E no meio de raparigas de matemática, foi o rapaz de engenaria geográfica que melhor se safou, quererá isto dizer alguma coisa ? ( tou a brincar =PPP ).
Bom, depois do almoço fomos de metro até à baixa, onde montamos estendal no meio da Rua Augusta a vender lápis, cantarolar músicas inventadas e fazer todo um tipo de coisas que nao lembram ao diabo, sempre envergando um Saco do lixo preto com um papel atrás em que estava escrito Π’ ( Pi-linha; Pilinha – simbologia atribuída ao único rapaz , vocês devem conhecer, eu nao conhecia.). Posso afirmar que estava errado ao principio do dia, que me diverti muito e conheci muita gente nova! :-)
Quarta-feira, dia 22 de Setembro de 2004

Hoje as aulas começaram mais tarde! 10:30 é a hora de entrada o que me safa de madrugar estupidamente. Vou para a faculdade com um sorriso, pois ja conheci colegas de matemática e começo o dia com a primeira aula a sério de análise matemática. Sentei-me junto das minhas novas amigas e tivemos uma aula em que não percebemos patavina mas que se jogou muito com o telemóvel e tudo mais. Tambem conheci nesta aula a malta do meu curso de 2º ano, que não passaram a nenhuma disciplina e pelo que me pareceu vão repetir a proeza este semestre. Acabou e aula e fui com o meu padrinho, o Tiago (o rapaz que me praxou), tratar de regularizar a minha situação, pois não me encontrava inscrito nas aulas práticas das disciplinas. Seguiu-se um almoço na cantina, onde provei uns dos piores filetes que alguma vez comi, e depois da refeição teria Introdução às Ciencias Geográficas, que é a única disciplina directamente relacionada com Geografia, e como tal, apenas a teria com os outros meus colegas, caloiros, que iria conhecer.
Ao chegar à entrada da sala deparei com 4 pessoas: Duas raparigas novas, um rapaz igualmente novo e um outro “senhor” que até parecia professor. Este último era um dos meus colegas, e tem 37 anos ( interessante..). Das outras 3 pessoas posso adiantar que uma das raparigas, que entrara para o curso com média de 18.5 e como primeira escolha tinha um ar particularmente de MARRONA, a outra rapariga tinha um ar normal, e o rapaz parecia assim um tipico jovem dos anos 90 americanos tal como os filmes os descrevem.
Cumprimentei-os sem dar confiança nenhuma e acabamos por não ter aula. Até hoje ainda nao conheço o professor. Depois desta saga geográfica foi o baptizado dos caloiros. Consegui trazer comigo as duas raparigas do meu curso, o rapaz nao veio pois ja não era caloiro. Fomos para o campo grande e o nosso batismo consistiu num balde de àgua do lago pela cabeça abaixo e toda uma panóplia de actividades de caloiros que no dia anterior já tinha praticado. Posso dizer que me diverti mais uma vez, e de seguida encaminhamo-nos para o metro, onde tentei conhecer mais um pouco as minhas duas novas colegas. Daquela mais croma só consegui saber era de óbidos e que estava num quarto alugado em alvalade. Da outra rapariga que me pareceu uma pessoa mais parecida comigo. tirei que era de Oeiras, tinha 22 anos, tinha namorado, nao bebia, e já nao me lembro muito mais, mas fiquei com ideia de que nao era assim tão parecida comigo como me pensava.
Quinta-feira, 23 de Setembro de 2004



As aulas começam as 8:00! (o que me obriga a madrugar). Não me custou muito a levantar, porque queria conhecer estes meus novos colegas com quem vou estar o resto do ano.
Mas depois de 2 horas e meia de aulas percebi que definitivamente são diferentes de mim, e que terei de arranjar outro tipo de companhia se quiser agradar à minha maneira de encarar a vida.

Chega ao fim a minha primeira semana, pois sexta-feira nao tenho aulas (eram todas práticas) e posso concluír que tive muitas surpresas. Desejo a mim mesmo boa sorte que bem vou precisar.

5 de setembro de 2004

Diário de um Magoado - Manta Rota - Parte final

Ao notar a inquietude que a minha cadela demonstrava, dando pequeninos pulos só com as patas da frente e arfando sonoramente, soube logo que tinha que me levantar do sofá e ir dar um passeio com ela à rua. Peço-lhe para esperar. Ainda meio sonolento, decidi ir ao armário e tirar de lá a primeira coisa que visse para comer; afinal de contas eram 6 e meia da tarde, hora do meu lanche. Decido ser guloso: saco de uma lata de salsichas Nobre®, abro-a e escorro o líquido para o lava-loiça. Calço-me (com o que está à mão), visto um casaco (aquele que alguém perdeu num bar, nas férias, e eu recolhi), pego nas chaves e chamo-a para vir. Deixo o telemóvel em casa.

Ao descer as escadas trinco a primeira salsicha. Começo a pensar que é capaz de estar já frio na rua para ir vestido assim de calções curtos, sem meias. É Setembro, fim da tarde, e corre um ventinho que sopra a espaços, quente e frio; parece que faz de propósito para arrepiar e fazer pele de galinha - é mesmo característico do Outono. Deixo a cadela atravessar a rua e ir para perto dos prédios novos que construiram da noite para o dia. Naquele espaço pastavam ovelhas não há muitos anos. Cultivava-se trigo, passavam debulhadoras, apanhavam-se amoras... agora vai abrir um novo pingo doce, e estou com ideias de ir trabalhar para lá em part-time se me aceitarem.
Sento-me no lancil do passeio que ladeia a estrada, e tiro mais uma salsicha. Perto de mim passam os carros, alguns a uma velocidade não aceitável para uma localidade, perto de uma escola... a minha rua é a única que não tem bandas sonoras de controlo da velocidade.Lembro-me então da última semana de férias. Dos passeios a pé por Manta Rota, com um calor enorme; daqueles fins de tarde na praia, com um vento quente que queimava mais do que o próprio sol. De andar descalço na rua só porque não apetece calçar os ténis. De não haver dinheiro nos multibancos. De assistir pela tv ao SLB a trazer a mala cheia para casa através do fundo de uma garrafa de Carlsberg. Ainda nem passou uma semana e parece que já foi há tanto tempo, lá tão longe! Parece daquelas memórias construídas de situações em que é impossível termos participado, mas que recordamos tão vividamente como se tivesse sido ontem.
Revivo então mentalmente a minha viagem a nado até à bóia. Desta vez mergulho logo na profundidade à procura da sereia dos cabelos negros ondulados e olhos azuis; passo de novo pelos navios naufragados, ruínas, cidades submersas... desta vez nado mais depressa, à velocidade do pensamento, passando por cardumes de peixes cada vez maiores e mais estranhos; já não preciso de ar nos meus pulmões, vou mais longe, mais fundo, mais escuro. Aproximo-me de um palácio, um Estádio do Dragão submarino, com muitas luzes azuis a ferirem as águas, imponente. Não vejo ninguém. Opto por entrar pelo topo desse palácio, e vou até ao centro das quatro linhas, um terreno feito de areia em vez de relva, completamente iluminado pelos holofotes. De repente, iluminam-se as bancadas, e vejo o estádio completamente cheio de gente minha conhecida a rir às gargalhadas e a apontar para mim. Ilumina-se agora o camarote imperial: mesmo diante e acima, sentada, vejo então a sereia, acompanhada por um tritão de olhar agressivo, a rir discretamente com um cigarro por entre os dedos médio e indicador da mão direita. Ela levanta-se. O estádio inteiro observa-a expectante. Fito-a completamente hipnotizado, paralisado, incapaz de esboçar outra reacção, como um boi à espera de um choque eléctrico. Sem tirar o cigarro da sua posição, ela fecha a mão e aponta o polegar para baixo, ao que o estádio inteiro explode de novo às gargalhadas. O tritão sorri, satisfeito. Só consigo balbuciar uma frase vezes sem conta para mim mesmo: "Queira desculpar-me... foi um engano meu.... queira desculpar-me".

Todas as forças do Universo se juntam no sentido de me estabilizar, ali sentado, quieto, como se a minha posição no espaço correspondesse à minimização total da energia potencial. Os vectores anulam-se, as energias contrabalançam-se, e dou por mim absolutamente quieto, num zero absoluto de percepção sensorial extensível aos 5 sentidos. Uma completa alteração de consciência. Mas no mesmo momento em que me dou conta disto, parece que o gerador de Castelo de Bode se ligou na minha cabeça. Sinto o sabor e o aroma das salsichas; o ladrar da cadela já a pedir para ir para casa; o quente da sua respiração e a leveza da lata, vazia (!), na minha mão; e o olhar de um casal de idosos, do outro lado da estrada, a perguntar-se o que faz um rapaz despenteado, mal vestido e com olhos vermelhos, imóvel há uma hora, sentado à beira de uma estrada movimentada, acompanhado por um cão, com uma lata de salsichas na mão...

4 de setembro de 2004

Raio X III

Foi solicitada a continuação da publicação da saga Raio X celebrizada no saudoso site conjecturas, e bem, aqui está ela!


Tudo o que não sabemos inventamos. Não nos contentamos em não saber, temos de inventar. Temos de ter uma opinião para tudo e é claro que tudo tem uma explicação, mais ou menos repescada. Se alguém coxeia é porque caiu, se for um homem provavelmente foi a jogar à bola ou o escadote caiu-lhe em cheio na perna mas, uma mulher a explicação terá de ser outra. O que lhe aconteceu de certeza foi que ficou com o salto preso entre as pedras da calçada e a coitada caiu. Não. Antes tenha escorregado no chão molhado da cozinha.
O que é importante nestes prognósticos são os pormenores e as leis das probabilidades. O primeiro factor condiciona o segundo mas nada é implicação formal. O que dá peso à forma final da nossa hipótese explicativa da realidade é se são apresentados factos que nos foram comuns isto é, no caso de virmos alguém coxear, e se esse alguém for homem – o peso do pormenor – a hipótese de que tenha sido a jogar à bola torna-se quase dogma se nos tiver acontecido o mesmo – peso das probabilidades.
Mas isto das probabilidades nem sempre é o que parece pois, um facto que à partida possa parecer ter uma ocorrência perto de zero pode ser dado como o “mais provável”. Pois, porque isto há coisas do diabo! E não há nada mais forte do que as nossas experiências – Factor três: peso das vivências.
Como se dá a ver, este último factor parece ser o mais importante na elaboração da nossa versão, descredibilizando por completo a probabilidade de tal acontecer. O homem que está a coxear foi de certeza a jogar à bola pois é homem, de aparência saudável e ... aconteceu-me o mesmo. O facto de trazer uma t-shirt a dizer “Eu não sou ciumento ... mas o meu namorado é!” não tem qualquer peso na elaboração da versão final – peso do pormenor: variável.
O que torna a raça humana especialmente interessante é a variabilidade de comportamentos que lhe assiste. Neste momento posso estar plenamente convencido que a experiência pessoal influencia a nossa versão eis se não quando, nos lembramos dos que se pensam autênticos. “Não... isto só me acontece a mim”. Sim, porque para mim é totalmente provável que só eu é que me aleijo a jogar à bola. Neste capítulo voltam-se a apelar aos pormenores outrora silenciados para explicar como foi exactamente a lesão bem como todos os pormenores envolventes, meteorologia, tipo da bola e afins. Este último dado vem gerar a confusão na análise do factor mais importante. As leis das probabilidades são completamente silenciadas, aos pormenores são dados pesos conforme nos interessa, e a nossa tábua de salvação que era o vivido tanto pode ser branco como preto, passando por todas as cores.
A confusão e o pânico instalam-se e proliferam. As variáveis são complexas e muito instáveis. Estamos perante um sistema em não equilíbrio isto porque, o que para mim é um falcão, para o outro é um milhafre, para o Pauleta é um açor e para o Vilarinho (pelo menos da parte da manhã...) é uma águia.
O somatório de tudo isto é um mar de hipóteses e que faz de nós seres tão interessantes (ou como dizia George Orwell, “...uns mais que outros”), imprevisíveis e maquiavélicos. Acho que está criado um bom trampolim para uma boa discussão sobre estereótipos mas seria bem mais fácil ter ido perguntar ao senhor o que lhe tinha acontecido...

3 de setembro de 2004

Cama, por onde pairas...?

Provavelmente, ao lerem este post, acham que entrou aqui um indivíduo com ideias perversas e devassas, que arrasam qualquer beata mais moralista que um apóstolo dos tempos de Cristo. Ou talvez não tivessem pensado em nada disto, mas sim naqueles dias em que estamos completamente exaustos e procuramos por algo que seja esponjoso, com/sem molas, que tenha mais do que 50cm de altura. Não...também não é sobre isso que pretendo expôr esta bela "posta" de pescada. Falo sim daqueles dias em que nem deviamos ter saido da nossa cama!

Aquela sensação da mescalina (como no tão famoso Matrix), fazendo-nos pairar sobre o céu (inerte, mas tão agitado). A primeira visão que temos, após a chegada das primeiras sinapses ao nosso córtex visual, é imediatamente interpretada no córtex frontal, como um dia cinzento, pouco feliz, soturno. A chamada de um amigo, ao telemóvel, interrompe-me a apreciação de tenebroso espectáculo (sim, tenebroso porque - ainda - estamos na época balnear). A insistência dessa mesma pessoa, desencadeia uma perturbante panóplia de sinapses que me deixa algo irritadiço. Era um almoço. Era. Continuei a navegar no meu paralelepípedo durante mais algum tempo. Nessa altura, parece que andamos por todo o lado, podemos sentir tudo aquilo que imaginamos, desenhar os cenários que pretendemos! Não ligamos às futilidades da vida que tantas pessoas ignóbeis insistem em remexer. Soçobramos a mente num rebulíço agradável de sensações várias! Tudo é ouro sobre azul! Nunca desiludimos quem amamos! Um passeio. Uma viagem. Um beijo. Tudo num momento rápido e veloz, dizem, em milésimos de segundo...quem diria que os sonhos duram isso. Talvez não! Alguns sonhos, duram mais! O estado de vigília é que difere - é muito melhor quando sonhamos acordados. Todos aqueles em torno de nós, todos aqueles a quem damos a nossa confiança e dedicação, esboçam um sorriso tão belo quanto o de uma faminta criança da Etiópia quando recebe a sua fatia de pão. Já dizia alguém (perdoe-me o esquecido) que "estimulos diferentes podem provocar reacções idênticas". O mundo parece diferente visto de um paralelepipedo...qual Fernão Magalhães! É algo mais vasto, com uma beleza imensa! Parece ainda mais redondo, menos quadrado do que o habitual. Quase que o nosso cérebro simula o bonito chilrear dos pássaros, o insistente bater da água que esquarteja a rocha submissa.

Acordo, sobressaltado pelo novo tocar do telemóvel. Irritado, só me apetecia lançar este objecto pela janela. Quando deixei cair a cabeça novamente na almofada, o sono já tinha escapado, ido embora como um suspiro. Cama, por onde pairas tu...? Há dias em que, definitivamente, não devemos sair dela. A beleza do mundo que projectamos em sonhos deixa-nos demasiadamente expostos às inevitáveis vicissitudes da vida. Mas o mundo em que vivemos tem as suas coisas belas. Temos é que saber tirar proveito disso!

2 de setembro de 2004

Diário de um Magoado - Manta Rota, parte II

A meio da manhã, decidi ir a nado até à bóia. Avisado de que as distâncias no mar são maiores do que parecem, imprimi de início uma cadência lenta mas forte. Já no outro dia tive que ir buscar uma bola quase a Marrocos porque se meteram com brincadeiras e depois o vento empurrou-a para longe - quando alcancei a bola já havia gaivotas com raminhos de oliveira no bico, como que a simbolizar que a costa já não era longe. Não sabia que há gaivotas em Marrocos, nunca lá estive... e quando me lembro de Marrocos só imagino turbantes, ladrões, areia...
O mar estava ligeiramente batido, e durante algumas respirações engoli muita água, apanhado de surpresa com aquelas pequenas ondas que vão de encontro à cara. A dada altura já me estava a sentir como um bacalhau com tanta água salgada.
Peixinhos, pequenos peixes, grandes peixes; bocados de palha, mastros de navios que flutuavam... e continuei a nadar, mas parecia que a bóia se afastava. Os movimentos estavam a ficar descoordenados e incorrectos, e estava a ficar com sono, portanto decidi fechar os olhos enquanto nadava. A água estava a ficar mais quente - tenho a certeza de que havia ali vulcões submarinos a congeminar a criação de novos arquipélagos - e enquanto isso eu pensava em montes de coisas que ficaram à minha espera na praia; pessoas que não vejo há muito, obrigações que regressariam depois das férias, a forma como os nadadores olímpicos de atenas chegariam à bóia muito mais rapidamente... o pensamento foi ficando mais denso e profundo, e acompanhado pelo ruído rítmico das braçadas e das respirações, desligado da realidade.
Vi então ninhos de aves marinhas a boiar no mar. O céu ficou coberto de nuvens, cinzento como numa pintura bíblica, luminoso, e o vento fazia carneirinhos na água. Vi vultos a moverem-se silenciosamente debaixo de água, sombras enormes, que depois emergiam de repente e se despedaçavam de novo na água - eram monstros marinhos, dragões com várias voltas à tona de água, polvos com enormes tentáculos que berravam com estrondo medonho por entre a neblina que entretanto desceu à água. Pude sentir as silhuetas de barcos antigos e dos seus marinheiros. Tentei perguntar-lhes o caminho para a bóia, mas eles falavam línguas estranhas e não me compreenderam.
Comecei a ficar cansado de esbracejar e de erguer a cabeça para respirar; decidi então mergulhar e ver o que havia mais à profundidade: peixes de várias cores, navios naufragados, ruínas de templos de civilizações antigas, arcas com dobrões de ouro... cidades submarinas envoltas em cúpulas de vidro... até que vislumbrei uma sereia que vinha a nadar na minha direcção. Tinha cabelos negros ondulados e olhos de azul marinho. Ela chamou-me mais para o fundo, fui atrás dela; mas ela nadava depressa demais para mim, e começou a ficar muito escuro debaixo de água, já não a via, já não via o fundo... e de repente já não me lembrava de bóia nenhuma, de onde estava, de quem era; já não respirava há muito tempo.
Acordei à náufrago, mesmo à beira-mar, agarrado a uma gigantesca alforreca.Estava aquele fim de tarde em que o sol ainda não tinha desaparecido a poente e já a lua se tinha elevado. Não havia ninguém na praia, nem sequer a moça que tinha querido impressionar quando decidi nadar até à bóia que era ali tão perto... as pegadas já começavam a desaparecer da areia, apagadas pela brisa quente que soprava em direcção ao mar.Mal me levantei, fui rodeado por uma nuvem de melgas em busca do jantar. Não sentia o corpo, e o que sentia doía-me. Aproximei-me das coisas deixadas no areal, que eram o único ponto discordante na paisagem homogénea. No telemóvel vi que ninguém tinha ligado, que nenhuma mensagem tinha chegado entretanto.

Enquanto regressava a casa, de toalha ao ombro, pus-me a pensar que preferia viver no mar.

25 de agosto de 2004

Diário de um Magoado - Manta Rota, parte I

Aqui o pessoal não aproveita o tempo como eu! Cada dia é mais quente que o outro (mais ou menos), e está-se bem é na rua, mesmo de noite! Isto tem aqui um bar muito jeitoso mesmo na praia, onde a cerveja é surpreendentemente barata ;)
Também noutros sítios a cerveja é barata, mas o café é ao mesmo preço! Aqui tento aproveitar ao máximo o tempo disponível para passear, andar ao ar livre... enquanto o pessoal joga às cartas em casa :). São opções :) tenho dormido muito pouco porque isto basicamente resume-se a copos, praia e desporto. Não está mal!
Aproveitei para vir aqui e tive muita sorte... estava aqui a beber um galão e houve um gajo que meteu aqui uma data de moedas e depois foi-se embora; de maneira que agora estou a navegar à pala há uma data de tempo :P

Novidades serão postificadas em breve. Um grande bem haja!

17 de agosto de 2004

Lembram-se?

Lembram-se do Conan? Do He-Man? Do Tom Sawyer? Do brinca brincando? Da arca de Noé? Lembram-se de ansiarem pelas férias grandes, e dos gelados de 20 paus que eram só gelo e uma montanha de Es? e as peta-zetas... quase que nos partiam os molares, era a melhor comparação que podíamos ter com uma fusão nuclear! O Sport Billy e os tranformers e o clube Disney? As correrias para ir brincar para a rua onde o último a chegar era um ovo podre e o primeiro era o rei deles? Nunca tive grande problema em ser o rei dos ovos podres! E as futeboladas? Era de sol a sol, com breves reabastecimentos a que as nossas maes teimavam chamar almoço e lanche... quero cá saber da sandes de marmelada e do iogurte vigor sabor a morango, aquilo era ácido como a porra! - tenho de ir jogar! Tu vais a baliza! Eu? Eu sou o dono da bola, eu jogo onde quiser! E todos diziam que sim nem que o rapaz precisasse de ajuda para empurrar a bola! Eu sou o balakov, e eu o Paneira. Eu cá sou o Domingos... Olha-me aquele coxo, parece o Nogueira! Por falar nisso, trocas-me o Magnunson? Dou-te 10 cromos! Lembram-se? E jogar ao guelas, bilas ou para os puristas: o berlinde? E depois voltava a escola, todos diziam que seca mas todos corriam nos primeiros dias. Os amigos, as amigas, o cheiro dos livros novos, as professoras... que azar, a mim calhou-me a Peralta, dizem que a mulher e lixada, 'tou feito ao bife! Lembram-se?

Eu lembro-me de outras coisas, lembro-me de ver chitas num morro olhando as desprevenidas gazelas de Thompson. Lembro-me do mgh, especialmente nocturno. Também me lembro de requintados repastos, à base de grelhados a lenha (quando o dinheiro chegava: carvão, que luxo!), regados com grades de litrosas que entre os espaços deixados entre si, traziam emborcadas garrafas do pior vinho branco, quais peças de tetris preparadas para irem abaixo. Lembro-me de 2 jovens a abalarem a pacatez duma vila serrana com os olhos no oceano, ao se apresentarem nos locais de vida nocturna envergandos vestes adarjosas, e mesmo assim alvo de paparazzi! Lembro-me de foras de jogo, muitos foras de jogo. Jogadores que foram avisados vezes sem conta! Alguns hábeis, furtando-se ao olhar do fiscal de linha, outros mais lentos, caindo nessa infracção por uma margem escandalosa. Lembro-me também de noites estreladas e de céus azuis, de montanhas agrestes e de um oceano imenso. Das viagens para o El Dorado, algo simples mas sagrado como uma boa noite de sono, onde acordamos e sentimos uma marca nas costas, e então reparamos que dormimos toda a noite em cima duma pedra, esquisito, nao notei nada!

Por vezes dou por mim a desejar que o tempo voltasse atrás, queria que fosse sempre assim. Quero o conan, os marretas, o brinca brincando, a rua sésamo (vão dizer que não gostavam?). Quero os jogos de bola, o suor na cara, os tennis velhos. Quero o leite frio, o tapete velho da sala e a minha almofada. Quero as músicas dos metallica, as punkalhadas e o grunge pá' tola. Quero ser careta. Quero ir jogar à bola com os meus amigos na praia o verão todo! Quero dar uma gargalhada sem saber o porquê e quero não pensar no futuro. Se pudesse ser assim, o meu nome era Peter Pan! A nossa vida muda por vezes sem darmos conta, qual vulcão peleano. Anos e anos adormecido, enquanto as suas lavas ácidas e silicatosas se acumulam obstruindo a chaminé principal. Por vezes, há um abalo, mas não é o suficiente para evacuar as cidades do sopé. De repente, sem aviso, uma explosão piroclástica ocorre e a paisagem muda. Tudo morre e nada sobrevive e fim da história. Mas não, não é bem assim. Primeiro vêm os líquenes, tenuamente; depois plantinhas e árvores e tudo o resto. Não é como dantes, não é igual, é só diferente. Pode não ser melhor nem pior, e só diferente. O que é bom é saber que os nossos amigos de ontem vão ser os nossos amigos de amanhã, que o amigo que outrora cruzou a bola qual drulovic para um golo memorável, pode bem ser o mesmo que será padrinho para uma coisa qualquer, ou fiador para isto ou aquilo, ou ainda precisar da ajuda para uma tarefa herculeana!

13 de agosto de 2004

Tetris - Como esquecer a pessoa que amamos

Já perderam no tetris sem fazer uma única linha? Aconteceu-me por várias vezes seguidas, numa dessas noites de Agosto cujo ambiente faz lembrar Saigão, no Vietname que aparece no "Desaparecido em combate", com o Chuck Norris; aquele ambiente muito quente, mas com 100% de humidade. Quem gosta muito do Chuck é a avó da minha "mais que tudo", porque ele ganha sempre aos maus - já não se fazem homens destes!
Mal dou por mim e estou numa dimensão muito "Lost in Translation": com os sonos trocados, sozinho, em que as noites se tornam dias e os dias se tornam noites; em que qualquer foco de luz é envolvido por uma auréola suave, de algodão, de onde fogem raios em todas as direcções - os olhos cansados e embaciados do sono distorcem as cores e as formas. A diferença é que, em vez de em Tóquio, estou em casa, iluminado pela luz encandeante do monitor do pc; com a caixa do computador aberta, o piscar da luz da placa de rede exerce uma espécie de hipnotismo ainda mais profundo, do qual só acordo com uma espécie de ruído telefónico proveniente da televisão: começaram as televendas.
Decido fazer um pouco de exercício: à falta de halteres, chega bem um garrafão de 5 litros de água do luso. É pouco peso, pensariam os experientes, mas para mim chega fazer o movimento devagar e muitas vezes. Ao fim de algum tempo, qual Chuck, estou coberto de suor, com os braços e ombros doridos, cabeça a latejar; mas o exercício é para continuar, mesmo na dor, enquanto tudo passa e repassa na mente em remoínhos e torrentes incontroláveis. Dizem que as piores de todas as dores são as de dentes, as cólicas renais e as dores de amor. Já tinha tido as outras, agora tenho as de amor. Não sei de qual gosto mais. Também dizem que as dores dão tréguas de dia mas pioram muito à noite...
É estranho como, passado algum tempo, só vêm à cabeça as boas memórias, e essas, comparadas com o presente, causam uma dor tão grande na alma como uma queimadura de ferro em brasa no corpo; como uma longa cãimbra que permanece nas vísceras, em espasmos fortíssimos. E o braço dói mais, todos os músculos se contraem num gemido de raiva, e mais uma vez o garrafão sobe.


Quando vivemos no espectro de alguém, somos progressivamente invadidos por outra energia que não é a nossa - algo que embebe as nossas células e as faz viver para alimentar essa energia, essa presença. Enquanto a simbiose existe e dá frutos, a relação é altamente compensadora: todos os elos da relação se desenvolvem, crescem com grande vigor e imponência, levando à ilusão e à crença de que só assim ambos os seres podem viver. Cresce a relação como um prédio com alicerces fortes, compacto, bonito... mas quando morre, essas células ficam votadas ao abandono; são nervos pulsantes, agredidos, envolvidos por tecido necrosado, moribundo - uma ferida. Quando os restos das raízes do outro ser forem removidos progressivamente, quando o tecido atingido (que é todo) for reparado e substituido - uma cicatriz - terei voltado a ser alguém tanto mais próximo do que era quanto possível. É assustadora a maneira como o nosso consciente e subconsciente passam a viver em prol de outra pessoa, silenciosamente, lenta mas inevitavelmente. Quando a união é cancelada, o ego atinge um mínimo histórico (talvez relativo, mas sempre sentido como absoluto). Ficamos deprimidos, hiperpolarizados, impassíveis de qualquer excitação.
No choque extremo, é impossível não invocar a separação primordial: quando deixamos de ser unos com a nossa mãe para constituirmos um ser independente.
Seguidamente, tudo é muito confuso. Esperamos comunicação da outra parte; exigimos essa comunicação, mas imediatamente vem à mente que não depende de nós, que não a devemos desejar, que ela provavelmente não virá, sob a forma que queremos, nem hoje nem nunca. Percorre-nos então um arrepio visceral, profundo. "- Dirá alguma coisa!- E se não disser? - Tem que dizer! - Mas não me deve nada! Separámo-nos! Levará a vida dela e ligar-se-à a outra pessoa! Deixou de fazer parte de mim! - Como pode tal coisa acontecer? Eramos um do outro..." - é o que penso de mim para mim numa fracção de segundo multiplicada por um número muito grande, hora após hora, dia após dia. Sinto um grande vazio na barriga. Parece-me que não tenho baço.


Quando a energia se esgota, volto para o computador. Desenterro músicas amigas de longa data, meio encobertas pelo tempo que entretanto passou, não contaminadas pelos últimos anos. Vem à tona o metal mais antigo, o grunge não batido pelas massas, como o mexilhão protegido das vagas... e sente-se uma réstia da pessoa despreocupada e pura que era há muito tempo a querer voltar à superfície. Pessoas, coisas e lugares de outros tempos voltarão à memória. Tornarei a apreciar coisas simples que deixei de fazer, não por falta de tempo, mas por falta de dedicação, e porque outros valores se levantaram entretanto para as lançar na sombra ostracizante. Tudo isso acontecerá. Sinto-o irracionalmente como uma questão de esperança, mas sei racionalmente que é uma questão de tempo.

Removo primeiro as expressões próprias da pessoa ou com ela comuns do meu próprio discurso interior, e das minhas conversas com os meus interlocutores. Esqueço entretanto o cheiro da pessoa; deixo de antecipar os telefonemas, de correr para o telefone quando ele toca em dada hora do dia, porque saberei já, inconscientemente, que não é para mim. Esqueço partes dos contornos da cara da pessoa. Vejo então depois as coisas, lugares, situações e pessoas de acordo com o que elas valem para mim, sem me perguntar o que pensaria o outro. Rio-me das coisas sem antecipar o riso do outro face a essas mesmas coisas. Aprendo a gozar a liberdade de usar o meu tempo, de canalizar a minha alegria, a minha energia e os meus recursos para outras coisas e pessoas; mas principalmente, habituo-me a gostar de usar tudo isso em meu exclusivo proveito, em vez de ansiar a todo o momento a partilha de um bocadinho de tudo com o outro. Afinal de contas, sou Eu que eu estou a tentar recuperar. Mas se eu sei que isto é possível, porque é que não quero fazê-lo?


A seguir ao banho, noto que a pele da cara está coberta por uma cutícula de cera brilhante - apareceu por causa das poucas horas de sono por dia. Não é com banhos que ela se combate.
De volta ao tetris, já a noite está a dar lugar ao início do dia. Os pássaros cantam, as carrinhas de abastecimento dos cafés estacionam em 2ª fila. Ouve-se esporadicamente o ruído da ignição do motor de um automóvel - nem todos estão de férias em Agosto. Oiço a música dos Air, do Lost in Translation - "Alone in Kyoto", vez após vez...
Construo um prédio enorme no tetris, como os do Japão, classicamente à espera que depois apareçam aquelas peças em forma paralelipipédica. Fico orgulhoso da construção, compacta, com um ou outro buraquinho apenas. Deixei-me levar naquela cadência muito própria do primeiro nível, aquela lentidão das peças, aquele alento de construção, como se o objectivo do jogo fosse mesmo aquele; acordei de súbito, alertado pelo facto de estar quase a perder, estrangulado pela falta de espaço. Tenho que limpar o jogo, tenho que deitar abaixo o que construí. E as tais peças que não vêm...

30 de julho de 2004

Publicidade

De há muito tempo para cá que a música tem vindo a ser utilizada para promover telemóveis, mas agora parece-me que os telemóveis estão a ser criados para promover a música. Ainda há bocado estava a jantar e a ver televisão, e pude reparar que até aquela música cujo refrão é "listen to the sound of radio" já apareceu num desses "spots". Eles até podem ser bons miúdos, mas aqueles olhinhos pintados e aqueles fatinhos e gravatinhas à mariconço não me convencem. Aliás, das três vezes que vi esse videoclip, lembrei-me que aquela música era feita da mesma massa das que se usam para esses anúncios, e que qualquer dia seria mesmo utilizada; claro que também me lembrei de um outro videoclip, do David Fonseca, em que ele dança à maluco com um fato, e em que a música também é toda jovem e dinâmica, transpirando aquela euforia que todo o jovem tem que mostrar se quiser ser visto como jovem, mas... pelo menos este rapaz soa-me mais a genuíno, goste-se ou não.
O que mete asco é perceber que, se dantes as bandas de garagem que pululavam por todos os subúrbios citadinos, mesmo tendo bastante qualidade (algumas delas) dificilmente eram catapultadas para a ribalta, agora muitas delas perceberam que se utilizarem determinada receita consagrada podem ser mostradas nos "spots" dos telemóveis. Já antes desta música fora utilizada aquela, que ainda é piorzinha, em que o refrão parece um gajo com voz de Canal Panda. Fui ver como se chamaria a música, e cá está! A surpresa! "Feeling Alive"... é preciso dizer mais alguma coisa? Como eu dizia, a euforia, o jovem dinamismo. Como diriam uns amigos meus, "em duas palavras, fantástico".
Não me interpretem mal: não é que goste apenas de músicas melancólicas, tristes, deprimentes e angustiantes. Acho até que é mais fácil de se construir uma boa melodia destas do que fazer-se uma BOA música alegre e que ponha as pessoas felizes. O que também acho é que neste caso as bandas estão a fazer estas músicas para alvejar um mercado comum aos telemóveis, e nesta medida o casamento entre bandas e telemóveis é perfeito. E como com as bandas, há sempre telemóveis novos: se esperarmos um pouco ainda poderei engomar as minhas camisas com um!
Embora não goste de desejar mal às pessoas (gosto apenas de dizer mal), o que me consola é que pelo menos neste caso o oportunismo está condenado ao insucesso. Não é esse o único motivo para que isso aconteça, mas como vivemos num mundo em que a mediocridade é selectivamente premiada, e como a união faz a força, cá vai: falta de originalidade, falta de genuinidade, letras muito fracas e deslavadas, arranjos que qualquer puto do 9º ano é capaz de inventar desde que tenha meios para isso... e já lá vão 5 motivos.

Agora que estou de férias sinto a minha acidez a diluir-se um pouco. Tomarei providências para que isso não aconteça da próxima vez que escrever aqui :) Grande bem-haja!

26 de julho de 2004

O bap(?)tiz(s)ado

Cheguei atrasado à igreja e já lá estava o pessoal todo dentro, sentado nos bancos, com o padre (que era um patusco) a dizer que estávamos ali presentes para guiar a criança nos caminhos da fé; que Deus ia estar sempre presente junto dele, desde que ele quisesse seguir aquele caminho, etc...
Fez-me alguma confusão... então Deus supostamente não nos acompanha e não gosta de nós mesmo que nós não acreditemos n'Ele? Lá está, é aquela velha história do "toma lá, dá cá", sempre presente naqueles ditados populares que as pessoas muito católicas penduram nos seus estabelecimentos: "Deus recompensar-te-á em dobro as boas acções que fizeres"... ou então "se sacrificares uma virgem ao Imhotep terás férteis aluviões. Senão...". Não sei bem, mas parece-me que é uma sugestão um bocado interesseira.
Depois da missa sairam em magotes. Parecia um encontro da máfia siciliana da américa. O Paulo Portas fez definitivamente moda com aqueles fatinhos azuis escuros com riscas; ainda por cima numa igreja, mesmo à Padrinho. Só faltava chamarem-se Vinnie ou Frankie: tinham uns nós das gravatas enormes, como se tivessem lá enfiada uma sandocha de presunto para a viagem; óculos escuros, ar austero, a falarem em voz baixa uns com os outros à laia de segredo de estado (não o segredo de estado cá de portugal, esse fala-se em voz alta); e não faltaram os carrões de grande cilindrada para compor a cena. Só faltava que fossem pretos.
Depois, lá no sítio do copo de água, pude ver que escreveram o meu nome num papelinho que indicava o meu lugar na mesa - só foi pena ter dois erros; por falar em erros, no papelinho da ementa, especificamente feito para o evento, vi que havia três maneiras de se escrever uma palavra: batizado, baptizado e baptisado. Uma vez que não deve haver uma quarta possibilidade minimamente verosímil, é favor escolher uma a gosto sem receio.
Afinal, devem ter pensado que com três palpites haviam de acertar pelo menos uma vez. Ou então quiseram agradar a gregos, troianos e fenícios. Ou então queriam testar a atenção dos convidados... ou talvez o dicionário estivesse por baixo de uma camada tal de pó que não quiseram arriscar uma alergia. Ninguém se importa... aqui há pouco tempo até se escrevia pharmácia, não é? Isto está sempre a mudar, uma pessoa não se consegue manter actualizada!

24 de julho de 2004

NaHCO3

Deixem-me cá experimentar estas tecnologias! Disseram-me que estes jovens agora têm todos um blog, então também quero escrever umas coisas!
Também me dizem que estou a ficar velho cedo demais, que só me irrito, que só digo mal das coisas, que só critico - pois então! - registei isto porque mesmo depois do tempo útil que tenho com as pessoas ao vivo para dizer mal de tudo e todos, me sobeja ácido para distribuir! Assim já sei que quando quiser dizer cobras e lagartos, posso contar com este bocado virtual.
Isto quando eu era mais novo não era assim! A gente irritava-se e era logo à pedrada! Agora dão-se umas dedadas no teclado e pronto, somos uns grandes rebeldes! Bom, mas agora tenho que me ir deitar que já é muito tarde e amanhã tenho que ir ao baptizado de um primo meu. Eu que nem ao meu próprio baptizado fui, agora tenho que ir aos dos outros, mesmo que sejam mais velhos que eu! Raios!