28 de janeiro de 2009

Crónica de Banco

Isto é inacreditável. Não posso escrever muito porque posso ser visto. Mas estou aqui de banco na sala de observação da urgência do Hospital de Santa Maria, estão doentes acamados por todos os lados ... e agora apareceu aqui um tipo com um berbequim, que se pôs a fazer uns furos na parede para instalar aquilo que prevejo ser uma espécie de prateleira. Está mesmo por detrás de mim e custa-me bastante aguentar com o ruído. Imagino os doentes. Saem daqui muito melhor de certeza. Alguns já estão confusos com a doença, com a medicação, com as luzes, ou com todas essas coisas juntas e ainda mais algumas.

Já ontem, na enfermaria (homens), saía um cheirinho da copa a chouriço assado e a farinheira. E já passava da hora do almoço, portanto senti aquela dorzinha de fome no estômago. Tendo em conta que o aroma tomou conta do corredor da enfermaria e das salas todas onde estão os doentes internados à espera de ser operados à vesícula; tendo em conta que provavelmente muitos deles terão esse problema precisamente porque abusaram comó caraças dos enchidos; e tendo em conta que às vezes a vesícula começa a doer só com o cheiro a gordura e colesterol... acho que estamos perante uma oportunidade única.

Proponho uma feira dos enchidos do pingo doce na enfermaria de cirurgia do HSM, e também podemos mandar vir uma delegação de Paços de Ferreira, capital do móvel, com vários carpinteiros de berbequim em punho, para ensinarem os doentes do SO da urgência do HSM a montar móveis...

Ok, estão aqui não sei quantos enfermeiros a ver o que estou a escrever, atrás de mim e por cima do meu ombro. É melhor ficar por aqui, senão ainda me tiram sangue.

26 de janeiro de 2009

Pensa lá bem...



É difícil pensar naquilo que é o mais fácil que é o sentir Sentir sem pensar sem te perguntar a ti mas sim por ti Sem te perguntar por mim em ti ou a mim por quanto de mim és tu É fácil sentir Encontrar-te sempre numa sala cheia é pisar uma agulha com o pé descalço num palheiro Não é pensar que há de lá estar É o que resta quando a lixívia lava as dores os temores e os perigos Só tu sabes só eu sei o que sentes o que sinto desde que paremos para não pensar Desde que paremos para sentir duas vezes Uma vez e outra vez Outrora e agora Já.


22 de janeiro de 2009

Chegado a uma idade confortável de setenta anos, pede a reforma. Pede não, dá-se. Retirou-se do seu negócio construído a pulso, passando o testmunho à geração descendente. É esta a ideia. Já deve estar farto de negociatas, prazos de entregas e jogos de cinturas, contabilistas e facturas gordas. Todos os dias a almoçar fora de casa, e não poucas vezes a fazer serões: a encomenda tem de ser sempre entregue a tempo. Ao longo destes últimos vinte anos foi assim, criou lemas.

Marcou-se então uma festa de anos, em que os convidados igualaram as velas que se sopram no bolo. Família, amigos, clientes e outros. Juntou-se família desavinda e outra que não se conhecia, amigos de longa data e clientes com os quais todos os dias falamos. E outros. Não há dúvida que todos têm admiração por este homem, que chega ao setenta e decide mudar de vida. Foi capaz de impor uma meta, de decidir o seu caminho e aos setenta anos, presente que está de capacidades, decidiu por uma vida de disfrute e descanso. Podem pensar, é legítimo, que ao pagar o repasto temos quantos conseguimos contar à nossa mesa. Estes são os outros.

O almoço nunca tinha hora certa, e aquele não começou à hora. Porque mudar agora? Estavam todos os que lá deviam estar, incluindo os outros. Passo a parte do comeu-se e bebeu-se nesta frase. Os filhos brindam os setenta anos do pai com um filme, montado desde há duas noites antes, onde a vida do pai é desvendada, e passam setenta anos em doze minutos. Fica o gesto. Muitas lágrimas comovidas, e comovidas manifestações que obrigaram à colocação de comprimidos milagrosos debaixo da língua. Os empregados colocam no centro da sala uma mesa onde se vão pondo todas as prendas de aniversário, um monte! O aniversariante abre-as uma à uma, lendo carinhosas palavras em cada postal acompanhante de prenda. A cada uma que é aberta, o respectivo doador, vem até junto do septagenário, é giro não é? E dá te jeito... Sim, sim, dá, muito obrigado. Após a sexta garrafa de wisky decidiu-se não mais abrir prendas paralelipítidicas.

Acabou a festa, vamos andando que os senhores querem fechar, ainda têm de fazer os jantares. Fotografias na era digital, a praga que não explica o só mais uma, engrossando os discos de computadores, e poupando os papéis às árvores. Ficou bem, cortaste os pés, não apanhaste o nome do restaurante.

- Vai mesmo deixar de trabalhar?
- Porque te admiras?
Faço a cara de óbvio. Nem me passa pela cabeça dizer que passou uma vida a trabalhar, sempre com uma actividade e energia incriveis, está agora com um negócio pujante, habituado que está a estar sempre na rua e sempre no “laréu”, não o consigo a imaginar sem actividade!
-Agora vou adando uma maozita aqui e ali. Mas quero ver se passeio mais, e ter tempo para ler, aprender a andar de cavalo, essas coisas.
Aceno que sim. Continuo sem perceber. Não fez nenhum esforço para me convencer, mas também não me pareceu que fossem aqueles planos verdadeiros.

20 de janeiro de 2009

Idiossincrasia 02

"O Hospital de Santa Maria está em lenta necrose" - aspecto do tecto da casa de banho de uma enfermaria"
Uma das maravilhas da natureza, segundo as teorias evolucionistas, foi a forma como, de um simples organismo unicelular, a vida avançou para seres complexos, com um enorme número de células, tecidos especializados em funções, até chegarmos à tremenda diversidade que (ainda) podemos observar no planeta.
Claro está que estas células terão aprendido a cooperar, e a "perceber" que, funcionando juntas, podiam aumentar a sua chance de sobrevivência, reprodução, e longevidade (individual e específica). Na verdade elas não perceberam nada. Simplesmente algumas delas fizeram-no por acaso, e foram seleccionadas para passar da fase de grupos, por assim dizer.

Quando tive Biologia no 12º ano, uma das coisas mais interessantes que aprendi (e que ainda hoje recordo) foi a teoria que explica a razão pela qual os insectos não terão atingido tamanhos enormes, tal como o conseguiram mais tarde os mamíferos. É um facto que este grupo de animais domina desde há muito o mundo, em termos de número global, e também de número de espécies, colonizando todos os ambientes possíveis. Então, por que razão não teriam conseguido evoluir no sentido de atingir grandes dimensões?A resposta está no sistema circulatório e respiratório comparativamente simples destes seres. Segundo julgamos saber, o facto de disporem apenas de um conjunto de vasos rudimentares, e de um esboço de mecanismo de bomba, faz com que os nutrientes e o oxigénio obtidos a partir do exterior apenas possam ser transportados a velocidades relativamente baixas, e apenas por distâncias reduzidas. Como sabemos, as células todas dependem destes suprimentos. É fácil compreender porque é que, então, os insectos não conseguiram crescer mais, e porque é que outros animais, como os cordados (répteis, mamíferos, etc) conseguiram ficar gigantescos em alguns casos. No entanto, não se deixem enganar. O tamanho não importa (does it?). Os dinossauros e alguns dos animais mais brutais de sempre já não habitam o nosso planeta. Quer-me parecer que não terá sido só por causa do calhau que terá caído na terra.
Pensem no caso dos tumores, particularmente os malignos. Os tumores são uma recapitulação acelerada das teorias evolucionistas. As suas células não cooperam verdadeiramente umas com as outras, porque, pelo menos durante uma boa parte do período inicial do seu desenvolvimento, descendem de um único clone celular, e portanto são todas irmãzinhas umas das outras, sem especializações umas em relações às outras.
São é um pouco endiabradas, porque só querem é multiplicar-se, não morrem à taxa habitual das outras "normais", e ainda por cima desenvolvem mecanismos para evitar o sistema imunitário da pessoa (ou do animal) que serve de hospedeiro. Para além disso, induzem também a formação de novos vasos, de forma anárquica, para o próprio tumor. Ou seja, para crescer, precisam de um suprimento aumentado de sangue que lhes faça a comidinha e o oxigénio, e que lhes leve o saco do lixo.
As coisas correm mal (para o tumor) quando o crescimento é desproporcional ao suprimento. Aliás, tal acontece com qualquer tecido. Ou porque as necessidades aumentaram, ou porque o débito sanguíneo diminuiu. Então, o tumor entra em necrose, e parte das células morre.
Já vi várias vezes o que acontece a alguns doentes com insuficiências arteriais dos vasos dos membros inferiores. A necrose não é bonita. Não cheira bem. E muitas vezes conduz a amputações ...
*

A questão principal é que, para qualquer organismo funcionar, é necessário que as células possam comunicar entre si em tempo útil, e desempenhar as suas funções adequadamente e em harmonia.
Estou há ainda não 3 semanas no hospital de santa maria, e já percebi que é um organismo gigantesco. Mesmo as pessoas que trabalham lá há anos não conhecem o hospital todo, e não sabem dar indicações a quem delas possa precisar.Mas a impossibilidade de dar indicações não é o maior problema. É que os serviços, seja o de medicina, o de cirurgia, os recursos humanos, a lavandaria, etc... precisam de comunicar umas com as outras para tudo funcionar a tempo.
Percebi que existem alguns pequenos factores que fazem com que o trabalho de cada pessoa dali, que poderia ser feito em muito menos tempo, gastanto muito menos energia e paciência
(e dinheiro, porque não dizê-lo, já que as administrações hospitalares tanto falam nisso), acabe por ocupar um horário inteiro, e até mais do que isso.
Um desses factores é o facto de o hospital, por si só, ser muito grande. Qualquer deslocação ali demora sempre algum tempo, os corredores são grandes, muitas vezes atulhados com pessoas a tentar fazer o seu trabalho, com caixas, caixotes, carros de comida, macas, etc. Mas a coisa fica muitíssimo pior quando nos damos conta de que os elevadores não funcionam. Já não basta o tempo que se perde a perceber qual é o elevador certo para nos levar ao sítio certo, mas também
há o grande problema de o elevador não parar no nosso piso porque não lhe apeteceu. Para cúmulo, às vezes a meio do caminho, algum funcionário quer transportar uma maca com um doente, e quando as portas abrem, simplesmente diz: SAIR!, com cara de poucos amigos. Às vezes até é um cadáver que está a ser transportado. E lá temos todos que sair num piso que não queremos.
E depois são 9 pisos. A espera é penosa, e portanto quem pode opta por ir a pé pelas escadas. Mais gasto de tempo.
São 22 escadas por piso. Fora a energia que se gasta. Para tornar engraçado o percurso, meteram lá uns gajos com uns martelos e uns pincéis, em cima dos andaimes, de maneira que temos de nos esgueirar nas escadas para não sujar as batas, ou para evitar aos senhores um acidente de trabalho - e mais trabalho para nós, no fundo. Não estou a brincar. É um risco real. É tão provável que aconteça dadas as condições, que até me admira que nenhum tipo que venha a subir as escadas com sono não tenha ainda dado ali um encontrão.

Não estou a queixar-me, já que até faço algum exercício assim. Mas simplesmente não me parece eficaz. Alguém está à espera para ter alta e ir embora do hospital, e sou eu que estou a demorar isso, porque sou eu que levo o papel na mão.
Os doentes precisam de ser transportados para fazer exames, e demoram muito mais tempo por causa disso. Tudo demora muito mais tempo por causa disso.

Outro factor importante é que, nas enfermarias, os recursos logísticos não estão nunca imediatamente disponíveis, havendo sempre qualquer coisa que falha. Sim, o doente está pronto para ir para casa, sim, já cá estão os bombeiros para transportarem o doente. O problema é que a impressora não funciona, e portanto não se pode imprimir a nota de alta.
Mais: normalmente as impressoras estão longe do computador de onde foi mandada a ordem de imprimir. Chegamos à impressora, não está lá nada impresso. Humm... desta vez falta papel.
Onde está o papel, Sra. Enfermeira? ... Humm... Sra. Enfermeira?, Ai! Não sei... Doutor! Procure!
Claro que sabe. Está numa gaveta ali perto e toda a gente sabe onde está. Menos eu, que estou ali há pouco tempo e tenho que abrir as gavetas todas para procurar.
Isto leva-nos a outro problema. A capacidade de comunicação e a falta de paciência, de entreajuda e de educação de boa parte das pessoas que ali trabalham. Também aqui se perde muito tempo... muito tempo precioso. É por isso que me rebolo a rir quando em algumas reuniões de serviço me falam em trabalho de equipa, e a importância de uma equipa multidisciplinar bla bla bla Bull shit!!! Acho que nem me passavam um bocado de fita cola para a mão se um doente estivesse a sangrar de uma carótida!

Talvez este tipo de aprendizagem seja como quando nos mandavam ir ao dicionário quando eramos pequenos e não sabíamos o que queria dizer alguma palavra. Não interessa que o doente fique mais 3 horas à espera, o que importa é que tu aprendas - PARA SEMPRE - onde está o papel para pôr na impressora.Nem é preciso referir que o papel das impressoras devia ser como o papel higiénico nas nossas casas de banho. Quem acaba, mete um rolo novo ...

Na semana passada, levei 4 canetas diferentes para o serviço. Pediram-mas todas emprestadas (todas as pessoas eram médicas, by the way), nenhuma foi devolvida. Quando toda a gente foi almoçar e me apareceu um doente que precisava de tirar sangue com urgência para análises, eu tive de preencher algumas requisições à mão. E caneta? Não havia. Procurei pela enfermaria inteira, e não descobri uma única caneta. É inacreditável ... em minha casa dou um pontapé num móvel e caem 3 canetas. Eu, o baldas, aquele que nunca tem material, aquele que pede mas devolve, teve que ir pedir à única pessoa que ali estava na altura, que era uma enfermeira, para, por favor, pretty please with sugar on top, se dignasse a emprestar-me a sua pena literária durante 2 minutos, que era para eu usar mesmo à sua frente. Ela olhou para mim, rosnou-me, e emprestou-me a caneta muito a contragosto.
Não critico. Aconteceu-me o mesmo, ficar sem canetas. Mas até o mau ambiente e a falta de entreajuda têm custos, que se podem medir em índices de satisfação no trabalho, em produtividade, e na eficiência com que se tratam os doentes (razão entre o benefício e o dinheiro gasto).

Podia falar muitíssimo mais de problemas logísticos, porque a dificuldade está na escolha. No entanto não o farei, porque não vos quero maçar, e porque a esta altura devem estar a pensar qualquer coisa como "Olha, este tipo deve achar que está a contar alguma coisa única no mundo". Não tenho essa pretensão. Estou apenas a tentar explicar que uma coisa grande é feita sempre de coisas mais pequeninas, e que os pequenos defeitos dessas coisas pequeninas geram defeitos
gigantescos na coisa grande. É como um efeito-borboleta...
Como as coisas funcionam assim, por dependermos uns dos outros, tudo funciona mais lentamente, e as pessoas perdem a paciência e viram-se para si próprias e para o que têm de fazer, tornando-se o mais independentes que podem, por um lado, e jogando a maior quantidade de trabalho que podem para cima dos outros, por outro.
A má disposição impera. Eu falei das enfermeiras, mas não me interpretem mal. É igual para qualquer profissão. E eu compreendo, porque eu próprio chego ali depois de uma hora de trânsito, e vejo que o que faço, que espremendo bem espremidinho, se fazia em 2 horas, se faz na realidade em 6 ou 7 horas. Tudo por pequenas coisas. Por isso é que eu compreendo a maneira como as pessoas se tratam (ou não se tratam) umas às outras ali. Estão insatisfeitas. Estão em anóxia. São tecidos isquémicos. Estão a sufocar e portanto debatem-se umas com as outras.

Se eu sempre pensei que é preciso estar-se um pouco morto para se trabalhar num hospital, sendo ou não médico, agora tenho a certeza. Isto porque, a meu ver, o hospital reúne o pior de dois mundos: não só é o sítio onde as pessoas estão doentes, tristes, e morrem, mas é também o sítio que acumula os males presentes em tantas e tantas empresas e organizações do país, com destaque para a função pública.

Eu reconheço que não conheço a realidade da saúde lá fora, e envergonho-me por estar a falar nisto sem conhecimento global de causa. Mas há coisas que não me fazem sentido ...
Não é que eu seja brutalmente produtivo por natureza, workoholic, porque não sou. Tenho pouca energia, sou um gajo cansado e tal ... e que precisa mesmo de motivação para fazer as coisas. Quando a tenho, então supero-me. Mas de cada vez que tento fazer uma coisa correctamente e bem - seja ela qual for - esbarro sempre no sistema. E aí, vou perdendo a minha boa vontade, o meu sorriso, a minha simpatia, a minha boa educação, a forma calorosa como falo com os meus iguais.

O hospital de santa maria é tão grande, mas tão grande, que está em necrose. Não é que as coisas não se vão fazendo, mas tudo podia ser muito melhor, tanto para os doentes como para as pessoas que lá trabalham.

Após esta exposição chatíssima, a minha pergunta é: será que vale a pena concentrar grande parte dos hospitais de Lisboa no novíssimo, e avançadíssimo, etc íssimo, Hospital de todos os Santos?

19 de janeiro de 2009

Mas que merda é esta?


Vim eu aqui, pacatamente, em busca de alguma nova pérola de literatura urdida por um dos muy valorosos colaboradores deste blog, quando detecto entre posts a imagem publicitária acima postada.

Detecto desde já alguns problemas com esta publicidade:

#1 Faltam mais de 11 meses para o Natal regressar.
#2 Pensava que o trenó do Pai Natal era propulsionado a flato de rena, e não a flato de S. Nicolau
#3 Dado que o caridoso Pai Natal está com a língua de fora, ou está a gostar ou está a ser um esforço sobre-humano semelhante peidaria
#4 No meio da neve, estar com o cú ao léu dará decerto origem a hipotermias e/ou problemas de foro hemorroidal
#5 A nuvem de gás, dada a sua côr, denota que o peidinho tá a sair com molho

e #6

Mas quem é que acha piada a esta merda? Valha-me Deus (Froufe)! 

12 de janeiro de 2009

Idiossincrasia


Já não tenho o porquê, já não me lembro do como, já não interessa o quando nem em quanto tempo.
Não sei dizer se os carros estacionados na rua espremida entre o Hospital de Santa Maria e o estádio universitário, brancos de geada, estão tão frios como os meus dedos. Sai-me vapor pela boca, que parece a chaminé de uma locomotiva com a corda toda para chegar a horas ao destino.
Estou, como sempre, atrasado. A manhã está demasiado fria. A rua é demasiado inclinada.

Os arrumadores de carros agitam jornais de ontem, publicitando lugares que não são deles a quem já estiver cansado de procurar. Das suas bocas saem outros vapores. Por enquanto.

Há uma rua entre o edifício do hospital que me faz lembrar o ambiente do Blade Runner. Tem estado frio, nublado, e as pessoas andam incompreensivelmente de um lado para o outro, algumas vestidas com casacos por cima das batas, relativamente apressadas, e apesar de tudo parece-me que se movem em câmara lenta. Ou então no lugar delas aparecem logo outras, e como não estou suficientemente atento à face de cada uma elas parecem-me sempre as mesmas. De resto, se estivesse atento, veria as mesmas expressões tristes, ensimesmadas, com cara de caso, ou com cara de quem anda à procura de um caso para dar a cara. Pouco mudaria, concluo.

Outras pessoas ficam encostadas às paredes, com um pezinho no chão e outro a fazer de contraforte, enquanto expiram fumo que só tem uma saída: o céu. As outras direcções estão emparedadas até à altura opressiva de um 8º andar. Vê-se um rectângulo cinzento que faz de tecto, e onde só falta passar uma nave, devagar como um zepelim, com um ecrã gigante, a publicitar um refrigerante àgua-rázico qualquer, ou a dizer que o paraíso está nas colónias interplanetárias (tal como acontece no Blade Runner).
Se estivesse naquela rua um chinês a vender sopa de massa numa barraquinha, ele seria bem recebido e não destoaria nada; daria até um toquezinho étnico, cosmopolita, àquele lugar. Afinal, o bar mais popular do hospital é nessa mesma boa, e viaja na boca da vox pop local sob o nome de "Toxinas". Esclarecedor.
Só faltaria então chover num fim de tarde lusco fusco, ou numa noite escura a meio do dia, para compôr um cenário igual ao do filme.
Talvez, como eu, estas pessoas se tenham perguntado quando ali chegaram sobre qual o real motivo de ali estarem,
enquanto giravam ainda na orla de um remoínho que por ordem de um funil gigante as acabou depois por engarrafar,
implacavelmente, nas suas vidinhas com rótulo de rotina, de onde poucos saem vivos para contar. Quanto a mim, já ouço o gorgolejar do estreitamento, antes de cair na boca do Sarlacc.

Porque estou ali? Fiz algumas coisas certas por motivos errados, e algumas coisas erradas por motivos certos. Seja como for, agora não é importante. Tornei-me um homem. E agora, o que faço com ele?

Já não tenho o porquê, já não me lembro do como, já não interessa o quando nem em quanto tempo. Mas consegui.


O quê?

2 de janeiro de 2009

Falou e disse - 04


Vera - pensava q em sta maria era uma rebaldaria...q ninguem tava a pôr o dedo...
Vera - a menos q nos ultimos tempos tenham mudado de ideias...

stp - pois, epá foi o que me disseram, que segunda iamos fazer o n sei quê registo biométrico

Vera - ah, ya... é mais uma desculpa pa nao trabalharem uns minutinhos

stp - mas o que é que faz a acetona ?

Vera - epa...acho q estraga o leitor

Vera - era isso e outra cena q eu ja nao me lembro
stp - lol... se me irritar vou pensar nisso

Vera - podes sempre usar um martelo...
stp - loolol claro

stp - ou uma bazuca

Vera - ou uma bomba nuclear...

stp - ou desligar os quadros de electricidade e estragar os geradores auxiliares

stp - tipo à Jerico

Vera - lá em sta maria sim
stp - bolas... sempre pensei que fosse só nos filmes e que as pessoas ligadas às máquinas morriam na vida real quando faltava a luz.

Falou e disse - O3

Rui - porra da idade

stp - oh jovem

Rui - ainda ontem andava feliz da vida a estudar

stp - é o que tens como mais certo ...

Rui - hj trabalho e tenho doenças

stp - lol... acho que vou escrever qualquer coisa sobre isso...

Rui says - tu, hj n trabalhas

Rui says - mas amanhã, hahaha

stp - não trabalho o c*****! comecei hoje ... tá bem que foi só papelada

Rui - ah pois foi

stp - mas comecei.

Rui - pensava que hj era dia 1

Rui - horario?

stp - ainda n está exactamente definido, mas é possível que tenha de lá estar sempre às 8

stp - e devo sair às 4

stp - e tenho o dedinho para pôr... portanto... não há cá baldas...

Rui - portanto, fazes um molde do teu dedo em silicone e engatas uma enfermeira para te tratar do assunto

Rui - lol

stp - já pensei nisso lol

Rui - típico...

Rui - nunca poderei ser mais cigano que tu, nunca.