26 de abril de 2008

Campistas-Ciclistas II


Amanhã às dez, em algés. Combinámos assim mas não foi para rimar. Em frente à entrada do túnel da estação dos comboios.

Há sete anos, fizemos a mesma coisa. Fomos descendo. E descer é uma palavra engraçada de usar neste contexto, porque quem lê pensa que são só descidas, já que vamos para sul. Meus amigos, garanto-vos que não são só descidas. Assim de repente lembro-me de uma subida até Santiago do Cacém, que depois de bastantes km, ninguém acredita o que custa, a não ser os que fizeram.
Ia eu a contar: há sete anos fomos para sul, sempre de bicicleta, a parar em parques de campismo. Dois dias antes tinha-nos dado na cabeça ir para longe de bicicleta. E estávamos à noite, no meu antigo renault 9 - e eu nem tinha a carta na altura - com um mapa aberto em cima do volante, a traçar metas completamente irrealistas, como verificariamos mais tarde.

"E um dia vamos até à Rússia!" - diziamos.

Foi tudo em cima do joelho. Portanto, não é de admirar que cada um de nós levasse 30 quilos às costas, em mochilas de campismo.

Podia-vos contar tantas coisas... podia falar de como chegámos a Setúbal, logo no primeiro dia, totalmente rotos, e não nos queriam deixar ficar no parque de campismo - que agora já não existe - porque não tinhamos carta de campista. Isto depois de uns 70 km.

Também podia falar da insolação que o Chico (o outro da dupla CC) apanhou nesse dia, e das latas de Nívea que tivemos de comprar. Ou das marcas com que ficou no peito e nos ombros, por causa das alças da mochila serem demasiado finas.

Ou então, podia falar da forma como chegámos já ao fim da tarde do 2º dia à Praia da Galé, já sem água, sem comida nenhuma há uma data de tempo, e quando estavamos a montar a tenda o Chico me disse "vou ao wc", e eu respondi "ok", e foi a única coisa que dissemos um ao outro em 3 horas, tal não era o cansaço.

Ou podia referir a forma como, no meio do nada, algures entre Porto-Covo e a Zambujeira, descobrimos um café com uns velhotes alentejanos que não acreditavam que vínhamos de Lisboa com aquelas malas. Íamos com t-shirts presas com corda de sisal à cabeça, de maneira que nos chamaram de Arafat's. E quiseram pagar-nos minis... mas só bebemos um sumol cada um.

E à chegada à Zambujeira, foi a minha vez de quebrar fisicamente. Sentados num muro cá em cima, lá em baixo a praia, devo ter comido umas 6 sandes de queijo em 10 minutos, e depois ficámos ali a descansar indefinidamente...

Depois, nessa noite de autêntico verão, comemos ali sentados na rua um frango assado, que deve ter sido o melhor que comi na vida.


Podia por fim contar-vos como chegámos a Lagos e nos disseram que afinal não podiamos meter as bicicletas no comboio e voltar para Lisboa, ao contrário do que nos tinham garantido na CP do Barreiro. E de como, nessa noite, as pessoas se afastavam de nós na rua com medo de sermos assaltantes.


Para que vos estou a contar tudo isto?

Tentem imaginar, 30 kg às costas, sem suporte nas bicicletas para levar malas. Uma páscoa como nunca vi, com tanto sol que já me custava andar na rua, quanto mais pedalar debaixo dele. 350 km - sim, porque as bicicletas não andam nas autoestradas. Estradas em mau estado, não como agora, que foram arranjadas...

Duas mudas de roupa, a contar com a que tinhamos no corpo. Sem colchões para dormir, era mesmo ali, corpinho contra as pedras bicudas. A comer Atum Ok (sim, a marca é mesmo esta: Atum Ok) com feijão frade e a beber litros de água (excepção para o frango e para os sumóis).

Chegámos a Lagos e eu tinha as duas t-shirts com buracos, rasgões... todos nós eramos pó, nódoas, arranhões, não sentiamos nada, e o que sentiamos doía-nos.

Não havia telemóveis. Havia uns gigantes, mas não tínhamos.
É só para que o pessoal perceba que não tem a noção das distâncias só por ter ido e vindo do algarve umas 500 vezes de carro. Não dá para ter noção. E é para terem também a percepção de que por mais que me chamem maluquinho, não vão entender nem a essência da coisa, nem a dificuldade que é.

Se custa tanto, porque é que vão outra vez? Podem perguntar isso.

Vamos porque... e é difícil de explicar isto, mas vou tentar... é uma enorme sensação de liberdade estar longe de casa, no meio do nada, só com a força do nosso próprio corpo. Sem depender de ajudas de carros de apoio, ajudas de telemóvel, ficar em pensões, comer refeiçõezinhas em restaurantes, e todos esses confortos.

Enquanto pedalamos pensamos em tudo. Temos muito mais tempo para reflectir sobre as nossas vidas, lembrarmo-nos de coisas que nunca lembrariamos no meio da cidade, nas nossas vidinhas normais. Talvez as pessoas que já fizeram os Caminhos de Santiago de Compostela possam ter uma compreensão desta parte. Mas... meus amigos, multipliquem por 3 o esforço. Sem querer tirar o mérito.

Naquela altura a viagem foi muito importante para nós dois, de tal maneira que ano após ano tentámos combinar repetir, sem êxito, devido à dificuldade de encontrar calendários compatíveis. Este ano surgiu a chance, embora tivessemos de fazer opções complicadas para podermos ter condições para ir.

Naquele ano tive de tomar decisões de mudança de vida radicais, e tenho a certeza que a viagem me ajudou a amadurecer ideias. E hoje estou certo de que tomei as melhores decisões.

Este ano também será de mudanças. Acabo o curso, tenho de estudar para um exame muito complicado em Novembro, e também há decisões a tomar. Conto com esta aventura para que me ajude, de novo, a tomar os caminhos certos, mas também para me reencontrar com quem eu era há 7 anos. Não há nada que eu conheça de mais poderoso do que uma viagem deste tipo, no esforço máximo, no sacrifício físico máximo, para retomar uma visão global de todas as coisas.
Uma nota para os dois totós que quiseram ir para Dakar de bicicleta. Tenho lido o blog deles, e se já tinha alguma desconfiança quando vi a reportagem da RTP na partida deles, agora ainda estou mais renitente.

Não quero de maneira nenhuma fazer-me superior, mas... há 7 anos, eu andava de bicicleta todos os dias, fazia 30 km diariamente. Jogava futebol 3 vezes por semana. Encontrava-me num pico de forma que nunca mais voltei a ter, e que, sinceramente, não via em mais ninguém à minha volta. Era um desportista autêntico, e quem me conhece pode assinar por baixo.

Fiz esta viagem, com 30 quilos às costas, é certo, mas ia mesmo em forma. Com uma bicicleta BTT, mas uma boa bicicleta BTT, bastante leve. Fui até Lagos, fiz 350 km, mais coisa menos coisa. E... meus amigos... nunca nada me custou tanto fisicamente. Custou-me pa caraças.

Antes de ter esta bicicleta, tive outras, do Continente e do Jumbo, baratinhas, que estoirei completamente nas minhas voltas diárias - e não foi a fazer downhill... foi só estrada. Rebentei a roda pedaleira, os pedais, o eixo da roda pedaleira, as jantes, os travões, até um quadro consegui partir.

E o que vejo são dois totós - desculpem lá mas eles têm cara de totós - com bicicletas dessas, a irem para o Dakar. E vejo em fotos, eles sempre a sorrir. Eles no deserto, de chinelos em cima da bicicleta. Eles, com a pele até bonitinha, sempre a sorrir! Eles a sair de Lisboa, com camisas e de calças, a pedalar em bicicletas que aquilo não tem ponta por onde se lhes pegue. E queixam-se de terem partido raios da bicicleta. Jovens, eu andei milhares de km e nunca parti um raio. Ah! E supostamente eles estavam super fora de forma e nunca tinham andado assim muito de bicicleta.
Quando fui a Lagos - e reparem, a distância não é comparável, fiquei todo FODIDO da pele. Caiu-me duas vezes em 6 dias. E eu não estive em África! Gostava de ter encontrado as fotos - sim, eu tirei fotos há 7 anos atrás, e não foram digitais - para poder provar umas coisas. Vou tornar a andar à procura delas.

Andar de bicicleta de chinelos não é uma opção. E calças? E as camisolas de malha com que eles aparecem, todos bonitos, nas fotos? Onde é que eles levam a tralha toda?

E mais... eu até consigo fazer 50 km de plano numa boa, mesmo em baixo de forma. No dia a seguir ando a coxear, com as pernas a parecerem troncos, mas consigo. Agora imaginar o dia a seguir, e depois, e depois e depois... indefinidamente até chegar ao destino... e aparecer a sorrir para a fotografia do blog? Jovens, a gente ao fim do dia nem falava um com o outro de tão descompensados que estávamos!
Queriam ir com 1000 euros até Dakar. Achei a ideia muito engraçada, mas... eu há 7 anos para ir até Lagos, exclusivamente pelos meus próprios recursos, gastei mais de 100 euros, e fui muito poupadinho. Fiquei em parques de campismo e comia enlatados (que levei, alguns deles! = mais peso às costas). Mas eles têm ajudas, ficam na casa de pessoal e tal, mas ... planearam ficar em pensões e jantar assim. 1000 euros? 1000 euros quase que não dá para sobreviver em casa dois meses, quanto mais ir para o Dakar de bicicleta. Nem à nossa maneira, quanto mais à deles!

Há aqui demasiadas coisas que não batem certo. E portanto, eu não acredito.

Mas, abro aqui uma dúvida razoável: se realmente for verdade e lhes estiver a custar pa caraças... dou a mão à palmatória. Só que aquele blog... parece que estão a passar férias num interrail.

Um dos maiores riscos que corremos é quando os camiões nos ultrapassam. Mas se vierem contra nós, eles é que vão capotar! Rijos!


Voltando à nossa viagem que começa amanhã: para vocês pode não significar nada, ou significar muito menos do que para nós. É verdade que existem riscos, mas eles estão minimizados. E o que pode acontecer é não chegarmos a Lagos. Estamos completamente em baixo de forma, estragadinhos pelo tabaco e pelo trabalho e estudo... e se agora parece mais fácil, estar a pensar nas dificuldades enquanto escrevo este texto... a verdade é que amanhã... vai custar pa caraças!

Quando voltar, talvez tenha algo para contar. Até ao meu regresso!

16 de abril de 2008

I might be Wrong IX - Não voltarei a ser... fiel



1 - MAC

Na fachada da maternidade, em vez de estar escrito Maternidade, podia estar escrito Hospício, hospital psiquiátrico, ou algo do género. Aquele traçado antigo não ficaria nada mal num filme como o "Voando sobre um ninho de cucos".Quando se entra lá dentro, as coisas não melhoram. Para começar, deram-me um cartão de estagiário, que ainda não sei para que serve, já que existem - supostamente - zonas interditas.
Depois de ter lá estado duas semanas a estagiar (e já estou a ser simpático com o verbo), estava eu às 8 e meia da manhã a abrir o cacifo com a chave que me deram, e que abro todos os dias, com o cartão na mão. Tencionava vestir a bata e preparar-me para mais umas horas de completa perda de tempo, quando um gigante de bata, com um ar algo oligofrénico, que vinha a passar no corredor, estaca e me dá dois "toquezinhos" com os dedos no ombro. "Não podes estar aqui!". Apeteceu-me dar-lhe uma chapada, mas tive a inconsciente lucidez de virar a mão para cima e mostrar o cartão, enquanto olhava para ele tentando não transparecer muita ira. "Ah... desculpe, Dr.".
Não. Eu havia de estar ali para quê? De certeza que havia partido o pescoço a alguém dali e roubado a chave de um cacifo, e agora ia furtar alguma coisa. Precisamente ali. Às 8 e meia da manhã. Ou não, eu estava ali para roubar bebés, com certeza. De dentro de cacifos.

O pessoal de lá é completamente doido e ilógico. Constroem portas de vidro - umas transparentes, outras translúcidas, mas que só impedem o acesso a determinadas áreas. Ainda por cima, algumas delas abrem-se se as empurrarmos um bocadinho de nada.Uma dessas áreas é o 2º piso, onde põem os cacifos dos estagiários. Agora sim, sinto-me muito mais seguro a deixar as minhas coisas no cacifo. Em vez de ter o meu dinheiro na conta do banco vou deixá-lo ali. Ah, mas espera. Existem dois outros caminhos pelo meio da maternidade, e que curiosamente até começam perto das salas de espera para consultas, ou seja, acessíveis ao público! Só falta porem uma pessoa em cada entrada da maternidade a distribuir flyers com um croqui a explicar como fazer para ir lá dar.

Para cúmulo, no primeiro piso estão as puérperas - e, portanto, os bebés. Podia entrar pela porta principal, dizer bom dia à segurança, elogiar-lhe o penteado, subir dois lanços de escada, virar à direita, entrar nos quartinhos sem as mamãs me verem, pegar num saquinho, roubar dois ou três putos, ir-me embora, passar para o outro lado do piso, ir desejar boa sorte às grávidas que ainda não pariram, voltar pelo mesmo caminho, perguntar à segurança se já lhe tinha dito que tinha um belo penteado, embalar os putos dentro do saco para pararem de chorar - ao que a segurança diria algo como: "tadinhos, devem estar com fome" - despedir-me e ir-me embora. E depois no dia a seguir vinha uma reportagem nos 4 canais sobre andarem malucos a roubar bebés na maternidade. A sério, sem medos. Não há portas magnéticas que vos impeçam! Go for it! O que é que pode correr mal?
Oh pá! Tomara eu não engravidar, com tantos estrogénios ali dentro! É as grávidas, é as enfermeiras, é as médicas. O ar lá dentro é amarelado!Em resumo: barra-se as portas aos estagiários, que estão lá para aprender e ser úteis no que lhes deixarem; mas se for para gamar bebés, acho que lá ninguém nos leva a mal. Se eu quisesse miúdos naturalizava-me francês, inscrevia-me numa associação humanitária e ia ao Chade! Ou então armava-me em Angelina Jolie ou em Madonna. Sempre viajava ao Vietname, Malawi, etc. Nunca iria acordar cedo e deslocar-me à maternidade.

A primeira vez que não percebi como funcionavam as portas, fui falar com as secretárias. "Então mas não lhe deram o cartão magnético?", "Não". "Ah, então não sei", "Mas eu sou estagiário, sou aluno do 6º ano...". "Não lhe posso abrir a porta. Mas olhe, vá ali pela escada e vire nas consultas e onde está um elevador torne a subir essas escadas até cá cima, e depois passa pelo meio do refeitório, e já vai dar aos cacifos".
Depois pensei: bom, vou passar pelo refeitório 10 vezes por dia, vindo das consultas de ginecologia, do bloco operatório, etc. Acho que deviam dar um prémio pela política de prevenção da contaminação naquela maternidade. O refeitório é, de facto, a pedra angular para os alunos da maternidade. Abundam os coffee brakes.

Adorava jogar paintball naquele edifício. É só passagens e passagenzinhas, com montes de obstáculos, pouca luz, elevadores. Ando ali perdido de bata e parece que estou a jogar ao Doom. Para ter acesso a determinada zona tenho que apanhar o cartão x, y, e k, carregar no botão h para abrir a porta, etc. É de gritos.Para ir ao bloco operatório é preciso ir vestido de forma própria. Pelos hospitais onde já passei, contíguo ao bloco existem balneários com muito vestuário de bloco operatório. Mas claro que ali tinha que ser diferente. "Olhe, desculpe, onde está a roupa?", "Não há. Vesti as últimas calças.", "E onde posso arranjar?", "Tem que ir às caves", Lá fui.
Nas caves há pouca luz, o estuque das paredes está todo rachado, ou então caído no chão. Há pó por todo o lado, algumas portas estão trancadas, outras não. Ouve-se o barulho de gotinhas a cair no chão - puoik... puoik... de resto, o silêncio domina. Ouvem-se os meus passos, crrsh, crrsh, no meio do entulho do chão. De rouparia, nem vê-la. De resto, ficaria muito surpreendido. Podiam-me aparecer ali zombies do Resident Evil (a sério, parece mesmo tirado do jogo) e caçadeiras no chão para apanhar e desatar ali aos tiros, que não só era mais divertido, como também era mais previsível do que descobrir ali a roupa do bloco operatório.Como não apareceu nenhum zombie para me limpar o cebo, resolvi vir-me embora.
Um bocado mais tarde, aconteceu-me o que não me acontecia desde os 14 anos: tive um ataque de asma. Parabéns, maternidade. Fumo pa caraças, ando exposto às intempéries, acampo, ando de bicicleta na primavera, estive em quase todos os hospitais de lisboa, e nunca mais tinha tido asma. Mas vocês conseguiram!

*

2 - Status

Ando chateado. Não é que na generalidade as coisas corram mal, porque não correm.Quando andava no 3º ou no 4º ano, diziam "Ah e tal, andas em medicina, deves ser um crânio, vais ter uma profissão muito bonita, mui nobre, depois a ver se me arranjas umas receitas e umas consultas", ao que eu respondia que não é bem assim, que algumas das mais gigantescas pedras com olhos que conheço andam em medicina, e espero que nunca precises da minha ajuda porque é bom sinal, essas coisas circunstanciais que se grasnam nessas ocasiões.Agora, quando me chamam Dr... há alturas em que preferia que me chamassem filho da puta. A sério que preferia. Era mais humano, menos hipócrita. "O... doooutor... ainda precisa do processo da cama 50?", "Oh ... doutoooor... saia-me da frente que tenho que ir fazer a higiene ao doente da cama 50", "A culpa também é do ... doutoooor... de isto da saúde em portugal andar assim!". Acabou-se a beleza. Agora sou um cabrãozão como os outros todos, vou ser muito rico e comer à conta dos doentes. Deviam-me meter numa saca de serapilheira com pulseiras com correntes nas mãos e pés e jogar-me ao tejo. "Não gosto de médicos" - é o que dizem agora.

Voltando à MAC: acreditam que vou ao tal refeitório beber café, chego à registadora para o pré-pagamento, digo bom dia, simpático e sorridente, e ficam a olhar para mim com cara de asnas (sim, também são mulhereS) à espera que eu faça o meu pedido? À primeira ou segunda vez deixei escapar. Mas a partir daí digo bom dia e fico calado a olhar, na expectativa. Passados vários segundos de processamento, lá vem o "Diga, faxavor.", "Então já não disse? Bom dia!". Ou então: "Diga você primeiro", "Digo o quê?", "Bom dia".

A ver se na segunda semana já não começaram a dizer bom dia.

Também vejo que entre colegas as coisas estão muito diferentes. Muito mais individualismo, pouca ou nenhuma preocupação entre supostos amigos. Algumas vezes até parece que se sentem como se os tivessem jogado para um poço, e mandado um pau para se degladiarem até à morte. In the end, there can only be one. É uma pena, entristece-me. Vejo muitas pessoas a perderem a perspectiva global das coisas e do que é realmente importante. Ou então talvez seja eu que me estou a armar aqui em velho sábio, não sei. Pelo menos é o que sinto.
*

3 - Mulheres

Depois de muito ter teorizado - e praticado, em boa verdade... - sobre mulheres, considero muito importante, mesmo muito importante, ter passado pela MAC para provar determinados pontos de vista e enriquecer a minha vivência. Já vi, vivi em primeira mão e ouvi em segunda mão, muitas coisas. E agora, nas consultas de obstetrícia já vi várias coisas interessantes. Vi mulheres a instalarem DIU's e calarem-se bem caladinhas para os maridos, que querem ter filhos. Vi outras a quererem fazer laqueação de trompas, porque os maridos pensaram em fazer vasectomias, e elas tinham medo de engravidar "por fora" e depois não poderem atribuir os filhos ao corno. Vi mulheres que descobriram que tinham DST's pelas análises, e chorarem quando se lhes dizia que tinham que trazer também os maridos para fazerem tratamento, "Mas eu não quero que ele saiba...".

Mas o melhor mesmo... foi quando a Dra, minha assistente, me disse uma frase marcante: "João, prepara-te. Tu vais ser sempre enganado". Não que eu não o soubesse já. Aliás, respondi-lhe sem pestanejar um "Eu sei". Mas ouvi-lo da boca de uma mulher!, jovem!, ginecologista!, é um outro nível de clarividência.

Tenho para mim que o maior mito, a maior mentira da humanidade, a maior vitória das mulheres, foi convencer os homens de que são mais inteligentes e têm o poder nas mãos. "Nem sabes a sorte que tens", dizem as mães aos filhos. Começa logo de tenra idade. Essa ideia vai-se inquinando, incrustando na cabeça dos rapazinhos, e fica para sempre.
Não pedia uma mãe como a de um colega meu, que sempre o avisou "Filho, olha que elas são todas umas putas". Mas quando me dizem naquelas conversas da treta que os homens são uns cabrões, ocorre-me imediatamente concordar, e acrescentar que as mulheres são umas cabras. Sim, porque eu gosto de partilhar a fama e as luzes da ribalta. Só acho que deviam ter vergonha na cara de se andarem a vitimizar por aí. Pensem lá bem se não andaram ou andam na podridão completa, e continuam a achar que só por serem mulheres podem acusar os homens. Vá lá, admitam. Vocês sabem que eu sei. Eu estava lá. Vocês sabem do que é que eu estou a falar.

Ocorreu-me, neste contexto, aquela estratégia clássica do homem que está com uma mulher pela primeira vez (ou não) e não o consegue "pôr em pé", e diz: "Não entendo, é a primeira vez que me acontece, desculpa". É sempre um bom escudo, protege-se o ego masculino desta forma.
Mas as mulheres têm uma estratégia semelhante para quando estão com homens pela primeira vez, e em circunstâncias pouco "lícitas" - "Que loucura, nunca me tinha acontecido isto". Desta maneira, protegem a sua honra feminina e reafirmam a sua não promiscuidade, ao mesmo tempo que fazem sentir ao homem que é tão especial que não resistiram.
Toda a gente fala na verdade e na sinceridade, mas cada vez mais acho que isso é tudo uma grande treta. O fair-play é uma treta. E para quem quiser vir comentar "ah, eu sou diferente", pergunte-se a si mesmo se vale a pena.
*

4 - Resoluções

Quando ando um bocado chateado comigo mesmo, dá-me na cabeça de ter ideias para mudar coisas. E em tempos difíceis que se avizinham, com os relatórios do mestrado, o enclausuramento do estudo para o exame de acesso à especialidade, o próprio exame... creio que é mesmo uma altura indicada para tal.

Resolução A - Consulta de cessação tabágica

Não vale a pena enganar-me. Está na altura de parar de fumar. Devo ser das pessoas mais estúpidas nesse capítulo do fumar, por todas as razões. Descobri que lá na MAC a assistente de um colega meu faz essas consultas, e vou lá amanhã. Vamos ver no que é que dá. Esperem notícias em breve. Não se preocupem, se não conseguir eu conto. Mentir para quê?

Resolução B - Evasão de estímulos nocivos

Todos nós temos pessoas que nos picam o miolo de vez em quando. Pessoas que descobriram que não gostam tanto de nós como um dia nos disseram, mas mesmo assim de vez em quando lhes dá na cabeça para nos contactarem, como que para testarem a influência que têm em nós. Não sei se é por uma questão de alimentar o ego, ou se é porque se sentem em determinada altura sozinhas, ou têm esgares de recordações. Às vezes não fazem por mal, não têm consciência.Essas pessoas são como abcessos cerebrais, ali escondidinhos por detrás das nossas defesas, e que aparentemente esperam a altura certa em que estamos mais vulneráveis para extravasarem e nos provocarem uma recaída generalizada.Parece que essas pessoas não percebem que, se algum dia gostaram de nós, se nos respeitam, devem deixar-nos num canto, sossegados.Eu sou adepto do tempo e da distância. Eventualmente esses abcessos curam ou ficam fibrosados, e mais tarde as cicatrizes ficam bem rijinhas. E até pode ser que tornemos a ser amigos delas.

Resolução C - Campistas-ciclistas, parte 2

Dia 26, se o clima o permitir, vou reeditar aquilo que fiz há uns anos. Vou de bicicleta para bem longe daqui durante uns dias. A forma já não é a mesma de há 7 anos atrás, mas mesmo assim acho que sou capaz. Como até lá não vai haver mais posts, prometo fotos da aventura.

Adeuzinho e até ao meu regresso!