28 de janeiro de 2008

Luzes de ontem e de hoje




Silêncio.

Como quando falha a electricidade e tudo se cala, e se procuram as velas para que não caia tudo na escuridão. Não se ouve a energia a correr pelas artérias da casa. Não se ouve a televisão, o frigorífico. O que ouço é aquele wíííííííím que permanece nos ouvidos. Ou talvez seja um som que os cérebros citadinos imaginam para preencher o vazio inesperado. Para evitar o pavor de termos de nos ouvir de repente a nós próprios.

Calma.

Como quando a respiração abranda tanto que nem se dá por ela, como se se tornasse dispensável. Os movimentos tornam-se lentos, harmoniosos, e apenas para realizar objectivos prementes, que não os há. Nada digo, porque não é preciso, e na verdade ninguém estaria para escutar. Como na história da árvore que cai no meio da floresta e não posso garantir que fez estrondo porque não estava lá para ouvir. Porquê? Não o sei.

Penso nas estrelas do meu céu. Luzes que já se apagaram lá no sítio que ocupavam. Já brilharam, já ofuscaram, e acabaram por explodir. Ou então, contrariando a lógica científica que aprendi, foram morar para outro lado. Não sei... não estava lá para ver. Porquê? Também não sei.
E também não sei o que deixaram nos seus lugares. É muito menos do que nada, com certeza. O nada é o zero, não aquece nem arrefece. Mas são lugares cuja simples recordação traz gelo e corta a respiração. Aperta o peito. Faz crescer uma bola no fundo da garganta.
São buracos mais escuros do que o simples negro. São faróis de breu que atraem os barcos para as rochas.

Essas estrelas reluzem em mim e reluzirão por muito tempo, porque a luz é muito veloz, mas as distâncias a percorrer são enormes. Elas já se foram embora, mas continuam a ser o referencial porque a luz continua a vir. Luz do passado.
O aqui e o aí são tão longe um do outro que acabam por viver em diferentes coordenadas espaço/tempo. E afastam-se à deriva enquanto estou calmo e em silêncio, sem nada poder fazer para o impedir.
*

Sou mais um gato pardo que quebra o silêncio
de alguém diferente em cada noite escura
Até que os pés cheguem ao chão
Sou a corda que segura
Sou aquele que vai à frente e alumia duas vezes
só até à primeira encruzilhada.
Sou o outro
O que relembra a pessoa realmente amada
Sou um tudo de segundos, dispersos
No desde sempre de quase nada
Do cântaro que se partirá, sou a asa
Já esquecida ao pé da fonte
Sou o filho pródigo que não volta a casa
O bandido que anda a monte
Sou um papel dobrado em 8 debaixo da mesa
Para que não fique bamba
Sou a lamparina que, no meio do túnel, ainda acesa
dá luz a outra lamparina qualquer
mesmo antes de se apagar...

11 de janeiro de 2008

Realidade em dois tempos

Bati de contra a espuma. Arrastei-me por ali. Àquela mistura de água do mar e gás dá a natureza o nome de espuma e os garotos o nome de leite. Escorre por detrás das orelhas e enche o ouvido. Os dois.Tento não a deixar entrar pelas narinas, pois não sou eu que vou contrariar milhões de anos de evolução. Se escolhemos que fossem trocas gasosas, eu alinho! Levanto lentamente a cabeça e o leite vai desaparecendo. Leite mágico. Tenho de tentar compreender isto pois agora só água vejo.

Aqui e ali exespero por explicações simples, daquelas que convençam uma criança. Se conseguirmos convencer uma criança, então por certo acertámos. Dizem que as crianças não mentem. A pessoa com mais poder neste mundo talvez seja aquele senhor que consegue explicar a uma determinada criança o porque daquele brinquedo ser melhor.

Cara criança, analisando de perto as suas necessidades, concluo que o dinossauro mega blástico ser-lhe-à mais útil que a gárgula alada. O dinossauro mega blástico pelo sua disponibilidade de cores e funções adicionais será uma escolha mais inteligente, mesmo tendo em conta o maior esforço financeiro inicial com a sua aquisição.

O seu pai, na esperança de lhe proporcinar uma maior segurança em viagem, comprou uma super auto van especial, com 300 cavalos e com tudo o que há de mais inovador em segurança passiva e activa. A escolha entre uma condução mais atenta e as suas exigências em chegar o mais depressa possível ao destino foi óbvia. O seu pai obviamente preocupa-se consigo, pois em situação de acidente, tem ao dispor tudo o que a nossa tecnologia tem de melhor. Também não servirá de mortal projéctil em caso de embate pois está confortavelmente acomudado na mais segura cadeirinha de bébé. Esta cadeirinha resistiu a testes na lua e nos anéis exteriores de saturno. Mais uma vez, estas escolhas pediram por um maior esforço por parte dos seus pais mas, um dia, dar-lhes-à razão.

Ao celebrar o seu 3º aniversário, os seus pais proporcionam-lhe o necessário espaço para evoluir. Por certo estará feliz. Agora só tem de perder uns instantes antes de disfrutar deste telemóvel. Pré-programado com 10 números de amiguinhos seus, e quem sabe a sua mais que tudo, este aparelho permite-lhe fazer filmes em alta definição e tirar cerca de 200 fotos em formato perfeito. Já não vai mais ter de pedir à educadora para que ligue para que o seu pai o venha buscar. Será popular na sala dos 4 anos mesmo antes de lá chegar.

Este tipo sim. Ele proporciona bem estar, ele emancipa, ele sabe. Numa palavra só, ele é feliz. Estas etapas vão estar escritas, impressas como linhas guia da nossa vida. A evolução será o neo natal. Esse será o próximo mercado, proporcionar o bem estar mesmo antes de se ter nascido, programando tudo, para que não tenhamos de escolher.

Vamos ter um GOLD standart social, um APACHE de conduta e um TIMI da evolução. Como facilmente se percebe, não cumprindo estas linhas orientadoras, a sobrevivência está comprometida. A vivência vai ser feita em resevas, para pessoas que insistem em que a espuma do mar sempre é leite. Vivem, mas não são felizes.


*

Finalmente anoitece. Antes que me aperceba já tenho mesmo de me ir embora. Já saí. Comprei algumas coisas muito ao acaso que estavam pelas parteleiras do supermercado. Não sei se este acaso me proporciona uma refeição mas, como os grandes inventos, também o meu jantar será fenomenal. Eu até te queria era pedir para não ir, hoje preciso de mim. Venho exausto e preciso de descansar. Preciso de saber que entre o melhor dos dois mundos que não posso ter, hoje escolho aquele que nunca tenho. Amanhã já saberá melhor. Chego cansado, com aquele suor desconfortável de quem se agasalhou mais do que devia e com um saco de banda, pois a alsa não aguentou a minha escolha perfeitamente aleatória. Queria-me dizer o quanto estou bem agora a roer uma bolacha Maria e sentindo uns leves espasmos nas costas.
Ah, este maldito hábito de ligar a televisão logo que se chega a casa não tem de acabar. Não acendo um cigarro. Não bebo um copo, talvez um whisky com 2 pedras de gelo. A minha escolha recai por uma lata de cajus, de abertura fácil, não estou para grandes aventuras! Depois duma bolacha Maria o que me apetece são uns cajus. Penso mais uma vez naquilo que tenho para fazer amanhã e não vou fazer. Riu baixinho e rápido, com um estalar de dedos: que se lixe! Há tanta coisa que ainda vou fazer e que o mundo não sabe.
Volto-me para o lado. Entornei os cajus. Assim não corro o risco de me curtar na lata, não estando eu hoje para aventuras. À porta de mim hoje está um sinal de não incomodar, pintadinho de fresco. Oiço o serviço de quartos da minha vida a mandar vir porque queria entrar para fazer a cama. Riu-me baixinho e rápido estalando os dedos. Que se lixe mesmo, hoje não vou abrir.
Esfrego os pés no cobertor com vigor. Penso na quantidade de energia que perco na forma de calor e em toda a energia potêncial que não vai por certo se transformar em cinética. Ah, se ao ao menos estivesse num sistema fechado!