16 de setembro de 2006

redescobrir


Caminho sobre a orla irregular do passeio tentando encontrar um ponto de equilíbrio. Estou só com os pensamentos que acompanham o corpo e a mochila que carrego. Não sei bem para onde vou, muito embora conheça perfeitamente o caminho que percorro. Olho em frente e vislumbro um cruzeiro que brama a sua partida da doca entrecortado pelo padrão dos descobrimentos, hoje dotado da imponente beleza de um primeiro encontro. Nunca senti tal devoção.

À proa, o infante lidera os fervorosos rostos de uma nação que um dia ousou destronar Adamastor. O sal, as lágrimas legaram uma das mais prolíficas passagens da nossa história. Mas tudo vale a pena, não só pelo tudo mas também pela pena, sem a qual a premente vontade de superação sucumbiria na mais grotesca das virtudes.

Mesmo que não tenhamos consciência, o valor atribuído à causa depende em parte do grau de impossibilidade de concretização e o esforço e sacrifício pessoais são indissociáveis da felicidade. Contudo, há dias em que preciso apenas de simples momentos como este, aqui e agora. O lânguido passar do vento sobre a face, adequa-se à minha atitude de renegação face a qualquer assunto mundano.

Volto a mim e ao mar, calmo e suave espraiando-se a meu lado. Espectral, caminho contra o sol, cruzo pessoas, vozes, esplanadas, pescadores de rio que comentam as marés e os pormenores técnicos dos quais resulta a escassez da pescaria. O silêncio permite-me alcançar o som da ponte, que brilha ao raiar último do pôr-do-sol e sombreia o Tejo, já matizado por um cacilheiro laranja e branco. Presencio em mim uma certa sensação de alívio e bem-estar. Se pudesse, continuaria o meu percurso infinitamente, deixando para trás a poeira de terra batida ou somente as marcas no solo de uma qualquer terra inóspita.

O desejo de contactar com o desconhecido impele os meus sentidos. A necessidade de partir rumo a mundos tão diferentes daquele em que vivemos freme dentro de mim. Preciso sair e conhecer a outra versão do mundo e da vida, na tentativa de fazer um update de conhecimentos que só a vivência presencial permite. Pode ser que um dia possa concretizar esse sonho. Por enquanto são as luzes das “docas” que iluminam o limiar da tarde. É fim-de-semana adivinhando-se por certo uma noite de folia por estas bandas.

Estou prestes a chegar ao carro. É preciso voltar à realidade e ganhar fôlego para conduzir até casa. O dia foi demasiadamente perfeito para tolerar o trânsito e a confusão característicos das horas de ponta. Homens e mulheres apressam-se e entre tropelias várias lá encontram um espaço na fila ao lado. Muitos regozijam-se pelas suas façanhas em estrada, outros nem sequer dão conta dos seus hábitos, comportando-se como máquinas programadas para a rotina do dia-a-dia, acabando por não usufruir dos frutos do seu trabalho. É verdade que o pão não nasce por geração espontânea contudo, parar um pouco e sentir que pelo menos há vida em nós não paga imposto.

Hoje redescobri que a vida deve ser um elo de fugas e que a evasão, por mais responsabilidades e prazos estudantis ou laborais que tenhamos, é a forma mais eficaz de recuperar a força e retomar o percurso que nos cabe com maior perseverança.

Ganho coragem, parto.

10 de setembro de 2006

Parábola

Voltava do café, segurando um cigarro entre os dedos, fumava-o pacificamente: observava o fumo a ser abraçado pela neblina. A humidade corria de forma galopante por entre as árvores, enquanto a luz nascente de um solitário poste de iluminação contava as gotículas que lá se depositavam e esvaneciam. Luz atrevida que mergulhava pela duna onde me sentei a admirar o mar, que apenas me sorria com uma espuma ténue e quase que fluorescente. Tentava embalar-me com o seu som, qual ninfa que cantara para Ulisses. Mergulho os dedos em tenros grãos de areia – fria e pálida como cal – como se raízes fossem. Reflicto. Sei que vou voltar para lá, um dia destes em que a Natureza decidir que sou o menos apto. Todos perdemos o nosso lugar. Renasceremos?
Não sei. A ideia de ser um grão de areia que está enterrado há muito e que, subitamente, é trazido novamente à superfície é algo apelativo para muitas pessoas e crentes nessa matéria. E se formos uma elipse com um foco fixo e outro no infinito? Afinal de contas, se nascemos e nos podemos imortalizar pelas nossas múltiplas acções, não podemos fechar a elipse. O Mundo, a Natureza, está toda equilibrada numa parábola.
Sou interrompido. Resolvo não atender. A Natureza abraça-me: a maresia toca-me na cara enquanto a cheiro, a espuma fala comigo enquanto enrola na areia. Sussurra-me no ouvido um terno “és meu”. O cigarro depressa acabou. Desenraízo-me, atravesso a bruma e o vento traz-me recordações gotejantes. As minhas passadas, pesadas, deixam cicatrizes que o mar rapidamente cura. Subo em direcção ao topo da duna e só o vento sara essas pegadas profanas que ousaram pisar tão sagrado solo. Quartzo, feldspato e mica acomodam os meus pés enquanto sou iluminado a cada vez que um carro passa. Passo pela rua estreita do costume. Não há um único fotão mais atrevido que os da Lua, a delinear-me. Estava cheia, ela. Sim, tu que praticas o culto da gula durante uns dias dos teus 28 de esplendor, à custa do Sol.
Meto a chave na porta de casa e rodo-a; a porta de madeira maciça range de dor. Os últimos Invernos haviam sido rigorosos. Despejo a tralha toda que tinha nos bolsos em cima da mesa e abro uma garrafa de Whisky. Encho o copo, como de costume, faço mergulhar duas pedras de gelo naquele tentador destilado de 1976. Sorvo cada golo ardente, esticado no sofá da sala, olhando para o tecto enquanto as pedras descaradamente beijam o copo. A Lua espreita pela janela. Quando chego ao quarto vejo que tinha tacteado tudo. Deito-me com ela aos meus pés, olho para ela uma última vez e, ao som de Tool, digo: “serei tua, mas não hoje…não hoje”.

Tool – Parabola

We barely remember
Who or what came before
This precious moment,
We are choosing to be here,
Right now.
Hold on,
Stay inside...
This holy reality,
this holy experience.
Choosing to be here in...
This body.
This body holding me.
Be my reminder here that I am not alone in
This body.
This body holding me.
Feeling eternal, all this pain is an illusion.
Alive
This holy reality,
In this holy experience.
Choosing to be here in...
This body.
This body holding me.
Be my reminder here that I am not alone in
This body.
This body holding me.
Feeling eternal all this pain is an illusion...
Of what it means to be alive
Swirling round with this familiar parable.
Spinning, weaving round each new experience.
Recognize this as a holy gift and celebrate this chance to be
Alive and breathing
Chance to be
Alive and breathing.
This body holding me reminds me of my own mortality.
Embrace this moment.
Remember: we are eternal, all this pain is an illusion.