Querer
Não podemos ter sempre o que queremos. Se os Rolling Stones falaram nisto mais de dez anos antes de eu nascer (daqui a pouco mais de 15 dias a música completa 41 anos) alguma razão devem ter.
Mas hoje um amigo meu disse-me uma frase tão atabalhoada e quase falaciosa e irreal, que me fez todo o sentido. Se calhar foi aquilo em que quis acreditar, e por isso, mesmo atabalhoado, o raciocínio pareceu-me lindíssimo.
Era algo como isto: não interessa o que os outros querem. O que interessa é o que tu queres. O que tu queres está ao teu alcance. E o teu querer pode mudar o querer dos outros.
Enfim... era qualquer coisa assim. E eu estou a esforçar-me por acreditar na ideia dele.
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Insistir
Ontem comprei umas botas Cat® muito giras. E apesar de ter ido jogar à bola ontem e ter lixado os pés todos, achei uma excelente ideia ir hoje de manhã com elas calçadas. Andar um quilómetro a pé, a subir, até ao hospital, percorrer corredores, subir escadas, cirandar pela enfermaria... e depois, à saída, tornar a fazer o mesmo caminho.
O resultado: as botas comeram-me os calcanhares, literalmente.
Não contente com isso, bebi umas quantas minis e fui jogar à bola a seguir porque um amigo precisava de mim. Que se lixem os pés, o que é que pode correr mal?
Andei lá a correr que nem um maluco, a doer-me à bruta, mas não quis saber, insisti. Queria sentir a dor, ali, à rijo, para me fazer esquecer de outras dores. Como quem dá uma martelada no dedo para tentar esquecer uma dor de dentes. Corri o mais depressa que pude, chutei com toda a força que conseguia, até jogava a bola à Madjer e tudo. Até que deixou de doer e tinha as meias em sangue.
Cheguei a casa, mal conseguia andar. Mas o pior estava para vir. Quando a água do duche desceu pelo corpo, a arrastar o sal até aos calcanhares.
Coisas como estas esculpem o carácter de uma pessoa. Só pode.
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Não desistir
Hoje desistiram de mim no trabalho. Há muito tempo que se vivia um clima de tensão de cortar à faca naquela sala de enfermaria, e por fim houve uma mudança. Já não sou orientado pela mesma pessoa. Estava a custar-me muito levar na cabeça todos os dias, sempre com reforços negativos, e ter de assentir como um autómato, sem questionar, sem discutir, sem ousar entrar em conflito. Estava a reprimir-me e isso levou-me perto da exaustão emocional.
O tempo foi passando e não sei para onde ele foi. Sei que sempre pensei que fosse eu a quebrar e solicitar uma mudança. Aliás, isso já me tinha sido sugerido. E acabei por não ser eu.
Cheguei lá hoje de manhã e a decisão já tinha sido praticamente tomada. Bastava eu dizer que concordava, que achava bem. E portanto, fui chamado à famigerada sala do director.
Como me foi explicado, isto não é muito diferente do futebol. Porque é que com o Quique não resultava e com o Jesus resulta? Eu respondi - motivação. Pois, mas não é só isso. As pessoas têm de encaixar. E às vezes não encaixam, e não pense que é o primeiro. E isto é trabalho de equipa. E eu estou aqui para detectar quando as coisas não correm bem e quando as pessoas não encaixam. E no seu caso detectei que havia um problema sério. Temos de encontrar o melhor espremedor para tirar o sumo que falta para encher o copo. Sim, disse eu. Mal sabe ele que eu comparo tudo o que vejo na vida e tudo o que me acontece com o futebol.
Podia ter algumas boas conversas com ele. E por ter sido franco comigo, confessei-lhe que a medicina interna não era o meu prato, que não era vocacionado para a especialidade, e só não usei o verbo odiar por pudor. Mas achei que ele mereceu a minha franqueza, e quero pensar que a apreciou.
Aquilo que aparentemente é uma derrota acaba por não o ser. Aguentei, aprendi (porque aprendi e aperfeiçoei muito algumas coisas com a minha former boss), mas nunca nada parecia ser suficiente ou motivador para continuar.
Quiseram tornar-me rápido e eficaz a ver doentes, a despachar as coisas depressa e bem, a lembrar-me de tudo como se já fizesse aquilo há bastante tempo. Eu sou lento, mas sei que estou a aprender, e se fizer as coisas devagar e com uma curva de aprendizagem longa um dia serei mais rápido.
Eu não sou uma máquina. Eu gosto de pessoas. Gosto de falar com elas. E decidi que, com 99% de certeza, não vou para uma especialidade médica - com enfermaria - não por causa dos doentes, mas por causa dos médicos que lá trabalham.
Foram sinceros comigo logo nas primeiras duas semanas quando me disseram que eu tinha que me tornar mau. Mas eu não quero, mesmo que para algumas pessoas isso seja sinónimo de incompetência ou insuficiência.
Eu quero muito ser feliz, seja lá o que isso for; não sei o que é, mas sei que o que não é é ser-se um frustrado emocional, com maneiras desajustadas de me relacionar com os outros.
Ainda faltam dois meses para sair dali. Mas como disse um outro amigo meu, o tempo está sempre a passar. Estás aqui a falar comigo e o tempo está a passar. Vais à casa de banho e o tempo está a passar. Vais ter duas semanas de férias, e alguns fins de semana, e o tempo continuará a passar. Estás a dormir e o tempo vai passando. Cada vez mais perto. Não sei do quê, não sei de onde, mas fora dali.
E às vezes... muitas vezes, até acabo por ter o que quero. E não quero desistir de nada do que desejo para mim.
"Não interessa o que os outros querem. O que interessa é o que tu queres. O que tu queres está ao teu alcance. E o teu querer pode mudar o querer dos outros.".