21 de outubro de 2009

Meio cheio?



You have no interest in the past
Where you came from
Where you're going to

Desde que me lembro de existir que teimo em queimar etapas no modelo descrito em 5 etapas por Kluber-Ross: viajo directamente para a quarta, mas fico lá estacionado indefinidamente, e quando dou por mim já os outros viram a bandeira em xadrez, banharam-se com champagne no pódio, e já correm em outras pistas. Mas vou esforçar-me por tentar ser positivo, descrevendo as coisas boas dos últimos dois dias.


1. Não sei o que se passou, mas esta noite eu só via era macas e cadeiras de rodas com doentes a entrar naquela sala. Custa-me manter-me enérgico, activo, e fazer as coisas em tempo útil. Isso custa-me. Mas dou graças por não me custar absolutamente nada falar com os doentes, perder algum tempo a ouvir o que eles acham que é importante contar... alguns deles agradeceram-me a atenção, perguntaram-me o nome, tornaram a agradecer, e ... talvez até se tenham ido embora mais depressa e mais satisfeitos. Pelo menos gosto de pensar que sim.
Nem sempre é possível aplicar esse tempo com tanto doente a entrar e a precisar de ser visto. Mas quando é... e quando se consegue falar de igual para igual com eles, com calma, com educação e com atenção, e às vezes até com boa disposição (...) garanto-vos que eles (e "eles" podem ser eu, tu, nós, vós) vão perceber se estamos a lidar com eles com sinceridade de sentimentos, ou numa tentativa forçada de criar empatia. Se for tudo treta o resultado não é o mesmo. Falarei nisto um dia em mais detalhe ...
Quando entrei naquela sala estava lá uma senhora já entradota deitada numa maca, com o filho. Análises, Rx, sinais vitais, tudo bastante mauzinho (como avaliei mais tarde). Mas a senhora estava bem disposta. Perguntou-me logo se era eu que a ia picar outra vez. Eu fiquei a olhar para ela surpreendido e disse logo que não sabia! Tinha acabado de chegar! E até me consegui rir...
Quase no fim do banco (eu disse que só ia falar de coisas boas) disse que tinha que a internar, e portanto ela ia ficar ali connosco. Não gostou muito, obviamente.
Depois disse que tinha que a picar, porque já tinham tentado diversas vezes colher um bocadinho de sangue e não tinham conseguido, Vê? Bem disse que me vinha picar e não acreditou!, Pois, eu não sabia, mas realmente tem razão, eu também preferia não a picar, mas isto é importante... piquei. E tive sorte que não lhe doeu, e apesar do punho inchado como tudo e um pulso fininho que só se sentia lá no fundo... consegui à primeira. Foi mesmo sorte.
Doeu muito, X? (trato por você, mas não uso senhora ou senhor; dei-me conta que a maior parte das pessoas acaba por preferir, e eu também prefiro...). "Não. Doeu muito mais aquilo que me disse...".

Mais um bocado, dispo a bata, vou-me embora, acabou o banco. Então Dr., onde é que vai? Oh X, agora vou dormir, já estou um bocadinho cansado, também precisava de uma maca! Dr., queria-lhe agradecer a atenção - pegou-me na mão com a mão do acesso venoso - é um rapaz muito educado, atencioso, e tem bom coração. E vai ser muito feliz, tenho a certeza!


2. Voltei a casa, eram 9 da manhã. Mas mesmo antes de chegar, estavam os carros todos parados na saída da A5 para Queijas, no fim da subida, na curva. E eu ia meio distraído a pensar na vida, e o piso estava molhado, não ia nada depressa (quando vou cansado apetece-me sempre conduzir devagar) mas devia ter travado mais cedo. Travei, o carro derrapou, deus ajudou, tirei o pé do travão, uma abaixo, desviei do carro à frente, travei, derrapou, fiquei entre o carro e o rail do lado direito. Não sei como fiz, ou porque é que correu bem. Queixo-me, queixo-me, mas até tenho sorte às vezes. Já é a segunda vez que falo de sorte.


3. Eu durmo num daqueles gavetões que se puxam de debaixo de outra cama, e antes de ir para o banco às 20h consegui dormir um bocadinho em casa. E deixei a cama puxada para fora. Claro que quando voltei às 9 e picos da manhã, estava lá a minha cadela a dormir. É como apostar que o sol vai nascer de manhã.
Vinha cheio de frio e muito cansado, ela percebeu e cedeu-me o lugar do qual se tinha apoderado sem eu dizer nada, e eu enfiei-me debaixo do edredon... estava tão quentinha, mas tão quentinha a cama... há muito tempo que não tinha uma sensação física tão boa.

4. Agora às 21h não me apetecia nada jogar à bola, mas eu prometo e não gosto de deixar ficar mal o pessoal. Já me tinha esquecido de como é bom jogar à chuva. Choveu-me o oceano pacífico em cima. Não lava lá muito o corpo, mas lava um bocadinho a alma...




2 comentários:

  1. Quando se escreve despido de intenções normalmente o resultado é óptimo. O texto flui e é tão fácil de ler que não damos pelo chegar do fim, parece quando estacionamos o carro e batemos no lancil, voltamos um parágrafo para trás.
    Agora vem um anónimo dizer que tens uma grande imaginação e tudo isto é ficção... És o Caim de Santa Maria.
    Abraço

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  2. Caro Pedro:

    É refrescante escrever despido de intenções. Acho que durante muito tempo escrevi, sendo useiro e abuseiro de metáforas e outras figuras de estilo, e muitas vezes com intenções de passar determinadas mensagens a determinadas pessoas, ao mesmo tempo que tentava produzir textos que entretivessem todas as outras pessoas.

    Isso é cansativo, gasta energia, e embora talvez até pudesse fazer com que essas pessoas visitassem mais vezes o blog no sentido de tentarem pescar essas pérolas que eu deixava escondidas, a verdade é que essa maneira de escrever não produzia os resultados que eu ambicionava.

    Se há alguma intenção no que tenho contado ultimamente, ela é a de me dar a conhecer e ao que tenho feito ultimamente. Acho que algumas pessoas que gostam de mim e que não têm estado comigo porque eu não posso, ou porque elas não podem ou não querem, poderão gostar de saber o que se passa comigo.

    Sempre achei que o blog era uma maneira de aferir o interesse que determinada pessoa poderá ter por mim. Pode ser talvez um critério demasiado simplista ou até injusto para algumas pessoas (err... você já tem internet, pá?) mas até agora não me tenho dado mal com ele...

    Obrigado, Pedro. A tua opinião conta muito para mim. E felizmente até tens sido das pessoas com quem tenho conseguido estar, e que também se esforça por isso.

    Abraço, até daqui a bocado ;)

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