10 de fevereiro de 2010

Her morning elegance

And she fights for her life as she puts on her coat

And she fights for her life on the train

Acordo aos poucos enquanto sinto o cheiro de banho acabado de tomar e ouço o barulho que ela faz com os cabides uns contra os outros no armário, a escolher o que vai levar vestido. Espreguiço-me um pouco sem abrir os olhos e enrodilho mais um pouco o edredão entre as pernas. Nesta altura não penso por palavras. Apenas dou atenção aos estímulos que os três sentidos me oferecem, e pairo num limbo de semi-sonho. Está atrasada para o trabalho, e repete os gestos mecanicamente, quase naquele piloto automático só possível nesta altura. Cada vez mais depressa e com mais barulho, vai-se despachando, e eu vou saindo aos poucos do torpor. Espreguiço-me mais meia dúzia de vezes, ainda sem abrir os olhos. Sinto agora o cheiro do perfume acabado de pôr, e talvez consiga distinguir muito ao longe o cheiro do lápis dos olhos. Pelo som dos passos rápidos de vai-e-vem, não escolheu saltos desta vez. Agora fechou a porta. Foi tomar meio pequeno-almoço e lavar os dentes. Devo ter mais cinco minutos até que volte.

Ponho-me a pensar no que vou fazer hoje... estou de férias. Vaguearei sozinho por ruas que me são estranhas. Verei caras não familiares, algumas delas cruzarão olhares comigo, mas não a maioria. Estará muito frio? Pergunta idiota, estará com certeza. Sair da cama será como nascer outra vez. Respiro fundo e espreguiço-me. Os músculos todos tremem enquanto são esticados e torcidos em todas as direcções, quase no limite de provocar cãibras. Bocejo. Devo ter mais três minutos.

Antes do tempo que julgava razoável, a porta abre-se depressa. Passos rápidos. Agora veste o casaco e pendura a mala ao ombro. Agora uns segundos de silêncio. Volta a pôr a mala na cadeira.

O colchão abana um pouco, e logo sinto um peso leve e quente por cima de mim. Perfume mais intenso. Abro com dificuldade os olhos por entre as pestanas coladas e vejo-a fitar-me bem quieta como se pudesse matar um cabrão só com o olhar. Mais um sentido que desperta. E logo a seguir demora-se ligeiramente num beijo mentolado rápido. Agora sim, estou totalmente acordado. Xau, diz-me baixinho. Torna a fixar-me uns segundos, talvez para se certificar de que estou bem morto e não estarei ali quando regressar do trabalho da próxima vez. O colchão abana outra vez - nova lufada de perfume - a porta fecha-se devagar, e o trinco desliza quase sem ruído. Passos lentos. A porta da rua fecha e a onda de choque bate-me no peito.

Xau... respondo, com as cordas vocais ainda coladas, apenas com o ar que tenho na boca.

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