21 de janeiro de 2010

Blockhead

Fo-da-sse! 8 horas de bloco?

Tenho os pés que parecem cascos ...
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Afinal foram 9 horas. Os meus pés agora parecem hamburgueres. Mas deu para ir pensando e retirei algumas conclusões curiosas.
A primeira é que não estou com forma física suficiente para aguentar o tempo de bloco operatório. Os pés e os gémeos vão ter de ser mais trabalhados, e protegidos com meias de descanso.
Outra coisa de que me apercebi é que estou a ficar um bocado mais surdo. Mandam-me cortar esta linha ou afastar aquela estrutura e eu não ouço. Ou então é porque se calhar estão com máscaras e têm aquele hábito de falar para dentro e entre-dentes. Ou as duas coisas, não sei. Depois dizem-me: acorda, João!, como se eu fosse burro ou não estivesse com atenção, ou ambas as coisas.
A terceira coisa de que me dei conta é que não se apercebem de que sei bastante pouco (gosto desta junção de palavras), ou então apercebem-se e gostam daquele gostinho (outra bela junção) de detentores do conhecimento, como se as coisas fossem óbvias... e não explicam grandes porquês durante as cirurgias. Vou ter de começar a estudar mais e inundá-los de perguntas.
A quarta referência - mas não por ordem de importância - é para as minhas discípulas da pequena cirurgia (são do 5º ano), durante os bancos de urgência. Disseram-me que fui o melhor tutor do curso inteiro a explicar, e que quem lhes dera que fosse sempre assim nos outros estágios. Já sei o que vão pensar, mas aproveito já para dizer que todas elas têm namorado, portanto não vão por aí; e também não sou eu que lhes dou a nota, sublinho. E na verdade até me dá imenso jeito a ajuda delas. A questão é que - modéstia à parte - eu acredito nelas. Acredito porque a primeira vez que tive de suturar uma ferida (foi no meu 6º ano, precisamente no mesmo hospital onde agora estou), fugiram todos para o bloco operatório e deixaram-me sozinho a tratar de uma ferida gigante na cara de um espanhol que por lá apareceu por lhe terem partido um copo na cara. Ainda tive tempo de perguntar: dou anestesia, doutor? (como se eu soubesse dar uma anestesia local), ao que o tipo me respondeu: se fosse a tua cara, não gostarias que te dessem anestesia? Enfim... estive duas horas a coser o espanhol, sem nunca ter dado um ponto antes em carne humana (tinha cosido uns buracos numas tendas, em bolas de futebol, e talvez as aulas de têxteis em Trabalhos Manuais, no ciclo, me tenham dado jeito, mas...), sem nunca ter dado uma anestesia, sem nunca ter montado um campo de pequena cirurgia, sem nunca ter desinfectado uma ferida pré-sutura. Estive lá duas horas a coser o tipo, e ficou bastante aceitável.
Por isso sim, acredito nelas. Na verdade, dá-me imenso gozo ensinar o pouquinho que sei porque me sinto útil, e não vejo outra maneira de o fazer senão com reforços positivos. Acho que foi a coisa mais bonita que ouvi dizer desde que estou no ramo.
Isso faz-me pensar em alguns otários(as) que encontrei ao longo do curso e dos estágios que se intitulam de professores, de tutores, de orientadores, e por aí fora, que a única coisa que sabem fazer é gozar com a nossa cara, deixar-nos ao deus-dará, e depois ainda dizem que estão só a brincar connosco quando nos fazem passar por burros de maneira um pouco para além do roçar o agressivo. Deviam perceber que uma pessoa que está a aprender pelas primeiras vezes, tanto no geral, como particularmente numa cirurgia, com um gajo numa mesa de operações à frente, a dormir, a ouvir-se o peep peep peep da monitorização dos parâmetros vitais, se intimida com qualquer tipo de reforço negativo, e pode desmoralizar e deixar de gostar daquilo. É como com o primeiro beijo: alguém gostava de ouvir da primeira vez: acorda! que estás a fazer com a língua? que otário!
Não me interpretem mal: eu não me deixei desmotivar com essas pequenezes. Limito-me a olhar fixamente para a cara da pessoa e pensar: que atrasada mental estás tu a ser, enquanto pensas que és a mais esperta do mundo - e "borrifo-me" de alto. E às vezes até respondo à letra, só que às vezes é de forma tão subtil que nem percebem, e portanto acham que ainda sou mais burro. Sinceramente, gosto assim.
A quinta coisa que reparei é que no espaço de dois ou três meses, para aí meia dúzia de pessoas - todas raparigas, por acaso ou não - me disseram que sou um granda chato. Bem... como milhões de moscas não podem estar erradas, só vos posso dizer para baterem asas para outras partes!
Atentamente
O aprendiz de cirurgião.

3 comentários:

  1. Olá! Daqui fala uma das discípulas! Gostei da referência e aproveito para te dar a ti também um belo dum reforço positivo! Gostei. :)

    Até 2ª, em mais uma pequena cirurgia... Sara

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  2. Sabes Froufe, quando estiveres a operar lembrar-te-ás de mim. Teu colega, tutor, aprendiz e amigo Freitas. Belos momentos passamos. Lembra-te deles quando estiveres a operar e a importância que tiveram na tua escolha de aprendiz de cirurgião. Verás que valeu a pena.

    Se precisares de controlar umas glicemias, liga-me!
    O teu amigo,
    T Freitas "o internista".

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  3. Lol. Deixa la, pelo menos vão-te deixar ser bom a cortar fios e a segurar valvas... Afinal é igual em todo o lado. É o tal gostinho humano pela auto-glorificação pela humilhação dos outros. Mas lá está... na verdade não passam de atrasados mentais... e quando começares a estudar vais ter ainda mais certeza disso!

    Beijocas, e quando quiseres aprender umas coisas podes perguntar aqui à je... :P

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