15 de novembro de 2005

Entropia

Era uma vez…nada. Esqueçam. Não queria começar por “era uma vez”. Mas comecei. Contrariedades. Fossem todas elas como o levantar da cama, sempre quente, sempre com a companhia/companheira da vida e partir para o frio ambiente que rodeia este espaço de amor. Enfim, o calor que não se quer perder por nada deste mundo mas que temos de abandonar por instantes.
Porquê? Estamos tão bem, falsamente isolados das agressões exteriores, enfrentando o calor dos nossos corpos, um contra o outro, até a nossa entalpia quebrar à mesma velocidade que nos confrontamos com a entropia corporal que nos invade.

- Não, não vás! Fica! – diz ela com metade da almofada discretamente saliente nas suas mejillas.
- Tenho que ir…
- Pelo menos deixa que o teu calor se apodere do fino crepitar dos lençóis sobre a minha pele…
- Hoje chegarei cedo a casa.
- Hoje sais cedo dela…
- Deixo-te o meu calor para que dormites um pouco mais sobre o meu odor, sobre as sensações vividas e vivas que temos vivido e que viveremos!
- Vai e vem depressa. Sem demoras. Sem pressas. Calmo. Mas depois, vem e sê a luz que me aquece por dentro e por fora, como uma acha incandescente que a cada beijo, como se de um sopro se tratasse, emerge das cinzas!

Cedo vou e cedo venho. Tenho-te sempre nos meus braços e contigo enfrento todas as vicissitudes do dia a dia. Não digas que esperas por mim, sabendo que sempre me guardaste no teu canto cortical mais privilegiado que arranjaste! Não digas que esperas por mim, sabendo que podes encontrar o meu calor num pedaço de tecido que tenha estado perto de ti. Não digas que sentes saudades minhas quando sabes que as memórias nos despertam para a vida e não para a falta dela! Não digo que espero por ti porque sei que somos a entalpia e a entropia, o dia e a noite. Enganei-me. Somos a entropia e o dia, a entalpia e a noite: não depende do ciclo terrestre, nem do ciclo circadiano. Depende de nós. Afinal, esperamos por ambos porque sabemos que são precisos dois corpos para se estabelecer um equilíbrio. Mais uma vez enganei-me. Sabemos que são precisas duas pessoas para se estabelecer um equilíbrio.
Quentes, elevamo-nos até ao espaço celestial mais recôndito, passando por inúmeras nuvens feitas de um algodão finíssimo e consistente. Olho lá para fora e vejo dois corpos celestes e (bendita a ilusão de óptica que alegremente me desperta) uma nuvem em forma de C, invadida pelo reflexo lunar, deitada, abraça-os intensamente brilhantes, como se de uma face sorridente se tratasse. Mergulhamos num movimento rápido de olhos. Várias vezes. Acordo e olho para o lado. Entre os teus pontapés espontâneos, qual reflexo rotuliano, apercebo-me do brilho ténue que a tua face espelha lateralmente à luz matutina. O teu pescoço pulsa lateral e centralmente de forma díspar. O teu cabelo repousa levemente sobre a tua orelha, coberta e discreta. Perfeita. Não, não me refiro exclusivamente à orelha. Passo a face posterior do meu indicador de forma tangencial à tua cara e acordas levemente. Olhas para mim e pensas de forma telepática comigo. O frio lá fora é avassalador.

- Não, não vás. Fica…
- Não, não vou.
- Não? – diz ela desenhando um esboço sorridente pois as sinapses ainda demoravam.
- Não. Hoje o calor apodera-se do fino crepitar dos lençóis. Hoje, sem demoras, sem pressas e calmos, seremos a nossa chama. Sei que aqui estará sempre quente e eu não suporto o frio.


Para ti.

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