24 de dezembro de 2005

I might be wrong - parte IV - especial de Natal - Arroz de marisco

Este ano o espírito natalício chegou mais tarde do que é costume. Escrevo-vos na véspera de natal, faltam poucas horas para a meia noite, e a minha pequena casa já se encheu de família a fazer doces atrás de doces; está um cheiro a fritos que parece uma roulote de farturas dentro de uma fábrica de donuts. Estão todos a brincar uns com os outros, vai aqui uma barulheira danada, os cães correm a roubar nozes da cesta, tudo isto envolto numa fumarada propícia a um encontro de sebastianistas...
Chegou realmente mais tarde... não me sentia nada natalício, mas ao ver a minha casa desta maneira, uma pessoa transfigura-se. O frio está na rua, a família em casa e os doces na mesa. Algumas prendas debaixo da árvore... está tudo no seu devido lugar. Vamos sentir-nos mais quentinhos com a comida e com os copos, e até podemos ver algumas pessoas sorrir nesta altura do ano. É uma oportunidade para esquecermos as nossas diferenças, as nossas quezílias, e sermos um pouco mais tolerantes.
Não me interpretem mal, caros leitores. O Natal não deve ser tudo isto. O Natal pode ser isto. Se as pessoas quiserem, mas mais que isso, se sentirem e forem espontâneas.

Quem lê este blog já está habituado aos textos do Acre, e por isso não necessita de esclarecimentos adicionais: sabe com certeza que não estou aqui para fazer uma declaração de boas festas ao jeito joséssocrático. E portanto já estão avisados que mais frase menos frase vem aí chumbo grosso!

Mas... o meu coração amanteigado (diga-se, aterosclerosado com tanto frito e gordura) obriga-me a deixar votos de que passem umas boas festas, tal como eu vou passar de certeza. Nem todos têm a nossa sorte, por isso devemos dar graças ao que temos e ao nosso modo de vida.

*

Ser, estar, parecer, permanecer, ficar e continuar. São estes os verbos copulativos que aprendi na escola. Como copulativos que são (interessante como na altura fazemos piadas sobre sexo com tudo e mais alguma coisa, mas somos tão burrinhos que nem sabemos o que significa cópula), servem para ligar, ou seja, não podem (normalmente) ser utilizados sozinhos.

Para mim o Natal é um substantivo próprio copulativo. Serve para unir as pessoas que se sintam bem com isso; a quem apeteça dar carinho e atenção, mesmo àqueles que não nos tratam por vezes tão bem como gostaríamos. Não é uma obrigatoriedade de sermos cínicos com toda a gente. Se assim for, mais vale ir passar a noite a jogar no casino, ou a beber ginjinha num qualquer miradouro sobre o Tejo (já o fizeram? quando o fizerem, venham partilhar comigo a vossa experiência...). É por isso que não consigo compreender as pessoas que vão comprar prendas nesta altura sentindo-se obrigadas, mandam montes de sms para os telemóveis de toda a gente, e depois vêm com a conversa de que o natal é consumismo e hipocrisia. Se é isso tudo, então mandem-se ao rio, meus caros! Quem vos obriga? Não vejo ninguém em tronco nú, cabeça rapada à gilette, pulseiras e cara de egípcio, atrás de vós prontos a chicotear-vos caso não estacionem o carro no El Corte Inglés!

Não tenho graveto, não tenho paciência, não tenho tempo. Não vejo o natal como uma altura especialmente agradável para se darem prendas. Não as dou no Natal e ponto final. E quem me levar a mal, é porque não percebe a minha maneira de ser e de gostar das pessoas. É porque as respeito que não lhes dou prendas. É uma forma de lhes dizer: gosto de ti, não só no natal, por isso nem me sinto obrigado a dar-te o que quer que seja, porque gosto da tua companhia e é assim que te presenteio, como tu a mim. A não ser que seja algo que cai do céu e que é tão, mas tão apropriado que é impossível não oferecer. Como isso raramente acontece... e porque haveria de acontecer no natal? Laplace não se aplica nos casos de probabilidades extremamente raras!

Aqui há uns anos, quando perguntaram ao Herman José o que é que ele achava das críticas que lhe faziam sobre a alegada descida da qualidade dos seus programas e sketches... ele respondeu de uma forma que me pareceu brilhante na altura: "As pessoas quando comem arroz com marisco também têm
de comer o arroz, não comem só as gambas..."; esta frase ficou-me gravada na memória desde então. Se há coisas nas quais concordo que se aplique tal conceito, há outras em que cada vez mais me convenço de que não é assim. Aliás, julgo que não é preciso falar na carreira que o Herman tem feito desde a Herman Enciclopédia para o desacreditar.
Será que é sempre preciso um termo de comparação para a valorização das coisas, das situações e das pessoas? Será que é preciso morder uma vesícula biliar para podermos dizer de nossa justiça que um Chocaccino (do Cup&cino, que, de resto, subscrevo com veemência), é doce? Acho que não...

Tenho que o dizer: não suporto aquelas pessoas que me mandam mensagens de natal e boas entradas, e que eu sei que não me ligaram durante o ano que passou e nem me vão ligar no ano que aí vem. Fico a sentir-me esquisito, e optei por não responder, e nem mandar a ninguém. E é curioso que as pessoas que não me mandaram mensagem foram precisamente aquelas de quem mais gosto (com poucas excepções). Isto significa que as vi há pelo menos uma semana atrás, ou falei com elas frequentemente, e portanto não se justifica! Há uma excepção, e acho que essa pessoa sabe quem é, que tem desculpa. Preferia que, se só me contactam no natal, nem no natal me contactassem. Muitas delas ocupam lugar de destaque nas minhas memórias, gravadas a letras de ouro; gosto de me lembrar delas assim, não preciso que me enviem mensagens. E há aqueles números que já apaguei do tlm, e que já nem sei de quem são... e se assim é, é porque me irritei com elas porque nunca se mostram interessadas em cultivar a amizade que eu um dia tentei cultivar.
Eu tenho destas coisas, sinto-as muito vivamente. De nenhum fruto queiras só metade, já dizia o Saramago. Se me queres como amigo, não me deixes desamparado, fala comigo tal como eu falo contigo. Se estou sentido é porque te recusaste a beber café comigo por um motivo estúpido e falso; se estou irritado, é porque gosto da tua companhia e não te vejo interessado(a) tal como eu em manter o contacto. Tens que falar comigo mais vezes. Não me mandes "FW's" para o email, não me mandes sms da net onde se podem mandar 5 iguais para pessoas diferentes ao mesmo tempo! Não percas tempo... o teu e o meu. Não percebes que é só uma maneira indirecta de me desvalorizar? Quem me dera que algumas pessoas lessem isto e percebessem o que quero dizer. A minha vontade é que essas pessoas percebessem que as estou a mandar à merda precisamente porque gosto delas; é a minha maneira de deixar, de todo, de contactar com elas, de lhes dar oportunidade de ouvir: "ok, gosto do que eras para mim, gosto do que podias ter sido, mas esta forma distante de relacionamento não me agrada, por isso prefiro pensar que emigraste para a Nova Zelândia e nunca mais vou falar contigo porque não podes, e não porque não te apetece". Querem melhor manifestação de respeito pelos sentimentos humanos?

Temos tão pouco tempo para as pessoas de quem gostamos e com quem gostamos de estar! Tempo real, tempo mental, o que quiserem... porquê gastar tempo e dinheiro? O natal não é para as pessoas se sentirem mal ou culpadas. Tenho muita sorte, estou rodeado pelos que gosto mais e que gostam mais de mim. Não quero que me desejem um bom ano. Quero que o passem comigo.
Por isso, amigo Herman... fica lá tu com o arroz, que eu como as gambas. E tal como ele... parece que muita gente não se importará com o negócio.

Vejo-vos por aí...
Acre, vosso amigo verdadeiro.

4 comentários:

  1. Acho que muitas pessoas pensam nisto um pouco! Na hipocrisia do Natal, tirando aquelas que vivem mesmo no mundo da lua e que quase não se apercebem da vida que vão pisando. Eu este ano deve ter sido aquele em que mais pensei e comecei a aperceber-me exactamente da questão que falas de muita gente só dar sinais de existência no Natal e ser capaz de estar um ano sem dizer nada..realmente é triste. E eu este ano nem árvore fiz, poucas prendas dei e nem era para mandar msg. Já não sou a criança à espera da meia noite para abrir os presentes portanto considero o Natal como um bom momento para reunir a família e dar boas gargalhadas junto daqueles que gostamos. Prendas é mesmo uma razão para esvaziarmos os bolsos à pressa e muitas vezes nos sentirmos culpados de não poder dar ou não darmos aquilo que queriamos. É incrível como a pressão do consumismo faz-nos sentir mesmo obrigados a dar e transforma o espírito natalício em furstração. Sabe bem dar prendas mas deveriamos poder dar porque nos apetece e quando surge algo que o outro quer mesmo e não porque é ritual.
    Na questão ainda das msg lá começei a recebe-las das pessoas mais próximas até, apesar de serem daquelas que se faz ao lote. Estava decidida a, este ano, não mandar a ninguém mas lá senti que se não mandasse não me estaria a lembrar das pessoas. Então personalizei uma msg minha e mandei às pessoas com quem falo diariamente e que são mesmo importantes para mim. Não aquelas que falo uma vez por ano. Acho que essas vale a pena pois para mim foi uma maneira de dizer és especial ou gosto de ti apenas com o pretexto "Natal" e manifestações dessas são sempre benvindas. Tal como também gostei das msg que recebi personalizadas para mim e senti que tinham o mesmo objectivo. Para isso considero importante a disponibilização do "tempito" que leva a enviar uma msg. Nas prendas é que realmente, se calhar o tempo que a pessoa perde a escolhe-las, era mais bem aproveitado se fosse a dar um abraço ou a conversar um pouco com a pessoa em questão.
    Compreendo essa revolta de gostar das pessoas e querer a atenção delas, tendo vontade de disponibilizar a nossa atenção também mas elas nem sempre a darem.. Acho que às vezes não é desvalorização mas sim as pessoas cada vez terem menos tempo para o que realmente é importante. Enfim...

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  2. As sms de Natal são sinal dos tempos... Não tenho a mínima pachorra. Dei por mim a esgravatar em agendas poeirentas por nº de telm. esquecidos que apareceram (ao bom estilo pop-up) no meu visor...
    Há quem ache que ao menos isso, também há que goste de snifar cola...

    Comemos, bebemos, exumámos consciências pesadas... recarregamos baterias para voltar para o ano. Já temos o depósito dos "pecados" (não originais) vazio: há que o encher!

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  3. qfobbfgo... são estas as letras que surgem no canto inferior direito do monitor. Correspondem ao código necessário e que permitem ao programa reconhecer que este comentário está a ser postado por uma pessoa e não de forma automática e mecânica em tudo semelhante aos forwards e às sms de natal que eu tanto abomino. Só respondi a 3 sms porque vieram algo personalizadas e de pessoas muito queridas para mim. Ainda assim, não nego à partida a minha irritação quando as recebi. Foram cerca de 20! É caso para copy pastar as palavras do meu amigo STP: "POR AMOR DA DEUS!"

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