25 de janeiro de 2005

Abortos

Tinha pensado em escrever outra coisa. Um assunto até mais divertido, que me anda a corroer há uns tempos. A seu tempo virá.

Estava a passar os olhos pelo site da tsf e deparei-me com uma polémica gerada pelo debate na sic notícias, entre Francisco Louçã e Paulo Portas. O bloquista disse não ter o seu opositor direito de julgar o direito à vida, uma vez que não era pai (nem mãe...). Consigo perceber o fundamento que está a ser evocado mas acho que não é aplicável. Lá por não ser pai, posso ter uma opinião. Acho que se ele disse-se algo do género, nem eu nem você podemo-nos estar a alargar muito sobre o direito à vida, pois não vamos nunca ser confrontados com a decisão dum aborto, já aceitava mais. Embora a decisão seja da mulher, acho que deve ser partilhada e suportada pelos demais.

Uma outra coisa que se confunde, é a opinião que se pode ter sobre esta questão do aborto e a lei. Se eu sou contra o aborto? Acho que a maioria o é na medida em que nunca será um método primário. Acho que ninguém (quase ninguém!) pensa algo do género, deixa lá isso, depois abortas... Não sou contra uma escolha de gerar uma vida que não seja desejada, que não venha benefeciar de condições mínimas de sobrevivência. Muitos, especialmente na comunidade ligada à saúde, alegam que no momento da concepção já pode ser considerado um ser, e mostram-nos imagens comoventes de fetos onde já se destingue um ser humano. Temos de pensar num ser como um ser também social e não só biológico. A maioria dos abortos faz-se por necessidade e não por diversão! É a minha opinião como as há diferentes

Outros sete e quinhentos é a lei. Então quem praticar o aborto sujeita-se a ser preso? Há quem concorde com a lei? Neste aspecto sou frontal e irredutivelmente contra. Mulheres que enfrentam a díficil decisão de recorrer ao aborto, ainda têm de ser marginalizadas? Podem ainda ser presas? Isto é uma das mais gritantes segregações sociais dos nossos tempos. Se as posses económicas assim o permitirem, vais ali a Espanha, grande clínica, o “serviço” é feito e ainda pasamos na serra nevada, dizes lá ao pessoal que foram umas férias na neve. Se não, azar. Vais ali ao sapateiro, arriscas a vida, ah e claro, podes sempre ser presa ou passar pelo tribunal para contar a história! Muitos dos que defendem a actual lei, já calcurrearam estes meandros... é uma definição simples e crua de hipócrisia.

Tenho pena que a sic notícias tenha passado um lápis azul pelo debate, mostrando apenas a exaltação de Louçã e não a cara de aperto de Portas. Liberdades...

7 comentários:

  1. Concordo com a ideia geral do texto. Efectivamente ninguem vai abortar por preguiça de ter um filho ou algo do género, mas sim porque sabe que se tiver o dito cujo rebento, este terá uma vida bastante dificil, tal como terão os respectivos pais. A propósito ou não, ontem, em mais uma das noites que passo acordado, vi uma reportagem na sic noticias sobre os conservadores americanos dos estados unidos. Caso não saibam da mesma maneira que eu até ontem, nos EUA não se podem ter relações sexuais com pessoas inferiores a uma certa idade definida por cada estado. Foram intervistados jovens que ficaram com cadastro, e os seus nomes marcados para sempre, porque mantiveram relações sexuais com as suas namoradas, quando elas não tinham mais que 18 anos.. ou 16 anos.. ou o que quer que fosse. E agora surge uma pergunta pretinente: Quem é que os denunciou? Pois é, foram os próprios pais de um deles! Seguindo um raciocinio logico: Os pais de um filho estragam-lhe a vida porque teve relações sexuais antes da idade estabelecida por lei. Concerteza que isto em Portugal nao tem sentido nenhum.

    Existem mesmo pessoas nos EUA que se agregam em grupos que são ouvidos pelo senado para que se aprovem leis contra a "indecência" das televisões e resto dos media. Sim, na América se for mostrado um peito na TV, esta ùltima leva logo uma multa de caixão à cova.
    Por ùltimo gostava só de realçar que quem apoia estes conservadores cristãos é... imaginem.. o BUSH! Com isto todas as minhas dúvidas em relação aos EUA se dissiparam. Dois jovens podiam ter relações sexuais no Iraque do Saddam, mas não podem ter na América de Bush.

    É com estas coisas que de dia para dia dou mais valor à minha liberdade.

    Em relação ao aborto nos EUA nem é preciso falar pois não? :P

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  2. Antes de mais, queria louvar o comentário do Vaskituh. Achei-o dotado de grande clarividência, e trouxe à tona de água vários pormenores indirectamente ligados com o tema focado pelo post do Pedro. Como sabes, o povo americano foi formado inicialmente por uma minoria de colonos que aliavam várias características: a sede de enriquecer, o gosto pelo crime (visto que eram criminosos compelidos a ser pioneiros, ou então eram presos, ou pior, em inglaterra), e muitos deles eram doentes da cabeça e por isso é que queriam ir para lá. Desta forma, o efeito fundador não abona muito a favor dos EUA. Por outro lado, como sabemos também, boa parte da população é descendente de refugiados políticos e religiosos de países tão diversos como polónia, austria, rússia, alemanhã... pessoas que ficaram traumatizadas e que defendem os seus interesses económicos, religiosos e sociais com unhas e dentes de aço. No seio de uma população assim, é claro que o fundamentalismo, o autismo e as doenças psiquiátricas grassam como fogo num palheiro. Sejamos tolerantes com os EUA. Se vocês lá forem eles até são simpáticos para vocês, desde que concordem com eles. Digam que sim aos maluquinhos...

    Quanto ao teu post, Pedro, tenho um pequeno reparo a fazer. Embora os meus caros correligionários da área da saúde não me despertem (na esmagadora maioria dos casos) uma afinidade socio-intelectual por aí além, a verdade é que muitos deles defendem a despenalização do aborto. Especificamente na área da saúde, quando pensas no acto da concepção, ainda não existe um verdadeiro feto, por isso eles não to vão mostrar nessa altura, mas sim depois.

    Gostaria de partilhar convosco um pequeno pormenor que talvez vos interesse: o zigoto (produto da fecundação) sofrerá divisões sucessivas em várias células totipotenciais (capazes de gerar quaisquer tipo de tecidos) até atingir o estado de mórula; atentem bem nisto: se separarem as células que resultam das 4 primeiras divisões do zigoto (pelo menos das 4 primeiras...) umas das outras, e derem a cada uma delas todas as condições necessárias, cada uma delas dará origem a um novo embrião. Portanto, não me venham com esse argumento de que desde a fecundação existe um novo ser com alma e o caraças... uma alma que dá origem a 16 almas - fantástico, é o milagre da multiplicação clonal! Deus devia estar a dormir quando introduziu este bug no pensamento religioso metafísico, portanto o melhor é a Igreja estar caladinha neste assunto.

    É verdade que não gosto nada de abortos. Vivemos numa sociedade em que as pessoas remedeiam em vez de previnir, e utilizar o aborto como medida anti-concepcional é uma ideia que me inquieta. Mas a verdade é que a formação das pessoas e a educação que lhes é dada, em termos de planeamento familiar, bem como os meios anti-concepcionais, nem sempre estão ao alcance em momentos fulcrais: é o casalinho de namorados que decidiu ter relações sexuais às tantas da noite e não há preservativos - desafio-vos a ir à procura de postos de venda que funcionem, normalmente perto de farmácias.
    Naturalmente que podem dizer: "tivessem cabeça, ora! tivessem tino!" - ao que eu respondo que têm razão, mas a verdade é que não estamos a falar de alturas em que a razão predomine particularmente, e portanto é preciso arranjar alternativas para colmatar essas situações ... :) Toda a gente sabe que os azares e irresponsabilidade acontecem mesmo que todas as condições estivessem reunidas para evitar o pior; ainda mais acontecem se não houver estimulação (interessante escolha de palavra, estimulação...) EFECTIVA do uso de anti-concepcionais. É que ninguém gosta de preservativos, quanto mais...

    Quanto ao resto, Pedro, na questão dos abortos em particular, como em tudo o resto no geral, a hipocrisia pulula ... há quem se adapte a ela, há quem não se adapte, e há quem se sirva dela. Há gente rica em Portugal à pala do negócio da interrupção voluntária da gravidez.

    Um abraço :)

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  3. Posso estar redondamente enganado, mas não me parece que algum casal, mais especificamente, alguma mulher, se arrisque a passar por uma situação como a interrupção voluntária da gravidez por pura preguiça ou desleixo.
    Hoje em dia as pessoas estão suficientemente informadas sobre os cuidados a ter antes de ter relações sexuais, e nao acredito que aconteçam estas coisas sem ser por algo ter corrido mal.
    Acho que toda esta situação dos referendos fez com que cada um saiba o que tem de fazer, e não há mais razão para se pensar que não seja um acidente, daí defender a despenalização em causa.
    É tudo uma questão de bom senso.

    (PS: Isto do bom senso tem piada.. um gajo fala em bom senso e toda a gente fica a concordar, mas afinal de contas o bom senso é um bocado estupido na condição de que cada um tem o seu. )

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  4. Vaskituh: não é só a mulher que se arrisca, são os casais. E isso acontece, pá, com gente informada ou não :) É demasiado fisiológico para não acontecer.
    Naturalmente que a pessoa na altura não pensa que vai correr mal e que depois sai dali para abortar...! Pensa mais do tipo "ai, não... não... olha... já tá". E isso da camisinha romper, acontece, é verdade. Mas não na maior parte dos casos em que as pessoas dizem que acontece. Toda a gente diz: "a camisinha rompeu", e muitas delas dizem-no para não ter de tar a dizer "olha, arrisquei fazer sem, lixei-me!" ...

    Calorosos cumprimentos :)

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  5. Caros amigos,
    Estou certo que este tema desperta a vossa atenção como o fez a mim.
    Quanto ao teu reparo, stp, tens razão. Interpretaste mal as minhas palavras (ou eu não me expliquei bem), pois disseste o que eu queria transmitir por outras palavras. O que eu quis dizer foi que, que defende a lei e o não recurso ao aborto, tenta mandar umas chapadas de areia com essa do temos ser desde o momento da concepção. As pessoas da área da saúde, mais esclarecidas logo mais responsáveis, muitas vezes defendem essas chapadas e depois mostram-nos embriões com idades em que seria absurdo um aborto. Eu não sou um expert nem de longe mas, sei que o embrião está formado, grande parte por volta dos 5/6 meses e depois é quase só crescer, dai a sobrevivência dos prematuros ser possível. Este assunto de quando deve ser considerada a formação, a existência dum novo ser é discutivel e polémica mas, como o stp já disse e muito bem, até à mórula temos células totipotentes. De certo que por parte dos defensores da interrupção voluntária da gravidez também serão cometidos alguns excessos de linguagem. Sabemos que os poços de virtudes há muito secaram. Contentemo-nos com a água da torneira ;)

    Abraço

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  6. Bem, a título de curiosidade: alguém viu o destak de um dos dias desta semana que passou? Na página principal dizia: "80% dos jovens não usa preservativo". No corpo da notícia dizia que 40% dos universitários não usa preservativo. Será que são mesmo só 40%?
    Virgem santíssima!

    Um bem haja!

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  7. Pois a questão é mesmo não acreditar que alguma vez o aborto possa ser idealizado como método primário: para os 'irresponsáveis' e para os acidentes detectados há a pílula do dia seguinte, de venda livre. Sim, porque os preservativos rebentam.. infelizmente com mais frequencia do que gostaríamos. Haverá certificação nesta área?
    Nem vou falar no embrião, tão pouco na lei, acho que representaste bem a minha opinião. Sou católica.. a posição conservadora em relação a esta matéria é a que pega nas filhas para as levar a Espanha ou a que anuncia cartazes à vida depois de já ter feito dois abortos bem sucedidos, a título de exemplo. Então e as que foram trucidadas no tal sapateiro e já não podem mais engravidar? E as que não tiveram sequer dinheiro para isso e hoje estão ali na barraca com 4 filhos que andam descalços pela rua até à noite porque quem devia cuidar deles tem de ir à procura de trabalho para lhes dar de comer? Isto ainda é o hoje, aqui ao lado..
    Não consigo imaginar-me, sequer, a fazer um aborto. Com certeza que a mulher que o deseja fazer não tomou essa decisão de ânimo leve. Portanto, na minha modesta opinião, o mínimo que o Estado pode fazer é não só não penalizar, como por amor de Deus, ao menos, preservar a saúde do corpo dessa mulher, já que pelo seu bem estar psicológico depois disso, não fará mais nada.
    bjs
    Pat

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