21 de fevereiro de 2006

I might be wrong VI - "Integer out of range"

Nos belos tempos do spectrum, nos quais eu só sabia dizer hello, bye, pencil, window... apareciam estas frases no
monitor de vez em quando: "Integer out of range" ... bolas, o que queria aquilo dizer? Depois lá me ia bater outra vez no target renegade ou no chuckie egg e não me preocupava mais com isso.

Entretanto entrei na faculdade de ciências, e comecei a ter que estudar análise matemática e programação por livros em inglês. Nesse contexto lá percebi o que queria dizer o range e o integer. Integer referia-se a número inteiro, eventualmente pertencente ao conjunto dos números naturais (inteiros, maiores do que zero, ou seja, o 1, ou 2, por exemplo). Range é um intervalo, neste caso o intervalo de números que o computador conseguia atingir, ou então o
intervalo programado em determinada instrução. E o número inteiro estaria fora desse tal intervalo estipulado ... de maneira que o computador se queixava, e lá vinha tudo abaixo.

Sempre gostei muito desta frase, porque oferece lugar a trocadilhos, comparações, imagens. Integer faz lembrar íntegro, de uno, mas também de correcto, honesto, capaz de viver de acordo com os seus valores e as suas crenças. Out of range... se o range for o conjunto dos valores possíveis, ou dos valores existentes, é sinal que a nossa pessoa íntegra está fora do conjunto, ou seja, é uma inadaptada social. Por ser demasiado grande, demasiado valiosa para esse conjunto que é o universo de valores permitidos. Out of range também faz lembrar out of reach, ou seja, inatingível. Será o nosso íntegro um ser inatingível? Ou, por outro lado, será antes inatingível tal nível de integridade?


*

Estou farto de ver padrões nas relações entre as pessoas. Não é difícil descobri-los. As situações repetem-se incontáveis vezes e é muito acessível às pessoas atentas prever os desfechos. Excepto quando somos nós os envolvidos nas situações. Aí a coisa complica. O racionalismo vai ao ar e já não somos capazes de prever o que nos vai acontecer. Será que ela estava a olhar para mim? Será que aquele meu colega que me convida para o poker às quintas-feiras vai tentar apanhar a promoção em vez de mim? Porque é que a senhora da mercearia coça sempre o nariz quando me vê?

Ainda bem que as coisas são assim, senão já teria perdido ainda mais o interesse em conhecer pessoas novas do que perdi. Se fosse logo tudo trigo limpo nem entrávamos no jogo!
Porém, apesar dos apesares, despite todos os encantos da sedução, although os limites e imposições sociais terem o seu peso, impõem-se, a meu ver, algumas regras de conduta. Para preservar a honestidade, a integridade, o respeito! É cada vez mais raro encontrar numa relação entre duas pessoas a noção de verdade e igualdade. Cada um tem uma trincheira profunda onde esconde as suas munições, os seus víveres, os seus interesses em relação ao outro.
Cada vez mais acho digna de admiração uma pessoa que, sem ser vulgar, com subtileza, com classe, consegue levar a cabo uma relação com outra mostrando-lhe o que pensa dela, o que sente por ela, e o que espera dela; mesmo com uma colherinha de sedução, outra de enleio amoroso, outra de meias palavras, que é capaz de conduzir o outro a entender o seu ponto de vista, a sua torre de observação, e, porque não dizê-lo, os seus desejos!
Olha para mim, diz com os olhos que gostas de mim! Mostra com as mãos que me detestas como teu colega! Se vou ao teu lado no autocarro e te estou a irritar com o meu tamborilar de dedos no encosto do banco da frente, porque é que não me dizes? Se não queres ir jantar comigo porque tens outro em vista, porque é que me dizes que tens coisas para fazer e que "hoje não dá"?

Bah!

Vejo claramente tanta gente a brincar com os seus interlocutores, a induzi-los em erro, a chamá-los com o dedo e depois puxarem-lhes o tapete por debaixo dos pés! O que hoje é verdade amanhã pode ser mentira... e o que nunca foi verdade pode ser repetido tantas vezes que até engolimos como um mandamento (pedra e tudo) ou um axioma euclidiano.
Voltando aos padrões... mesmo com olhos bem abertos, no meio de uma multidão não conseguimos ter uma noção de globalidade. Somos o nosso próprio referencial, que ainda por cima tem movimento (o que é bom, porque se formos um alvo fica mais complicado de sermos atingidos), e portanto não somos capazes de aplicar toda a sabedoria adquirida pela observação desses padrões às nossas próprias situações.Por muito que saibamos, por muito experientes que sejamos, quando é connosco a porca torce o rabo.

Por exemplo: vemos ao nosso lado no café uma miúda gira a namorar com um gajo de casaco castanho, mala de pele a tiracolo com fivela de latão, e o Mundo de Sofia, de capa já meio gasta, debaixo do braço; passados uns temos vemo-la a namorar com um gajo que parece saído dos morangos com açúcar, e não nos admiramos nada! A gaja fartou-se da conversa pseudo-cultural do bacano e quis divertir-se com as futilidades do beto! Ou seja, dizemos mal dos dois gajos, e também dela, claro. E por dentro sentimo-nos bem por sermos tão perspicazes.
Mas se isso acontecer connosco e estivermos no lugar do pseudo, já não conseguimos perceber porque é que isso aconteceu! Nós, tão cultos e tão interessantes, dotados de tamanha densidade psicológica, trocados por um nuno afonso, um bernardo, um francisco (desculpa lá chico, mas é verdade, tens nome de beto) alimentado a nitrofuranos? Deus ma pardoe!

*

Os padrões e a integridade estão enraizados e alimentam-se da lógica e da coerência. As explicações que avançamos para as relações entre as (outras) pessoas estão sempre apoiadas na lógica e nesses padrões. E a lógica é como uma lâmina afiada, não dá hipótese. É cortante, eficaz, imbatível, e está lá sempre, visível, para quem a quiser usar. A verdade é que quando somos nós os envolvidos, esquecemo-nos dela.
Porque é que eu ando há tanto tempo a tentar falar com aquela pessoa por causa de uma coisa que me prometeu emprestar, e ela parece que está sempre indisponível? Deve ser destas redes de telemóveis, uma pessoa paga um dinheirão e depois não funciona como deve ser! Porque é que eu me ando há 500 anos a fazer a uma pessoa e ela até gosta da minha companhia e vem sempre ter comigo e passear, e querido pa cá e lindo pa lá mas depois nunca se descose? Ai, de certeza que essa pessoa está confusa e precisa de tempo para pensar, ou então é tímida! O que é que aqueles pardalitos estão a fazer um em cima do outro a piar imenso e a esvoaçar e bué penas para tudo quanto é sítio? Ai, de certeza que estão à bulha por causa de um grão de milho!
Meus amigos, não se esqueçam da nossa menos amiga lógica. Tudo tem uma explicação, mesmo que seja aquela que não queremos que seja a correcta. Mesmo que não tenhamos todas as peças do puzzle, não devemos desistir da ideia que, pelo menos no campo das relações entre as pessoas, tudo tem nexo. É daí que surgem os padrões que vemos nos outros, inexoravelmente.

Cada vez que me sinto comido por parvo numa ratoeira fácil de prever, até mordo a bochecha por dentro! Sinto-me burro por não ter visto antes, por não ter percebido que aquela luz no fundo do túnel era capaz de ser um comboio! Na altura não estávamos atentos, ou não estávamos preparados para usar da lógica. O que me irrita não é o não estar apto na altura, mas sim a facilidade com que desisto da trave mestra que é a ideia de... lógica. Não é por acaso! Não é coincidência! Pára lá de culpar Deus! As coisas têm uma razão de ser, só porque não a vemos não podemos ir logo a correr ver o tarot ou uma treta qualquer dessas!
Mas quando percebo a lógica (depois de o comboio me ter passado por cima), até fico aliviado. Aliviado por saber que mais uma vez se confirma: tudo tem uma explicação.

Para a próxima não vou desistir tão cedo de a procurar!

8 comentários:

  1. "O que é que aqueles pardalitos estão a fazer um em cima do outro a piar imenso e a esvoaçar e bué penas para tudo quanto é sítio? Ai, de certeza que estão à bulha por causa de um grão de milho!" - É a essência da vida! Uns querem ver, outros não!

    A lógica parece existir mas infelizmente nem sempre acompanha a razão nas nossas escolhas!

    ResponderEliminar
  2. Mais uma vez nos brindaste com esse teu jeito tão próprio de escrever... tão humural e ao mesmo tempo, tão cheio de conteúdo.

    Pessoalmente acho que tudo o que nos acontece na vida tem uma razão de ser, ainda que hoje não a consigamos ver nem entender, ainda que achemos desnecessário vivenciar esta ou aquela experiência, ali mais á frente, vamos compreender o porquê dessa situação, desse acontecimento.

    Também, se assim não fosse, se não existissem contrariedades, a vida não tinha a menor graça, não vos parece?

    Bjs
    Cris

    ResponderEliminar
  3. Diz a Cris: "Também, se assim não fosse, se não existissem contrariedades, a vida não tinha a menor graça, não vos parece?"

    Sem querer ferir susceptibilidades de espécie alguma, por que razão dizem as pessoas tal coisa? Será que alguém já viveu uma vida inteira sem a menor contrariedade para poder dizer que "ah, a minha vida foi muito aborrecida, quem me dera ter tido uma dúzia de contrariedades para apimentar os meus dias".

    Contrariedades? Tomara eu nunca as ter. "Também...se não existissem contrariedades, a vida teria muito mais graça, não vos parece?"

    É uma ideia...apenas isso.
    Ju

    ResponderEliminar
  4. ...eu tentei ir ao registo civil para mudar o meu nome só para "Chico", mas não deixaram..... :)
    Sobre o texto.. isso com umas cervejas passa!

    ResponderEliminar
  5. LOl!Concordo co Chico, "Isso com umas cervejas passa" :p
    Falando a sério, my friend, o que te posso dizer, é que espero que realmente penses e vejas as coisas desta forma (com mais virgula, menos virgula) e que isto não seja só mais umas das tuas histórias com exemplos ilariantes que não utilizas na vida real :)
    Um beijo, Di

    ResponderEliminar
  6. A obsessão da procura de uma explicação... bem sei o q é isso... Nunca ng está feliz se n tiver todas as explicações para tudo aquilo q n compreende. Mas há q ter cuidado com estas explicações... primeiro pq muitas xs são ilusórias, se por exemplo eu atiro uma coisa ao ar e n a consigo apanhar, dps de estar no chão diria, pois se não tivesse atirado ao ar... Mas o q é certo é q poderia ter atirado ao ar e ter apanhado e dps do leite derramado é fácil dizer pkek achamos q se derramou mas trata-se mtas vezes de uma opinião baseada na nossa forma de pensar q n é necessariamente verdade universal. Muito menos verdade será, na minha opinião em relação aos padrões, pq cada um de nós para justificar uma situação de terceiros vai agarrar-se a factores q acha q são os mais relevantes e pode estar redondamente enganado pq n conhece todas as peças do puzzle. Devemos procurar mais explicações q nos façam compreendermo-nos melhor a nós próprios mas para nós, do q para os outros... N há padrões e n há lógica antes das coisas acontecerem, muitas vezes a lógica vem dps pa nos sentirmos melhor... E em relação às contrariedades, eu n vivia nada aborrecida se só tivesse daquelas bem pequeninas... mas é uma opinião.
    E no que diz respeito às relações, há uma coisa q para mim é impte... podemos enganar o outro com explicações com as quais até nos estamos a enganar a nós próprios... mas nunca devemos enganar ng em relação a sentimentos. Para mim os sentimentos são mais imptes q as explicações pq normalmente são mais verdadeiros... Mas pronto, espero q as explicações n sirvam só para dizer "encontrei" mas sim para resolver realmente o q vai nessa mente... E q ng viva obcecado com coisas q n entende, q as respostas muitas xs encontram-se quando menos se procuram.

    bj

    me!

    ResponderEliminar
  7. caída de paraquedas...


    será que queremos mesmo ouvir a verdade?

    eu sei o que sofro por dizê-las. o truque está em ser q.b. e invejo quem consegue sê-lo. mas dos outros para mim, sem dúvida, a verdade, sff! curta e sem adoçante.

    ResponderEliminar
  8. Fico muito satisfeito por ver que continuam a procurar o blog, e, particularmente neste post, por se fazerem "ouvir".

    Essa frase do bago de milho é épica. Já muitas vezes foi ouvida e repetida em alguns círculos de amigos, não é, Pedro? É uma grande, grande recordação... que sempre se aplicou e para sempre se aplicará no estranho mundo das relações humanas. Tudo depende da perspectiva e dos olhos de quem está a ver os pardalitos.

    Curiosamente, hoje fui passear a minha cadela e vi três gralhas a esvoaçar umas em cima das outras Cráááá Cráááá numa árvore plantada há pouco tempo. E eram 3... digamos que são sinais dos tempos, já não se fazem relações a 2 como dantes...

    O meu jeito é mesmo humoral, ou seja não só faz rir (quando faz...) como está pejadinho de anticorpos. São muitos anos a ser atacado por infecções, mas estas não são bacterianas ou virais. São super-antigénios... :)

    Acho que tem piada ter contrariedades... nunca como agora tenho essa certeza, já que só me contento com aquilo que não posso ter (sim, oxigénio, água, banhinho quente, caminha, chocolate, tudo isso é importante e tenho-o graças a deus) - só ainda não percebi se é coincidência o facto de só não ter aquilo que quero, ou o facto de só o querer precisamente porque é tão difícil ou impossível!

    Sim, chico, com umas cervejas tudo passa. Até passamos a querer e a achar piada a tudo o que nos aparece à frente. É como um descer do pedestal, ou um encolher dos buracos da nossa rede de pesca ;)
    Também é bom, e tu sabes que eu sei disso :)

    Di: passo a utilizar as coisas que aprendo e que aqui escrevo, depois de as aprender! Não antes...

    B.A.B.E.: não é preciso dizer as coisas com amargura. As palavras têm o dom de ser maleáveis. Podes mandar alguém à merda com um sorriso, mas não sabe ao mesmo, não é?
    Nem sempre o ser-se verdadeiro passa por usar palavras. Às vezes é essencial... mas por outro lado há conversas que se tornam supérfluas se já mostraste o que pensas e o que sentes pelos actos e pelas escolhas que fazes. Pequenas coisas, detalhes aparentemente insignificantes nos teus gestos... podem fazer transparecer a tua opinião e a tua expectativa para os que te rodeiam.
    Deviamos todos pensar um pouco nisto. Sempre fui apologista da ideia de que não devemos estar sempre a pensar no que é que o outro vai pensar de nós (isso é um enorme estrangulamento da liberdade) mas no campo das relações humanas e dos sentimentos, impõe-se algum cuidado...

    Por outro lado, é o não saber o que há do lado de lá que faz com que nos aproximemos para conhecer.
    Nunca disse que estas coisas não eram dadas a paradoxos!

    "N há padrões e n há lógica antes das coisas acontecerem, muitas vezes a lógica vem dps pa nos sentirmos melhor..."; "E q ng viva obcecado com coisas q n entende, q as respostas muitas xs encontram-se quando menos se procuram".

    Ora aqui estão duas ideias muito boas e com as quais concordo quase totalmente. A procura de uma explicação pode levar-nos à obcessão, e confesso que eu sou mesmo assim. Só que eu acho que os padrões existem mesmo... e se tivermos a impressão de que estamos a cair num, podemos sempre tentar agir de outra forma mais vantajosa.
    Ninguém gosta de se espetar duas vezes na mesma curva. Como alguém que eu conheço disse "Inteligente não é aquele que aprende com os próprios erros, mas sim aquele que aprende com os erros dos outros".

    Beijos e abraços a todos os presentes.

    ResponderEliminar