8 de janeiro de 2006

I might be wrong - parte V - Presidenciais e outras que tais...

"Fico contente porque o PSD me apoia, mas se notarem bem estão aqui imensas pessoas de muitos outros partidos que me apoiam. Em suma, a gente simples está comigo" - disse Cavaco Silva, pouco antes de pedir uma poncha madeirense "muito fraquinha, por favor", e de dizer à sua esposa "está fraquinha mas é melhor não provares, mariazinha". Fico sem saber se esta é uma demonstração de preocupação para com a saúde da sua companheira, ou se é mais uma das inúmeras manifestações de machismo, provincianismo e fraqueza de espírito. Mulher que és, álcool não beberás, terá dito a tal gente simples do tempo em que se despejavam os alguidares de água suja pela janela fora, e em que os ratos transmitiam a peste por entre as imundícies e excrementos medievais.

Bom, pelos vistos a poncha estava boa, a avaliar pelos mnhá-mnhás e lamber de beiços escancarados com que o antigo primeiro ministro nos brindou.

Já Mário Soares, nosso antigo presidente, mostrou ser perfeitamente possível manter com 80 anos a ginástica mental, memória, e bagagem de expressões estilísticas fundamentais para um tão grande empreendimento como é uma campanha presidencial, ao corrigir rapidamente quem o confrontou na rua com uma alegada afirmação de Ribeiro e Castro: "Não foi o líder do PP que disse isso, foi o presidente do CDS. É feio... não é bonito...". E terá aproveitado para enviar mais picardias à comunicação social, que nitidamente está do lado do principal candidato da direita.

Tinha proposto a mim mesmo não ligar às presidenciais, nem tão pouco ao resto do panorama político português. Já percebi que das mentes mais letradas e bem-falantes (não esfreguem já as mãos de contentes! não estou a referir-me aos candidatos) saem as piores ideologias. Não sei se por preguiça mental, se por enquistação de valores vigentes nos respectivos meios sócio-económico-culturais. Posso evitar o debate com pessoas que considero nem estar à minha altura do ponto de vista da instrução, do intelecto, ou até da experiência adquirida; mas também já vi que as pessoas gostam muito mais de caras, candidatos, cores, porta-estandartes... do que propriamente falar em ideias, factos, políticas práticas. O que me deixa mesmo muito pouca gente com quem falar sobre política de forma o menos tendenciosa possível.

"Ai, dizes mal do cavaco, é porque não és bom chefe de família! Não vês que o pai dele o obrigou a trabalhar numa horta até ele querer tirar o seu curso? Ele cresceu a pulso! É um excelente, excelente economista!" - dirá o merceeiro da esquina, autoridade reconhecida no campo das políticas macroeconómicas e geoestratégicas, que sabe fazer (com lucro à casa) contas de somar à mão e à registadora. "Mas deixa lá isso rapaz, viste o golo do Simão? Não se muda de partido, não se muda de clube, não se muda de marca de cerveja, hein?". Palmadinha nas costas, gaiato!

"O Soares? Ele trata por tu todos os presidentes da UE e arredores! Ele priva com todos os poderosos do mundo e tratá prestígio e diálogo a portugal! Ele é que fez a revolução! Não votar nele é querer que a direita se instale de novo no país! Vamos ser fascistas de novo! Se tivesses vivido antes do 25 de Abril percebias! Puto de merda..." - dirá um qualquer pseudointelectual bairro-altista, enquanto brinda com shots de absinto pela falecida Ilse Losa, trazendo na outra mão o inevitável Mundo de Sofia.

Nesta selva só podemos contar connosco próprios. Eu conto com o que me lembro de ambos, com o que está provado e é de domínio público, com o que entra pelos olhos dentro.

Do cavaco, lembro-me bem da atitude pouco dialogante que o governo dele teve. Lembro-me bem de como foi usado o dinheiro dos subsídios comunitários, e como se vê não foi na saúde, justiça, ensino...As pessoas não se lembram do buzinão da ponte, mas eu lembro-me muito bem. Tal como também me lembro da porrada que os manifestantes levaram n vezes quando o Dias Loureiro era ministro da administração interna, chefe da polícia, whatever. Rapou o bigode, mas não me engana. E a pandilha é toda a mesma da altura. Também me lembro dos Belezas, e da merda que fizeram em todo o sítio por onde passaram, e cá continuam a comer à conta.Também me lembro que, nos mesmos 10 anos, um país como a República da Irlanda, com menos subsídios, subiu as suas taxas de alfabetismo para uma das mais altas da europa; o seu ensino superior, o seu nível de vida, subiu e ombreia com outras potências da UE. Nós ganhámos autoestradas, parabéns. Posso ir ao algarve, a trás-os-montes, tudo isso em menos de 3,4,5 horas. Mas claro que isso é se tiver dinheiro para a gasolina, e se não me espetar a meio do caminho, porque com estes amigos automobilistas com que me cruzo, muito cívicos, muito evoluídos, muito educados, a probabilidade é um assunto delicado. Já para não falar do caso das reservas de ouro, confiadas a um yuppie qualquer de quem alguém dizia bem, para as jogar na bolsa. Irrita-me que toda a gente diga que o gajo é óptimo economista quando só fez merda com o dinheiro que havia na altura!
Uma coisa eu vi bem, ninguém me disse: quando o PSD voltou ao poder, os pedintes e os sem-abrigo aumentaram muito no centro da capital. Fui só eu que notei? Muito mais a cravarem uma moedinha não sei para o quê. Muito mais gente a dormir na rua à noite. E o cavaco é do tipo "deixem trabalhar quem quer trabalhar, se trabalhares terás o reconhecimento devido". Uma merda! Foi no tempo dele que apareceram os Isaltinos, Macários Correias e afins... verdadeiras nódoas no nosso pano à beira-mar plantado!

Quanto ao Soares... os seus mandatos foram sempre marcados pela sua truculência e arrogância (essa ele ainda mantém - dizem que os vícios de feitio ficam refinados com a velhice). Lembro-me bem dele a andar em cima de uma tartaruga daquelas das Galápagos. Também me lembro da bela famíliazinha dele: a sua esposa, Barrosã, como presidente da Cruz vermelha (muito misericordiosa, não haja dúvida), e do seu filho que se despenhou com um avião carregado de marfim (carregado demais, talvez tenha mandado fora os pára-quedas e metade da gasolina das asas para caberem mais uns dentinhos de elefante) no meio de áfrica, quando o tinham avisado que os ventos estavam muito fortes para descolar...
Sei também que se dava muito bem com a Unita, tem uma bela colecção de G3 das nossas antigas, e adora diamantes. Deve ter adorado quando descobriram o Savimbi, gordo que nem um macho, no meio da savana angolana, cheio de moscas. Nem os leões lhe pegaram.
Tendo em conta que o nosso amigo bochechas só fez merda nos anos em que foi 1º ministro com a imprensa e com os meios de comunicação social - fecho de jornais, tentativa de fazer de alguns deles meios de propaganda do PS, não aumentar durante 5 anos consecutivos os empregados das empresas nacionalizadas, entre as quais os jornais - do que estava à espera? Gambas? De apoio na campanha? Ainda bem que há algumas pessoas que têm alguma memória no meio disto tudo. Também os comunistas não irão engolir o sapo desta vez, votando nele para o Cavaco não ganhar. Sozinho e abandonado por toda a gente, velho, cansado, com falhas de memória, raciocínio lento, irascível, arrogante como nunca, devia era encostar às boxes.

Não é preciso ser-se culto nem estar muito atento para tirar o perfil da nossa classe política. Acordem, pelo amor de deus! Gente simples? O que é gente simples? Será que queremos um economista como presidente? É a mesma coisa que comprar um regador para secar o cabelo!E um avôzinho vaidoso, baboso e arrogante? Que teve um ranço do caraças antes do 25 de Abril, esteve preso com mordomias, e estava em frança durante a revolução (frança acho eu, não me lembro bem, mas cá é que não era!) e apareceu aí para cavalgar o movimento!

Uma nota final para os outdoors escolhidos por ambos os candidatos: que fotos tão feias, tão mal escolhidas. Que frases tão lugar-comum!... Presidente de todos os portugueses? Sempre presente nos momentos difíceis? Isto pode ter uma relação de causa-efeito! Será que não era Soares o culpado dos momentos difíceis? E a cena do Cavaco aparecer com a esfera armilar por detrás da cabeça... (bem, a PT pode usar o hino nos reclames da tv - qualquer dia fazem papel higiénico verde, bolinha amarela, vermelho, tracinhos... verder, bolinha amarela, vermelho, tracinhos...).

Esta foi a última vez que falei de política em 2006, e, indirectamente, me lamentei pelo facto de os políticos contarem com os votos da gente simples. Gente sem memória. Gente que tem uma hortinha e só teme que lhe vão lá roubar as couves-lombardas. Ou gente que mal tem dinheiro para pôr a sopa na mesa, mas que deseja ardentemente um BMW à porta de casa "como aqueles das revistas, tão bonitos!" e faz das tripas coração para comprar um telemóvel topo de gama para os filhos. E depois eles são assaltados, gamam-lhes o telemóvel, e a culpa é dos pretos que não trabalham e só gamam, deviam ir lá para a terra deles.

Não tenham dúvidas, caros leitores. É esta gente simples que vai eleger o Cavaco para presidente.

Boa sorte.

P(ost) S(criptum) - Não falei dos outros todos. É que tenho vida própria e nunca mais sairia daqui.

3 comentários:

  1. Há algum tempo que não te debruçavas na politica. O momento realmente é propício. À altura que escreveste o post decerto que ainda o Cavaco não tinha andado pela madeira com o Jardim ao lado, qual cão com açaime, a espumar de raiva. Realmente, quem conta com o aoio desse tipo devia suscitar dúvidas. A arrogância é bem vincada em qualquer um dos visados do post. Cavaco, e falando do aspecto que parece contar mais que as próprias ideias, tem aquele ar seco... aquele ar de gajo lixado, mas todos nós sabemos que é permeável à cartelização. Não restam grandes dúvidas que ele irá ganhar, mas vai ser por falta de comparência... é que é preciso ter muito estômago(mesmo tipo ruminante!) para conseguir votar Soares! O Soares não é fixe! Estariamos aqui infinitamente a discutir abusos por parte do Soares mas acho que isso é por demais evidente.

    A escolha não é fácil!

    Uma ressalva para a definição "alto-bairrista", que surgiu numa de muitas conversas, porventura no bairro alto entre uma e outra. Se repararem bem é uma definição absolutamente válida e abrangente!

    ResponderEliminar
  2. Realmente admito que não me lembrei dessa pérola. Apesar de tudo, e olhando à minha volta, acho que não é a tal "geração rasca" que irá dar a volta ao cavaco. Acho que quem vai votar nele é o pessoal mais velho, o pessoal de meia-idade, e também muitos jovens que eram na altura novos demais para se lembrarem daqueles 10 anos, mesmo dos últimos, que foram os mais gritantes.

    Já posso votar há 8 anos, e lembro-me muito bem do último mandato do cavaco. Há quem agora só tenha 19, 20, 21, e nem se lembre do buzinão da ponte. Como não existem referências e nem tão pouco uma tentativa de olhar para a história recente, muitos destes jovens serão apanhados na rede do "economista excelente", não tanto numa perspectiva absoluta, mais mais relativamente às opções que existem neste momento.

    ResponderEliminar
  3. Sim, os nossos sebastianistas... muito fernando pessoa na cabeça de muitos dos portugueses. Não quero ser interpretado. Adoro o meu país, mas é um país de pessoas que adoram dar tiros nos pés. Curiosamente, no tempo de antena do Gerónimo, apareceram muitas imagens do buzinão, e das cargas policiais no terreiro do paço e na praça da figueira. Mas estas imagens são agora tabu, não aparecem muitas vezes.

    E já na altura, quem comeu nos cornos não votava cavaco. E não votará de novo. As pessoas vêem e calam. Se eu não levo nos cornos, se não me falta a comidinha, se me estou a borrifar para os outros, porque não votar nele?

    Se este fosse um país de trabalhadores sérios; se fosse um povo feito de operários fabris, de gente sindicalizada, de pessoas bem formadas do ponto de vista cívico e que valorizam o seu próprio trabalho duro como fonte do seu sustento e da sua realização pessoal (isto também nos levaria muito longe)... as coisas eram diferentes.
    Noutros países podemos ter o grau académico que tivermos, mas somos sempre tratados por Sr., ou Mr. ...

    Aqui, nem a 4ª classe temos, mas alguém que nos atenda o telefone trata-nos logo por doutor... para não correr o risco de nos faltar ao "respeito". O dr, o professor cavaco silva... fora economia, eu duvido que o gajo me ensine matemática. Duvido que tenha lido mais do que eu, que seja mais culto que eu em história mundial. Será que vai ao cinema? Será que alguma vez foi ao teatro? As companhias artísticas portuguesas dizem que não!
    E música? E as pessoas da rua? Nada. Uma nulidade. Parece... leofilizado.
    Agora aparece-me neste momento na TV a tocar bombo. Com a gente simples, claro está... até se baba.

    O gajo diz que só vai fazer uma viagem por ano, para ser poupadinho. Claro que política externa não será com ele. Não era o Salazar que ficava bem caladinho em portugal e deixava que o resto do mundo continuasse a evoluir?

    Que pobres diabos que nós somos...

    ResponderEliminar