2 de setembro de 2005

Posso fazer uma pergunta?


Há vezes em que é preciso abrir a janela e deixar entrar o fresco da noite para não morrer sufocado. Há vezes... em que é preciso esfregar as costas da mão numa lâmpada incandescente até que o sangue ferva... para acordar da música feita de acordes menores, tristes, cantados em voz baixa, com agudos doridos e sofridos... e reintroduzirmo-nos à ideia de que o mundo não gira à nossa volta.

Passamos toda a vida a saltar entre o planeta EU e o planeta NÓS. Mal nos distraímos, somos sugados para o buraco negro do nosso ego. Depois eventualmente acordamos e reactivamos a indispensável consciência da nossa dimensão relativa. E outra e outra vez, como quando uma criança brinca com um interruptor da luz.
A nossa pequenez pode ser sufocante... frustrante... mas também pode ser reconfortante. Tudo depende do lado em que estamos da barricada: se junto daqueles que têm medo de ser felizes - esses, encolhidos, vivem na trincheira e eventualmente morrem mais velhos, tuberculosos, com água pelo joelho - ou junto dos outros, que se amarram aos foguetes para ver mais de perto o fogo de artifício, e aceitam sempre o mau como preço a pagar pelo bom; a adrenalina do risco como parte da recompensa. Esses muitas vezes não regressam para contar como se faz...
Encurralados entre os dois extremos, estão aqueles cuja vida se transformou numa tentativa desesperada de misturar água e azeite, e fazer sumo de azeite. Aqueles que alternam a euforia de viver dos corajosos com a tristeza de um bebé que chora porque quer sempre mais atenção; variam da sangria desatada de cantar e pular... para o medo de espreitar por cima do muro!
Esconde-te... sobrevive... acorda, levanta-te, vibra, estala, anseia! Explode! ... Foge! Corre! Atira-te ao chão, rebola, desvia-te... rasteja... submete-te, esbate-te. Uma vida com distribuição apenas aparentemente normal...

Portugal é um país de bipolares, com tendência maior para a depressão. De certeza que já alguma pessoa importante o disse. Vivemos de auges e períodos áureos... muito, muito espaçados no tempo.
Como orgasmos de uma frígida.
Como as miríades ondas da nossa interminável costa, que vêm e vão...

6 comentários:

  1. orgasmos de uma frígida? Deuj ma pârdoe...

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  2. Epá, apareci aki por acaso e dei-me de caras com um belo texto..Talvez belo pk inda há bastante pouco tempo passou pla minha cabeça pensamento semelhante, mas não seria capaz de passá-lo para o papel (ou para o blog) desta forma kuase perfeita =)
    Adorei
    (mais uma prova da minha incontinencia verbal pa prosperidade)

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  3. Este post saiu-me numa altura de crise eminente. Felizmente que o pessimismo e a vontade de tapar a cabeça com o cobertor se foi tão depressa como veio.
    Ainda bem que gostaste, Esponjinha :)
    Cá te esperaremos mais vezes... não te "contenhas" :)

    Sim, Rui. Recurso estilístico... convém que te libertes do aspecto formal e tentes não levar à letra. Se mete palavras aparentemente de conteúdo sexual, pronto, lá vem ele! ;)

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  4. Bom texto. Parece que a visão do mundo se torna mais ofensiva quando estamos mais deprimidos. Por vezes, o estado de depressão é uma constante e um profundo poço do qual também não queremos escapatória; incansavelmente acolhedor, apático...por haver companhia? Provavelmente só quando perceberem que o mundo além disso é visto com outro olhos, é que ganharão vontade de se libertarem...até lá, amigo, o poço terá sempre a mesma profundidade e o mesmo nada lá dentro. Espreitaste para o poço e viste o que não querias. Tira a cabeça de lá e olha em volta...

    Abraço!

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  5. Tens razão, Cyber. Isto é um pouco como a alegoria da caverna. Só quando temos possibilidade de ver a luz cá fora é que acreditamos que o mundo é muito mais do que a escuridão. Mas temos de ter cuidado. Vivemos num mundo cheio de gente que vive nessa escuridão e que não acredita na luz... e essa gente é bem capaz de te crucificar se disseres muitas vezes que a vida é bela.

    Já vi a caverna, já vi a luz... mas às vezes dou por mim armado em espeleólogo! Felizmente que já conheço bem as grutas de Mira d'Aires, e sei de lá sair. Parece que gosto de lá ir de vez em quando, mas vou desenrolando um fiozinho para saber de onde venho, tipo labirinto de Creta! E o minotauro sou eu...!

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  6. Tb faz parte da mitologia, mas parece que se, num labirinto, nunca tirares uma das mãos de uma parede e fores andando ao longo da mesma, eventualmente chegarás ao fim do mesmo.

    Por isso guarda o fiozinho para atar o chouriço no fumeiro.

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