30 de outubro de 2010

Sobre os contos peregrinos

     Já tive oportunidade de partilhar com alguns amigos, e também aqui no blog, a minha admiração por Gabriel García Márquez. Um dos livros que escreveu, e que li pela primeira vez há alguns anos, é um conjunto de contos - Doze Contos Peregrinos - que, definindo de forma completamente redutora, retratam episódios da vida de pessoas latino-americanas residentes em cidades europeias.
     Há mais de ano e meio, comprei um exemplar para oferecer. Mas há relativamente pouco tempo, tentei fazê-lo novamente e não consegui. O livro não se encontra aos pontapés por aí, por isso é possível que tenha de se encomendar.
     O Gabito começa com um prólogo em que explica de forma fascinante como é que os contos surgiram, foram abandonados, perdidos, reescritos, seleccionados, e, finalmente, publicados; apresenta também algumas reflexões interessantes sobre o processo criativo subjacente à escrita. Não pensem que são muitas páginas, é só meia dúzia delas. E essa é apenas uma introdução de ouro para os contos que se seguem no livro. Deixo aqui um bocadinho do prólogo, para quem quiser ir à procura ...

     « (...) Foi uma rara experiência criativa que merece ser explicada, nem que seja para as crianças que querem ser escritores quando forem grandes saberem desde agora como é insaciável e abrasivo o vício de escrever. A primeira ideia ocorreu-me no começo da década de setenta, a propósito de um sonho esclarecedor que tive depois de estar há cinco anos morando em Barcelona. Sonhei que assistia ao meu próprio enterro, a pé, caminhando entre um grupo de amigos vestidos de luto solene, mas num clima de festa. Todos parecíamos felizes por estarmos juntos. E eu mais que ninguém, por aquela grata oportunidade que a morte me dava de estar com meus amigos da América Latina, os mais antigos, os mais queridos, os que eu não via fazia tempo. Ao final da cerimónia, quando começaram a ir embora, tentei acompanhá–los, mas um deles fez-me ver com uma severidade terminante que, para mim, a festa havia acabado. "Tu és o único que não pode ir embora", disse-me. Só então compreendi que morrer é não estar nunca mais com os amigos. Não sei porquê, interpretei aquele sonho exemplar como uma tomada de consciência da minha identidade, e pensei que era um bom ponto de partida para escrever sobre as coisas estranhas que acontecem aos latino–americanos na Europa. (...) seis dos dezoito temas foram parar ao cesto de papéis, e entre eles o do meu funeral, pois nunca consegui que fosse uma farra como a do sonho.».

In Doze Contos Peregrinos, Gabriel García Márquez

6 comentários:

  1. Gabriel García Márquez é genial. Disso restam poucas dúvidas, qualquer que seja o livro dele que peguemos pela primeira vez. À medida que lemos e que o conhecemos, percebemos o seu gosto pelo quotidiano, pela simplicidade, pela descrição das coisas elementares, pelo seu país e pela sua gente.
    Este pedaço de prólogo mostra isso mesmo: Sonha com algo impossível, dá-lhe um significado terreno, toma consciência de algo maior e mais importante, transforma essa consciência em palavras.

    A foto que escolheste para a nova versão do blog abraça a ideia do prólogo: no final de tudo somos apenas nós e a realidade crua que nos rodeia, despidos das coisas supérfluas e materiais, olhando para cima em busca de um significado maior para a vida.

    Até ao próximo post :)

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  2. Quando vi aquela luminosidade e aquele monte de fardos de palha, soube logo que era fundamental tirar ali fotografias. E tu estavas lá comigo. Lembra-te daquela calma e daquele silêncio. Parecia outro planeta. Era essa calma que eu gostava de transmitir para o blog, apesar de saber que não é possível fazê-lo. Se eu me picar com um alfinete num dedo, e a seguir for picar outra pessoa no seu dedo, vamos sentir coisas diferentes e descrevê-las de forma ainda mais diferente.
    Não faz mal ...
    Posso apenas dizer que este blog ... sou eu. Até pelas palavras dos meus amigos e de quem lê.

    Até ao próximo post :)

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  3. Olá. Encontrei as suas palavras por acaso. Como na vida não devemos apenas apontar os erros mas também congratular os sucessos, deixe-me dar-lhe os parabéns pelo seu blog.

    Atenciosamente,

    Sara

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  4. Sara
    Agradeço os seus parabéns, e vejo-os como incitação para continuar o blog.
    Lamentavelmente as actualizações têm sido muito pouco frequentes, por isso nem sequer me sinto muito bem a convidá-la entusiasticamente para regressar.
    Mas se tudo correr bem haverá coisas novas em breve.

    Cumprimentos
    João

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  5. Encontrei o seu blog por mero acaso, enquanto procurava algumas informações sobre o valdispert! Devorei-o de uma ponta a outra e fiquei mais viciada neste valdispert q no outro xD
    Confesso que esperava uma nova entrada, e então, decidi comentar para o incentivar a escrever maiiiiis =) Parabéns pelo blog!

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  6. Si quieres te lo compro en españolito :)

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