24 de outubro de 2007

Oferece-me um Presente!


Cada dia se apresenta à meia noite escondido num belo papel de embrulho, cheio de bonequinhos, promessas e potencialidades.

Quando eu era mais novinho sentia-me mal a rasgar o papel das prendas; acho que era porque pensava que se o fizesse estaria a mostrar à pessoa que me ofereceu a prenda que não ligava muito ao gesto; ou então era mesmo porque tinha pena do papel. Os outros miúdos rasgavam as prendas, eu retirava-as dos embrulhos.

Cada dia demora em média 18 horas a desembrulhar e viver. O período de sono REM aproveito-o para sonhar, que é como quem diz, imaginar o que o dia a seguir - que é uma dádiva - me trará. É como um agitar do presente ainda encarcerado, encostado à cabeça, para tentar ouvir o que está lá dentro. Imagino o que as pessoas me dirão, ou então reescrevo os diálogos e as cenas do enredo do dia seguinte para que me sejam mais agradáveis. Mais favoráveis. Memoráveis. É meter dentro do embrulho, com a imaginação, aquilo que queria que o futuro me oferecesse, sem rasgar o papel. Às vezes sonho com presentes que ainda estão muito no futuro, mas que ainda não chegou o dia deles. Às vezes isso não é bom, porque quando chegam raramente podem competir com o sonho.
E também às vezes sonho com presentes que já lá vão há muito. Gostava de poder dizer que é muito melhor quando isso acontece. Apetece dizer que é como vasculhar no caixote do lixo, onde está o papel todo rasgado, à procura do presente que perdi para sempre para o passado.

O sono não REM, esse, passo-o a recuperar do dia que passou. Do presente que abri e que, regra geral, não me satisfez completamente. Muito, pouco, ou nada? Nunca tudo. Também era complicado agradar-me, confesso. Por um lado, desculpa que te diga, Futuro, mas que belas prendas me têm saído! Já vi melhores dias! E por outro é difícil apreciá-los com todo este papel rasgado a prender-me os pés - estes bocadinhos de desilusão que escondiam uma ilusão qualquer. Mesmo assim agradeço-te que continues a tentar.
O Futuro que me desculpe se eu rasgo o papel de embrulho. É que cresci um bocado entretanto.

O presente do amanhã eclodirá como um ovo de tartaruga, e depois caminhará instintivamente até se extinguir num segundo abraço dos ponteiros do relógio. Mas nunca na mesma praia, e nem a horas certas: às vezes é às 7, outras às 9, outras à hora do almoço, seja lá o que isso for. Daqui se percebe que às vezes demoro muito a abrir o papel de embrulho - não que o tempo do desembrulho seja proporcional ao tamanho do embrulho - e depois restam-me poucas horas para sonhar com o próximo, que não se vai fazer esperar.

Todo eu estou coberto de bocados de fita-cola, e os meus passos têm o som de cascas de ovos partidas.

1 comentário:

  1. Gostei, como é costume. :)

    Eu também vou desembrulhando presentes e perguntando-me em quem é que o "Futuro" estava a pensar quando me embrulhou tal presente.
    Também rasgo o papel. A sede de presentes, de bons presentes, nunca se fez sentir tão fortemente, nem nas manhãs de 25 de Dezembro de quando somava menos de 10 anos.
    Bjs,
    Cláudia

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