Lembro-me muitas vezes do tempo em que andava no infantário e na primária, em que havia aquelas actividades em que se cortava papel de lustro e se faziam colagens de várias formas e cores; havia aquelas formas que tínhamos para picotar, de vez em quando davam-nos umas folhas de papel cavalinho para desenho livre, e algumas vezes tínhamos uns livros com uns desenhos para colorir, tendo ao lado os desenhos já pintados, e em que era suposto pintarmos das mesmas cores.
Lembro-me bem que não ligava muito às cores dos modelos, e pintava os desenhos como achava mais bonito; alguns dos meus colegas faziam o mesmo, e a minha professora não nos ralhava; pelo contrário, julgava positivo que as crianças desenvolvessem a capacidade de inventar coisas novas, desde que, claro, na hora dos ditados, não nos puséssemos a ser criativos com a ortografia.
Depois, ia para casa jogar spectrum... essa maravilha da tecnologia que tanto ensinou a tantos. E os jogos eram realmente viciantes e complicados, e... criativos! As pessoas preocupavam-se em conceber jogos em que a jogabilidade, a dificuldade, o vício... superavam em muito a apresentação gráfica. Hoje em dia os jogos são todos iguais com os mesmos gráficos. Tanto se preocuparam em copiar a realidade ou em tornar o irreal em quase real que se desviaram do mais importante: as pessoas não se importam se o jogo é inverosímil... querem é que seja divertido e as ponha nervosas a... tentar. "Mas ó puto, os jogos são vendidos à mesma e eles ganham uma data de pasta!"; está bem... fica com a tua que eu fico com a minha.
Entretanto crescemos. Desde muito cedo muitos de nós se habituaram a admirar pessoas famosas, poços de incontáveis virtudes e com estilos marcantes, e a abandoná-las quando surgisse o próximo ídolo, alguém que brilhasse mais intensamente, num ritmo cada vez mais voraz, tão rápido quanto o nosso crescimento de dia para dia.
Todas essas referências foram importantes para o processo de construção de uma personalidade, e para a moldagem da nossa formação enquanto pessoas semelhantes entre si mas conscientes e orgulhosas das diferenças que nos tornam tão próprios. Será?
Observo à minha volta: quase todos nós temos medo de expôr as nossas diferenças perante todos os outros; de mostrar o que de mais criativo temos. Preferimos esconder-nos em cardumes cada vez maiores que nadam freneticamente pelos enormes oceanos citadinos. Cada um de nós está protegido dos perigos de ser apontado como anormal, mas esta protecção é uma rede que também nos impede de sobressairmos pela invenção ou pela reinvenção do que quer que seja... até que estes cardumes se tornam nos enormes tubarões que patrulham em busca dos talentosos indefesos que ousam nadar em diferentes direcções.
Há também muitos de nós que são escravos da procura incessante de ser diferentes a todos os níveis. Mas também estas pessoas se agregam inevitavelmente em cardumes - ser-se anti-sistema é pertencer a um sistema, perdoem o lugar comum. Todos juntos, estes peixes encontram-se sempre no topo da curva de Gauss, no meio do cardume.
Fui beber um café ao S.Jorge, o cinema na Avenida da Liberdade. Quando lá cheguei, estava praticamente vazio, porque as sessões ainda estavam a meio; enquanto bebia o meu café, pude reparar que decorria naquele local um festival de cinema francês. Então pensei que alguns filmes deviam ser interessantes, para desenjoar das longas metragens hollywoodescas, e que talvez aquela iniciativa não tivesse muito êxito, por causa da massificação que se assiste na indústria cinematográfica. Puro engano.
Quando desço as escadas, encontro-me no meio da multidão que entretanto tinha abandonado as salas de cinema e descido para o hall de entrada do cinema. Olhando para todas aquelas pessoas, vi que não havia uma que se destacasse pela sua simplicidade. Nas raparigas, os vestidos cor de canela, os cabelos tingidos de ruivo, as malas feitas de trapos, as sandálias tipo Woodstock. Nos rapazes, os óculos de massa, as bóinas à pintor, as barbas desenhadas à francês, os ténis cor de abóbora.
Toda a população pseudo-intelectual se encontrava ali representada. Para tentar não ser descredibilizado por aparentemente criticar as pessoas apenas pelo seu aspecto, convido o leitor a seguir a minha visão. Ali estava um cardume - constituído por pessoas que supostamente admiram a criatividade, a diferença, a variedade no pensamento artístico, mas que, não obstante, pareciam fotocópias uns dos outros; muito para além da simples característica em comum de gostarem de cinema francês, todos eles eram anti-hollywood (à excepção do David Lynch e do Tim Burton). Ponho as minhas mãos no centro do Etna. Ponho-me a pensar que "O Principezinho" é o seu livro de eleição, gostam de gatos em vez de cães porque aqueles são muito indepentendes, são histéricos (quase bi-bolares), vão às aulas com malas de couro desbotado e fivela daquelas de encaixar...
Lembro-me bem que não ligava muito às cores dos modelos, e pintava os desenhos como achava mais bonito; alguns dos meus colegas faziam o mesmo, e a minha professora não nos ralhava; pelo contrário, julgava positivo que as crianças desenvolvessem a capacidade de inventar coisas novas, desde que, claro, na hora dos ditados, não nos puséssemos a ser criativos com a ortografia.
Depois, ia para casa jogar spectrum... essa maravilha da tecnologia que tanto ensinou a tantos. E os jogos eram realmente viciantes e complicados, e... criativos! As pessoas preocupavam-se em conceber jogos em que a jogabilidade, a dificuldade, o vício... superavam em muito a apresentação gráfica. Hoje em dia os jogos são todos iguais com os mesmos gráficos. Tanto se preocuparam em copiar a realidade ou em tornar o irreal em quase real que se desviaram do mais importante: as pessoas não se importam se o jogo é inverosímil... querem é que seja divertido e as ponha nervosas a... tentar. "Mas ó puto, os jogos são vendidos à mesma e eles ganham uma data de pasta!"; está bem... fica com a tua que eu fico com a minha.
Entretanto crescemos. Desde muito cedo muitos de nós se habituaram a admirar pessoas famosas, poços de incontáveis virtudes e com estilos marcantes, e a abandoná-las quando surgisse o próximo ídolo, alguém que brilhasse mais intensamente, num ritmo cada vez mais voraz, tão rápido quanto o nosso crescimento de dia para dia.
Todas essas referências foram importantes para o processo de construção de uma personalidade, e para a moldagem da nossa formação enquanto pessoas semelhantes entre si mas conscientes e orgulhosas das diferenças que nos tornam tão próprios. Será?
Observo à minha volta: quase todos nós temos medo de expôr as nossas diferenças perante todos os outros; de mostrar o que de mais criativo temos. Preferimos esconder-nos em cardumes cada vez maiores que nadam freneticamente pelos enormes oceanos citadinos. Cada um de nós está protegido dos perigos de ser apontado como anormal, mas esta protecção é uma rede que também nos impede de sobressairmos pela invenção ou pela reinvenção do que quer que seja... até que estes cardumes se tornam nos enormes tubarões que patrulham em busca dos talentosos indefesos que ousam nadar em diferentes direcções.
Há também muitos de nós que são escravos da procura incessante de ser diferentes a todos os níveis. Mas também estas pessoas se agregam inevitavelmente em cardumes - ser-se anti-sistema é pertencer a um sistema, perdoem o lugar comum. Todos juntos, estes peixes encontram-se sempre no topo da curva de Gauss, no meio do cardume.
Fui beber um café ao S.Jorge, o cinema na Avenida da Liberdade. Quando lá cheguei, estava praticamente vazio, porque as sessões ainda estavam a meio; enquanto bebia o meu café, pude reparar que decorria naquele local um festival de cinema francês. Então pensei que alguns filmes deviam ser interessantes, para desenjoar das longas metragens hollywoodescas, e que talvez aquela iniciativa não tivesse muito êxito, por causa da massificação que se assiste na indústria cinematográfica. Puro engano.
Quando desço as escadas, encontro-me no meio da multidão que entretanto tinha abandonado as salas de cinema e descido para o hall de entrada do cinema. Olhando para todas aquelas pessoas, vi que não havia uma que se destacasse pela sua simplicidade. Nas raparigas, os vestidos cor de canela, os cabelos tingidos de ruivo, as malas feitas de trapos, as sandálias tipo Woodstock. Nos rapazes, os óculos de massa, as bóinas à pintor, as barbas desenhadas à francês, os ténis cor de abóbora.
Toda a população pseudo-intelectual se encontrava ali representada. Para tentar não ser descredibilizado por aparentemente criticar as pessoas apenas pelo seu aspecto, convido o leitor a seguir a minha visão. Ali estava um cardume - constituído por pessoas que supostamente admiram a criatividade, a diferença, a variedade no pensamento artístico, mas que, não obstante, pareciam fotocópias uns dos outros; muito para além da simples característica em comum de gostarem de cinema francês, todos eles eram anti-hollywood (à excepção do David Lynch e do Tim Burton). Ponho as minhas mãos no centro do Etna. Ponho-me a pensar que "O Principezinho" é o seu livro de eleição, gostam de gatos em vez de cães porque aqueles são muito indepentendes, são histéricos (quase bi-bolares), vão às aulas com malas de couro desbotado e fivela daquelas de encaixar...
Já estávamos ansiosos. Estes cardumes que tanto nos inspiram! Tenho a certeza que qualquer dia o cinema de Hollywood vai ser considerado alternativo! A ilustração está "quality", muito boa mesmo, parabéns Mordillo! A juntar aos ténnis cor de abóbora temos também as malas verde Lima! Só espero que não tenhamos de esperar assim tanto pelo próximo post! Ah, e vê lá se para a próxima falas de "coisas boas"!
ResponderEliminarEis um cardume pequeno ao qual me orgulho de pertencer: a malta do VALDISPERT!!! :D
ResponderEliminarO teu post está acutilante. Adorei a descrição da multidão que anda a ver o ciclo de filmes do S. Jorge, onde eu próprio já fui há uns tempos ver «A Residência Espanhola» do francês Fréderic Klapisch (excelente nome), onde pululavam espécimens iguaizinhos aos que descreveste. Também podem ser encontrados em certos sítios do Bairro Alto e na Feira da Ladra, ouvindo Thievery Corporation com uma bela Sprite nas unhas.
E isso leva-me a outra questão. Mais alguém, para além dos putos da primária, usa a porra do papel de lustro para alguma coisa? Isto parece-me uma invenção do lobby dos industriais do papel de lustro, esses mafiosos, para venderem um produto altamente inútil na sua generalidade.
E já que falaste no David Lynch, aproveito para dizer que há pouco tempo vi «Eraserhead» (1977), e só me apetecia no final do filme chegar-me ao pé dele, pegar-lhe pelos colarinhos e dizer-lhe «DEVOLVE-ME OS 85 MINUTOS DA MINHA VIDA QUE EU DESPERDICEI A VER ESTA MERDA Ó FILHA DA PUTA!!!», entre outros mimos. Horrível é a palavra certa para um filme que não faz o mínimo sentido. E que ao contrário dos outros filmes dele, não tem gajas nuas.
Bem, acho que já foram golpes de rins suficientes para um comentário só. Continua o bom trabalho
Rui
P.S. Já agora... «I Might Be Wrong» é um dos meus temas favoritos de Radiohead. :D
todas as pessoas se encontram em grupos, vivemos em sociedade. Quanto aos fimes de hollywood, o problema não é serem de hollywood, há bons filmes de hollywood. Quanto ao david lynch... Os filmes não são moralistas, nem te impegem nenhuma ideia, apenas te dá retalhos da história e tu constroís à tua maneira, tiras as tuas proprias ideias e conclusões, nada melhor para abandonar o cardume por breves momentos, pois no cardume cada um passa a ter a sua versão, e pode dar asas à sua liberdade imaginativa. Querem melhor?
ResponderEliminarOra aí está mais um tema devastador! Acre a atingir o cerne dos pseudo-intelectuais (vai ficar sempre alguém picado...).
ResponderEliminarEstes acham que a sua projecção perante a vida é que é a correcta e, mais, sentem-se no dever de a impôr e exorcizam aquele que tiver a menor tentação de olhar para o "outro lado". São críticos sem olharem primeiro para eles próprios (embora esta situação não seja exclusiva dos "pseudo-françois + pseudo-intelectuais" - ser-se admirador de filmes franceses não quer dizer que se seja intelectual e/ou culto... quer dizer que se gosta de perder tempo de outra forma). Quanto aos trajes, meu amigo, cada um é livre de se vestir como quiser (desde que tome banho).
Preparas uma parte III, Acre? Brinda-nos mais uma vez com a tua perspicácia acutilante e devastadora!
Um abraço!
Hum... não me consegui explicar... Repara, vives numa sociedade, e acabas por te juntar em GRUPOS com aqueles com que te identificas mais... Pode não ser o grupo dominante, mas todas as pessoas estão inseridas num cardume...
ResponderEliminarJuiz, não necessariamente. Mas deixa estar. Como diria o Acre: "está bem... fica com a tua que eu fico com a minha.".
ResponderEliminarDe facto concordo plenamente com o Acre neste último comment.. é que nem mais nem menos.. sinto-me exactamente assim.
ResponderEliminarMais uma vez me regozijo com a adesão dos comentadores. A polémica subjacente a esta temática é dada a provocar divisões e inquietude entre todos os que lêem um texto assim. Talvez seja uma tentativa de assustar a caça, ou melhor, a pescaria ;)
ResponderEliminarIncito-vos, caros contribuintes do blog, para fornecerem também imagens se acharem que isso enriquece os vossos posts. Eu trato do redimensionamento e da correcta colocação, se necessário.
Abraços :)
curioso... vocês pensam todos da mesma maneira... têm um blog juntos, identificam-se uns com os outros... juntos não constituem um cardume??? "ouve o que te digo, não faças o que eu digo" pensem nesta frase, pois parece-me ser a questão na conversa dos grupos.
ResponderEliminarP.S - Podem dizer "à mas nós não andamos vestidos de igual e tal" e eu digo "pois, não poderá ser essa uma das marcas do grupo?" (mas se repararem bem andam mais do que o que pensam)
Mas com isto esquecime de te responder... O teu grupo de amigos é o grupo onde te inseres... é o teu cardume, e diz muito sobre a tua identificação... podem nem todos gostar do mesmo, dentro do mesmo cardume, mas todos se identificam com os restantes em alguns pontos... pensa gallins, nos teus amigos, depois pensa em música e em desporto, e verás onde quero chegar.E se calhar nem te vestes de maneira muito diferente de alguns dos teus amigos...Vivemos todos em cardumes dentro de um cardume-pai, e será assim tão mau? resulta com a maioria dos animais....
ResponderEliminarIgual aos outros, mas único entre iguais.
ResponderEliminarQueria escrever aqui algo... motivador, para te dizer que fazes bem em pôr "cabeças" a pensar com estes teus "polémicos" posts. A minha opinião sobre cardumes e peixeiradas.... o meu cardume tem de quase tudo, mas só um de cada espécie e alguns... bem raros!
ResponderEliminarok... eu cohabito num cardume com vocês, mas parece que eu sou o único com consciência disso...quanto a ser do contra, eu sou o JUÍZ, o advogado do diabo, esse é o meu papel!
ResponderEliminarEntão mas é o Juíz ou o advogado do Diabo? Acho que devia ser-te consedido o direito de por um post neste blog. Tens sempre tantas coisas para comentar, tantas ideias aprisionadas, que dariam um bom post. Pelo menos uma oportunidade seria de bom tom! Mas talvez como réu, os dedos te tremas, e o suor te arda nos olhos e decidas então ir tirar as natas ao leite!
ResponderEliminartoma lá que já almoçaste
ResponderEliminarsou o juíz no sentido figurado e o advogado do diabo no sentido "literal" (não sou o advogado do demo himself, até pq nem tenho o curso de advocacia, mas sou sim no sentido literal da expressão). Quanto ao post, axo que não iriam querer os meus pensamentos aqui, porque perderiam os leitores que têm e teriam que pôr uma bolinha vermelha no canto superior direito do blog, mas, e se me permitem um pouco de publicidade, podem tirar as dúvidas e curiosidades em NÂO indo a www.istaele.blogspot.com. Obrigado pelo almoço à pala.
ResponderEliminarDe facto não poderia deixar de comentar este post. Vivemos no mundo do copy paste. O que se passa com o vestuário e com o cinema, por exemplo, passa-se também com a música. Há uns dias fui a um concerto bipolar. De um lado o clã do fraque, capacetes com laca e companhia; de outro a fusão violeta e óculos de massa sustentada por uns All-Star vermelhos. A música, uma daquelas ditas "clássicas" contemporêneas, foi perfeitamente intragável. Por muito pseudo-intelectual que eu pretendesse ser, era impossível gostar daquele conjunto de sons desconjunturado, passo a redundância.
ResponderEliminarO que é certo é que nem por isso as pessoas deixaram de tecer elogios. "Que maravilha... muito interessante... diferente... esplêndida" ou então "Muito fixe... adorei... epá a sério foi mesmo muito porreiro... curti bué a cena do cromatism... parecia mesmo o metro a entrar pó túnel". E isto tudo apenas porque aquela precisa música é de facto deiferente e dizer que se gosta é marcar uma diferença. O problema é que na realidade as pessoas diferenciam-se pelo que não gostam e não pelo que gostam, caindo num gostar falso e grotesco. Citando um amigo... "estou a ver aqui um padrão"; citando-me a mim própria: um padrão sem criatividade nem imaginação, forma de irreverência falhada sem génio nem invenção.
Posso? caguem nisso acho que já chega...
ResponderEliminarAí está ele! O juíz, de volta, agora de lápis azul em punho! ... Só chega quando mais ninguém tiver alguma coisa que lhe apeteça dizer, está bem? Podes sempre não ler.
ResponderEliminareu tava a falar por mim, não disse para não escreverem mais nada, eu não sou do psd para limitar o direito de expressão... sou sempre mal compreendido...
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
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