4 de setembro de 2004

Raio X III

Foi solicitada a continuação da publicação da saga Raio X celebrizada no saudoso site conjecturas, e bem, aqui está ela!


Tudo o que não sabemos inventamos. Não nos contentamos em não saber, temos de inventar. Temos de ter uma opinião para tudo e é claro que tudo tem uma explicação, mais ou menos repescada. Se alguém coxeia é porque caiu, se for um homem provavelmente foi a jogar à bola ou o escadote caiu-lhe em cheio na perna mas, uma mulher a explicação terá de ser outra. O que lhe aconteceu de certeza foi que ficou com o salto preso entre as pedras da calçada e a coitada caiu. Não. Antes tenha escorregado no chão molhado da cozinha.
O que é importante nestes prognósticos são os pormenores e as leis das probabilidades. O primeiro factor condiciona o segundo mas nada é implicação formal. O que dá peso à forma final da nossa hipótese explicativa da realidade é se são apresentados factos que nos foram comuns isto é, no caso de virmos alguém coxear, e se esse alguém for homem – o peso do pormenor – a hipótese de que tenha sido a jogar à bola torna-se quase dogma se nos tiver acontecido o mesmo – peso das probabilidades.
Mas isto das probabilidades nem sempre é o que parece pois, um facto que à partida possa parecer ter uma ocorrência perto de zero pode ser dado como o “mais provável”. Pois, porque isto há coisas do diabo! E não há nada mais forte do que as nossas experiências – Factor três: peso das vivências.
Como se dá a ver, este último factor parece ser o mais importante na elaboração da nossa versão, descredibilizando por completo a probabilidade de tal acontecer. O homem que está a coxear foi de certeza a jogar à bola pois é homem, de aparência saudável e ... aconteceu-me o mesmo. O facto de trazer uma t-shirt a dizer “Eu não sou ciumento ... mas o meu namorado é!” não tem qualquer peso na elaboração da versão final – peso do pormenor: variável.
O que torna a raça humana especialmente interessante é a variabilidade de comportamentos que lhe assiste. Neste momento posso estar plenamente convencido que a experiência pessoal influencia a nossa versão eis se não quando, nos lembramos dos que se pensam autênticos. “Não... isto só me acontece a mim”. Sim, porque para mim é totalmente provável que só eu é que me aleijo a jogar à bola. Neste capítulo voltam-se a apelar aos pormenores outrora silenciados para explicar como foi exactamente a lesão bem como todos os pormenores envolventes, meteorologia, tipo da bola e afins. Este último dado vem gerar a confusão na análise do factor mais importante. As leis das probabilidades são completamente silenciadas, aos pormenores são dados pesos conforme nos interessa, e a nossa tábua de salvação que era o vivido tanto pode ser branco como preto, passando por todas as cores.
A confusão e o pânico instalam-se e proliferam. As variáveis são complexas e muito instáveis. Estamos perante um sistema em não equilíbrio isto porque, o que para mim é um falcão, para o outro é um milhafre, para o Pauleta é um açor e para o Vilarinho (pelo menos da parte da manhã...) é uma águia.
O somatório de tudo isto é um mar de hipóteses e que faz de nós seres tão interessantes (ou como dizia George Orwell, “...uns mais que outros”), imprevisíveis e maquiavélicos. Acho que está criado um bom trampolim para uma boa discussão sobre estereótipos mas seria bem mais fácil ter ido perguntar ao senhor o que lhe tinha acontecido...

3 comentários:

  1. Foda-se, mas não se via logo pela maneira de coxear que aquilo era uma granda rotura de ligamentos cruzados anteriores do joelho? Causadas por uma entrada de carrinho à moda do Vinnie Jones dos tempos antigos (ou o Toñito dos tempos modernos)?
    Logo, todo o teu texto, apesar de ser um belo esforço literário, encontra-se ferido de inverdade dado não te teres apercebido do óbvio!

    ResponderEliminar
  2. Ora aí está mais uma pérola que não tinha sido editada no Conjecturas. No entanto, estou em condições de garantir que esse projecto não conheceu ainda o seu final. Foi uma coisa demasiado boa para morrer assim sem glória. Infelizmente teremos de esperar por melhores condições logísticas/sociais/psicológicas por parte do dinamizador...

    Muito bom texto, na linha dos outros Raios X. Regozijo-me com o bom desenvolvimento deste blog, e só espero que a criatividade se mantenha acesa...

    Aquele abraço

    P.S. - Rui, é a tua vez. Eu sei que és capaz.

    ResponderEliminar
  3. Talvez seja capaz, mas não agora que estou a acabar de escrever o relatório de estágio, que já leva só por si mais de 200.000 caracteres e dois meses de esforço. Quando o meu cérebro conseguir pensar em outra coisa que não seja «tenho que acabar esta merda»/«mas porque é que esta porcaria do Photoshop é tão atrofiado?»/«quero partir as fuças à minha orientadora», voltarei decerto com inspiração para encher as páginas deste maravilhoso blog com palavras divinas, iluminadoras, capazes de mudar a vida das pessoas.



    P.S. ao ler de volta o que escrevi, as minhas palavras parecem imbuídas de um forte sarcasmo e de uma agressividade que eu não lhes quis dar. Tenho que tratar disso.

    ResponderEliminar