A meio da manhã, decidi ir a nado até à bóia. Avisado de que as distâncias no mar são maiores do que parecem, imprimi de início uma cadência lenta mas forte. Já no outro dia tive que ir buscar uma bola quase a Marrocos porque se meteram com brincadeiras e depois o vento empurrou-a para longe - quando alcancei a bola já havia gaivotas com raminhos de oliveira no bico, como que a simbolizar que a costa já não era longe. Não sabia que há gaivotas em Marrocos, nunca lá estive... e quando me lembro de Marrocos só imagino turbantes, ladrões, areia...
O mar estava ligeiramente batido, e durante algumas respirações engoli muita água, apanhado de surpresa com aquelas pequenas ondas que vão de encontro à cara. A dada altura já me estava a sentir como um bacalhau com tanta água salgada.
Peixinhos, pequenos peixes, grandes peixes; bocados de palha, mastros de navios que flutuavam... e continuei a nadar, mas parecia que a bóia se afastava. Os movimentos estavam a ficar descoordenados e incorrectos, e estava a ficar com sono, portanto decidi fechar os olhos enquanto nadava. A água estava a ficar mais quente - tenho a certeza de que havia ali vulcões submarinos a congeminar a criação de novos arquipélagos - e enquanto isso eu pensava em montes de coisas que ficaram à minha espera na praia; pessoas que não vejo há muito, obrigações que regressariam depois das férias, a forma como os nadadores olímpicos de atenas chegariam à bóia muito mais rapidamente... o pensamento foi ficando mais denso e profundo, e acompanhado pelo ruído rítmico das braçadas e das respirações, desligado da realidade.
Vi então ninhos de aves marinhas a boiar no mar. O céu ficou coberto de nuvens, cinzento como numa pintura bíblica, luminoso, e o vento fazia carneirinhos na água. Vi vultos a moverem-se silenciosamente debaixo de água, sombras enormes, que depois emergiam de repente e se despedaçavam de novo na água - eram monstros marinhos, dragões com várias voltas à tona de água, polvos com enormes tentáculos que berravam com estrondo medonho por entre a neblina que entretanto desceu à água. Pude sentir as silhuetas de barcos antigos e dos seus marinheiros. Tentei perguntar-lhes o caminho para a bóia, mas eles falavam línguas estranhas e não me compreenderam.
Comecei a ficar cansado de esbracejar e de erguer a cabeça para respirar; decidi então mergulhar e ver o que havia mais à profundidade: peixes de várias cores, navios naufragados, ruínas de templos de civilizações antigas, arcas com dobrões de ouro... cidades submarinas envoltas em cúpulas de vidro... até que vislumbrei uma sereia que vinha a nadar na minha direcção. Tinha cabelos negros ondulados e olhos de azul marinho. Ela chamou-me mais para o fundo, fui atrás dela; mas ela nadava depressa demais para mim, e começou a ficar muito escuro debaixo de água, já não a via, já não via o fundo... e de repente já não me lembrava de bóia nenhuma, de onde estava, de quem era; já não respirava há muito tempo.
Acordei à náufrago, mesmo à beira-mar, agarrado a uma gigantesca alforreca.Estava aquele fim de tarde em que o sol ainda não tinha desaparecido a poente e já a lua se tinha elevado. Não havia ninguém na praia, nem sequer a moça que tinha querido impressionar quando decidi nadar até à bóia que era ali tão perto... as pegadas já começavam a desaparecer da areia, apagadas pela brisa quente que soprava em direcção ao mar.Mal me levantei, fui rodeado por uma nuvem de melgas em busca do jantar. Não sentia o corpo, e o que sentia doía-me. Aproximei-me das coisas deixadas no areal, que eram o único ponto discordante na paisagem homogénea. No telemóvel vi que ninguém tinha ligado, que nenhuma mensagem tinha chegado entretanto.
Acordei à náufrago, mesmo à beira-mar, agarrado a uma gigantesca alforreca.Estava aquele fim de tarde em que o sol ainda não tinha desaparecido a poente e já a lua se tinha elevado. Não havia ninguém na praia, nem sequer a moça que tinha querido impressionar quando decidi nadar até à bóia que era ali tão perto... as pegadas já começavam a desaparecer da areia, apagadas pela brisa quente que soprava em direcção ao mar.Mal me levantei, fui rodeado por uma nuvem de melgas em busca do jantar. Não sentia o corpo, e o que sentia doía-me. Aproximei-me das coisas deixadas no areal, que eram o único ponto discordante na paisagem homogénea. No telemóvel vi que ninguém tinha ligado, que nenhuma mensagem tinha chegado entretanto.
Enquanto regressava a casa, de toalha ao ombro, pus-me a pensar que preferia viver no mar.
Valeu a pena esperar pela segunda parte! Não te conhecesse e diria neste momento que tinhas andado a fumar uma valente cachimbada de marijuana, que te levara até às nuvens enquanto teclavas nos cubículos pequeninos que estão à tua frente!
ResponderEliminarSabes, as sereias nem sempre fazem parte da panaceia! O Ulisses que o diga! :P
Abração! ;)
Nota aos governantes: não deixem de mandar os esgotos para o mar, que não vale a pena...
ResponderEliminarola! ja vi que te lembras de mim mas se nao conseguias nadar mais rapido nao precisavas de te agarrar a alforreca...enfim nem sempre se ganha! ja sabes onde vivo por isso volta!
ResponderEliminarbeijos salgados
A sereia de cabelos negros ondulados e olhos azuis
Putah sou o jeff e é só pa dizer que não consegui ler até ao fim... tás todo keimado....
ResponderEliminarSereia? És mesmo tu? Quem estou? Onde sou? ... aposto que é alguém a gozar comigo, "there's no such thing as mermaids...". E as alforrecas são boas... não sabias que as tartarugas se alimentam de alforrecas? ;)
ResponderEliminarE tu, Jeff... se quem não consegue ler o texto até ao fim és tu, não sei se sou eu o queimado :) Mas sim, é verdade, estou queimado. Tens um fusível a mais que me emprestes?