Depois de ter lido o “Diário de um caloiro”, senti que devia expor uma outra visão. É engraçado que passados alguns anos, as impressões dum caloiro da FCUL não sejam diferentes das que experimentei, eu e os meus companheiros de armas. O que é ainda mais engraçado é reparar que os embustes que se nos deram a reparar continuam, e é isso em última instância o que os perpetua! Ao ler o testemunho do Vaskithu, senti-me como um narrador omnipresente e omnipotente. Senti-me um pouco como aquele ancião de barbas no cimo daquela torre no “fort Boyard”, que podia dar-te a chave ou, como invariavelmente acontecia, fazer-te nadar no mar para a ires buscar. É inevitável ficar um pouco intimidado, sendo recém chegado. Muita gente, muitos pavilhões, muita confusão. Passados uns tempos começamos a reparar que a multidão é sempre a mesma, os pavilhões não são assim tão grandes e mesmo a confusão vai-se tornando aquele ruído de fundo do frigorífico, que só quando se desliga é que nos damos por ele. A pouco e pouco vamo-nos apercebendo dos embustes. Do que realmente são. Muito semelhantes a cavacas, que logo à primeira dentada descobrimos que são ocas. Depois descobrimos os habitués da palheta – a conversa de chacha. Aqueles que dizem que fazem isto ou aquilo. Aqueles que dizem que não estudam e que se desunham, aqueles que dizem que não precisam de estudar (pois é tudo muito fácil). Estes são de longe os meus preferidos, aqueles que ainda nem chegaram à fase de negação! No outro dia estava na esplanada a beber um café (sitiozinho execrável onde nem te consegues ouvir a pensar!) e dei comigo a ter uma ideia perfeitamente lúcida sobre a FCUL. Este espaço assemelha-se a um ponto de encontro de nómadas. Pessoas com pouca ligação entre elas encontram-se com um propósito semelhante. Vêem de sítios diferentes, criam laços pouco sólidos, e relações de abrupta intensidade. Mas depois... Depois é a selva! Talvez fosse esta a faceta que mais me custou a ultrapassar. A aparente mão amiga, a ilusória ajuda, o amigo D. Sebastião... É engraçado que no meio de tanta gente estejamos sozinhos! Pois é, contamos connosco e pouco mais. É claro que fiz amigos, não muitos mas bons. Mas de toda a gente que conheci, a quantidade que se aproveita e atenção, estou a dizer “aproveita” é ridícula. Depois há a praxe. Eu acho que este assunto já foi por demais debatido, havendo tantas opiniões como opinadores. Não entrando na discussão da lã caprina dos a favor e contra, direi a propósito que este é o terreno dos embustes. Eu acho que já nem os caloiro têm medo das praxes. Eu estava a fitá-los no relvado, ordens eram gritadas e o pessoal a ser praxado estava na boa... nem ai nem ui! Achei aquilo um pouco ridículo do ponto de vista do praxador. Na maior parte das vezes está ali para apreciar a colheita do ano e aí a probabilidade de figuras ridículas é enorme! Mas a FCUL também tem coisas boas, há que as procurar! Já agora, se alguém as encontrar avisem!
29 de setembro de 2004
O outro lado
Depois de ter lido o “Diário de um caloiro”, senti que devia expor uma outra visão. É engraçado que passados alguns anos, as impressões dum caloiro da FCUL não sejam diferentes das que experimentei, eu e os meus companheiros de armas. O que é ainda mais engraçado é reparar que os embustes que se nos deram a reparar continuam, e é isso em última instância o que os perpetua! Ao ler o testemunho do Vaskithu, senti-me como um narrador omnipresente e omnipotente. Senti-me um pouco como aquele ancião de barbas no cimo daquela torre no “fort Boyard”, que podia dar-te a chave ou, como invariavelmente acontecia, fazer-te nadar no mar para a ires buscar. É inevitável ficar um pouco intimidado, sendo recém chegado. Muita gente, muitos pavilhões, muita confusão. Passados uns tempos começamos a reparar que a multidão é sempre a mesma, os pavilhões não são assim tão grandes e mesmo a confusão vai-se tornando aquele ruído de fundo do frigorífico, que só quando se desliga é que nos damos por ele. A pouco e pouco vamo-nos apercebendo dos embustes. Do que realmente são. Muito semelhantes a cavacas, que logo à primeira dentada descobrimos que são ocas. Depois descobrimos os habitués da palheta – a conversa de chacha. Aqueles que dizem que fazem isto ou aquilo. Aqueles que dizem que não estudam e que se desunham, aqueles que dizem que não precisam de estudar (pois é tudo muito fácil). Estes são de longe os meus preferidos, aqueles que ainda nem chegaram à fase de negação! No outro dia estava na esplanada a beber um café (sitiozinho execrável onde nem te consegues ouvir a pensar!) e dei comigo a ter uma ideia perfeitamente lúcida sobre a FCUL. Este espaço assemelha-se a um ponto de encontro de nómadas. Pessoas com pouca ligação entre elas encontram-se com um propósito semelhante. Vêem de sítios diferentes, criam laços pouco sólidos, e relações de abrupta intensidade. Mas depois... Depois é a selva! Talvez fosse esta a faceta que mais me custou a ultrapassar. A aparente mão amiga, a ilusória ajuda, o amigo D. Sebastião... É engraçado que no meio de tanta gente estejamos sozinhos! Pois é, contamos connosco e pouco mais. É claro que fiz amigos, não muitos mas bons. Mas de toda a gente que conheci, a quantidade que se aproveita e atenção, estou a dizer “aproveita” é ridícula. Depois há a praxe. Eu acho que este assunto já foi por demais debatido, havendo tantas opiniões como opinadores. Não entrando na discussão da lã caprina dos a favor e contra, direi a propósito que este é o terreno dos embustes. Eu acho que já nem os caloiro têm medo das praxes. Eu estava a fitá-los no relvado, ordens eram gritadas e o pessoal a ser praxado estava na boa... nem ai nem ui! Achei aquilo um pouco ridículo do ponto de vista do praxador. Na maior parte das vezes está ali para apreciar a colheita do ano e aí a probabilidade de figuras ridículas é enorme! Mas a FCUL também tem coisas boas, há que as procurar! Já agora, se alguém as encontrar avisem!
24 de setembro de 2004
Diário de um Caloiro
Segunda-feira, 20 de Setembro de 2004
Finalmente paro. Paro e sento-me num banco isolado perto do edificio onde penso que vou ter aulas. Adjectivei-o de isolado, mas penso que todos os bancos que vi por aqui o são, dada a distância desértica que os separa. Pois é, é verdade, o meu primeiro dia como estudante universitário não está a ser das experiências mais gratificantes que já tive.
Depois de me ter levantado e saído de casa ainda de noite, para ir ter uma aula de análise matemática I, que nem sabia ao certo onde era, pois a única pista que tinha era um TP 3/6 que estava no horário que copiei, vim a descobrir que isso era uma aula prática, algo que nao havia na primeira semana de aulas. Senti uma enorme raiva, que ainda se agravou quando reparei que só tinha uma aula teórica ao meio dia! Teria de passar 4 horas ali sem conhecer ninguem a tentar fazer passar o tempo. Comecei por dar voltas à faculdade para a conhecer melhor, e depois cá me sentei para elaborar um rascunho deste texto que agora escrevo. Quando o acabei procurei um bar, pois ja se tinham passado umas duas horas e a fome começava a aparecer.
As pessoas aqui sao definitivamente diferentes. Aqui todos têm um aspecto bem mais adulto que eu, a maioria muito mal arranjados, com a barba por fazer e tudo mais, e com ar de quem estuda 25 horas por dia. Já nao me lembro ao certo o que fiz no resto do tempo, mas quando entrei na sala, corrijo, anfiteatro, estavam umas 50 pessoas à espera de um professor que apareceu logo de seguida: era a aula de apresentação de Análise Matemática. Nao gostei desta aula pois nao consegui ouvir muito do que o professor disse devido ao barulho feito pelos outros alunos e à incapacidade expressiva oral do primeiro (falava para dentro). Acabou a aula, diriji-me para o exterior e fui embora da faculdade almoçar com a minha namorada.
Depois de me ter levantado e saído de casa ainda de noite, para ir ter uma aula de análise matemática I, que nem sabia ao certo onde era, pois a única pista que tinha era um TP 3/6 que estava no horário que copiei, vim a descobrir que isso era uma aula prática, algo que nao havia na primeira semana de aulas. Senti uma enorme raiva, que ainda se agravou quando reparei que só tinha uma aula teórica ao meio dia! Teria de passar 4 horas ali sem conhecer ninguem a tentar fazer passar o tempo. Comecei por dar voltas à faculdade para a conhecer melhor, e depois cá me sentei para elaborar um rascunho deste texto que agora escrevo. Quando o acabei procurei um bar, pois ja se tinham passado umas duas horas e a fome começava a aparecer.
As pessoas aqui sao definitivamente diferentes. Aqui todos têm um aspecto bem mais adulto que eu, a maioria muito mal arranjados, com a barba por fazer e tudo mais, e com ar de quem estuda 25 horas por dia. Já nao me lembro ao certo o que fiz no resto do tempo, mas quando entrei na sala, corrijo, anfiteatro, estavam umas 50 pessoas à espera de um professor que apareceu logo de seguida: era a aula de apresentação de Análise Matemática. Nao gostei desta aula pois nao consegui ouvir muito do que o professor disse devido ao barulho feito pelos outros alunos e à incapacidade expressiva oral do primeiro (falava para dentro). Acabou a aula, diriji-me para o exterior e fui embora da faculdade almoçar com a minha namorada.
Terça-feira, 21 de Setembro de 2004
O dia começa cedo mais uma vez, ou seja, acordar ás 6:30 para ter aula ás 8:00, mas desta vez tinha mesmo aula, de informática, Introdução à Programação. Surpresa a minha quando no decorrer da aula uma rapariga (se nao era a única, não me lembro de outra ) disse ao professor que era de engenharia geográfica. Fiquei espantado mas contente, e rapidamente fiz um retrato fisionómico da personagem na minha cabeça. Uma pessoa dos seus 20 e tal anos, magra, relativamente gira, com ar muito interessado. Devido a esta ultima característica não quis saber dela e fui embora no fim da aula à procura do meu amigo (de escola), que estava no departamento de fisica e era a ùnica pessoa minha conhecida nas redondezas.
Quando olhei para o meu horário constatei que a aula seguinte (Àlgebra) começava à mesma hora que esta última tinha acabado e portanto nao tinha intervalo. Então apressei-me para o local da aula e quando lá cheguei vi que a aula seria noutro sector da faculdade, que curiosamente era no anfiteatro ao lado de onde estava à 3 minutos atras, e numa zona longe da qual eu estava no momento. Entrei na sala e reparei no professor a gritar e esbracejar lá ao fundo. Tinha pelo menos 150 kilos, suava por todo o lado e tinha um ar de muito mal disposto. Uma rapariga sentada atras de mim perguntou-me se eu era caloiro, ao que respondi possitivamente, e ela retorquiu dizendo que este professor era muito muito lixado e só passava raparigas. Como é obvio fiquei assustadíssimo já convicto que ia chumbar. Pior fiquei quando ele disse que no tempo restante de aula (cerca de 1 hora penso eu) teríamos de fazer o exame da 2ª fase de matemática de 2004, e quem tivesse menos de 14 nao teria razão para vir as aulas pois estaria chumbado. Mas passado muito pouco tempo quase toda a gente do auditório se levantou e começou a bater palmas, muitas das pessoas à minha volta a dizer que era uma brincadeira e que era uma aula de praxe. (Enorme suspiro) Estranhamente os veteranos que me rodearam pensavam que eu era do curso de matemática, mas quando disse que era de engenharia geográfica ficaram com um sorriso amarelo.Passo a explicar: Este curso tem muito pouca gente e como tal nao há veteranos o que torna a vida de um caloiro do curso bastante complicada. Continuando:
Não saí do meu lugar, a professora de àlgebra entrou na sala e apresentou a disciplina. Quando acabou e saí da aula deparei com as praxes de matemática, e ao perguntarem-me o meu curso, encontrei um rapaz do segundo ano de engenharia geográfica! Óptimo, finalmente tinha alguem que me podia algumas noções neste mundo diferente. Pareceu-me uma pessoa muito fixe com interesses como os meus e convidou-me a fazer parte das praxes. Quando olhei para os caloiros, neste caso caloiras ( 18 raparigas 0 rapazes ) todas pintadas, com latas presas aos pés e tudo mais nao me deu muita vontade de ir com elas. Claro que vocês vão pensar que sou parvo, que era o meu paraíso e tudo, mas acho que estaria um bocado deslocado, que é para nao dizer completamente. De qualquer forma acompanhei as praxes de fora, mas, sem nada a perder, decidi juntar-me durante o almoço na cantina, onde comecei por comer sem talhetes. É Verdade, à lambidela limpei o prato de esparguete à bolonhesa!! E no meio de raparigas de matemática, foi o rapaz de engenaria geográfica que melhor se safou, quererá isto dizer alguma coisa ? ( tou a brincar =PPP ).
Bom, depois do almoço fomos de metro até à baixa, onde montamos estendal no meio da Rua Augusta a vender lápis, cantarolar músicas inventadas e fazer todo um tipo de coisas que nao lembram ao diabo, sempre envergando um Saco do lixo preto com um papel atrás em que estava escrito Π’ ( Pi-linha; Pilinha – simbologia atribuída ao único rapaz , vocês devem conhecer, eu nao conhecia.). Posso afirmar que estava errado ao principio do dia, que me diverti muito e conheci muita gente nova! :-)
Quando olhei para o meu horário constatei que a aula seguinte (Àlgebra) começava à mesma hora que esta última tinha acabado e portanto nao tinha intervalo. Então apressei-me para o local da aula e quando lá cheguei vi que a aula seria noutro sector da faculdade, que curiosamente era no anfiteatro ao lado de onde estava à 3 minutos atras, e numa zona longe da qual eu estava no momento. Entrei na sala e reparei no professor a gritar e esbracejar lá ao fundo. Tinha pelo menos 150 kilos, suava por todo o lado e tinha um ar de muito mal disposto. Uma rapariga sentada atras de mim perguntou-me se eu era caloiro, ao que respondi possitivamente, e ela retorquiu dizendo que este professor era muito muito lixado e só passava raparigas. Como é obvio fiquei assustadíssimo já convicto que ia chumbar. Pior fiquei quando ele disse que no tempo restante de aula (cerca de 1 hora penso eu) teríamos de fazer o exame da 2ª fase de matemática de 2004, e quem tivesse menos de 14 nao teria razão para vir as aulas pois estaria chumbado. Mas passado muito pouco tempo quase toda a gente do auditório se levantou e começou a bater palmas, muitas das pessoas à minha volta a dizer que era uma brincadeira e que era uma aula de praxe. (Enorme suspiro) Estranhamente os veteranos que me rodearam pensavam que eu era do curso de matemática, mas quando disse que era de engenharia geográfica ficaram com um sorriso amarelo.Passo a explicar: Este curso tem muito pouca gente e como tal nao há veteranos o que torna a vida de um caloiro do curso bastante complicada. Continuando:
Não saí do meu lugar, a professora de àlgebra entrou na sala e apresentou a disciplina. Quando acabou e saí da aula deparei com as praxes de matemática, e ao perguntarem-me o meu curso, encontrei um rapaz do segundo ano de engenharia geográfica! Óptimo, finalmente tinha alguem que me podia algumas noções neste mundo diferente. Pareceu-me uma pessoa muito fixe com interesses como os meus e convidou-me a fazer parte das praxes. Quando olhei para os caloiros, neste caso caloiras ( 18 raparigas 0 rapazes ) todas pintadas, com latas presas aos pés e tudo mais nao me deu muita vontade de ir com elas. Claro que vocês vão pensar que sou parvo, que era o meu paraíso e tudo, mas acho que estaria um bocado deslocado, que é para nao dizer completamente. De qualquer forma acompanhei as praxes de fora, mas, sem nada a perder, decidi juntar-me durante o almoço na cantina, onde comecei por comer sem talhetes. É Verdade, à lambidela limpei o prato de esparguete à bolonhesa!! E no meio de raparigas de matemática, foi o rapaz de engenaria geográfica que melhor se safou, quererá isto dizer alguma coisa ? ( tou a brincar =PPP ).
Bom, depois do almoço fomos de metro até à baixa, onde montamos estendal no meio da Rua Augusta a vender lápis, cantarolar músicas inventadas e fazer todo um tipo de coisas que nao lembram ao diabo, sempre envergando um Saco do lixo preto com um papel atrás em que estava escrito Π’ ( Pi-linha; Pilinha – simbologia atribuída ao único rapaz , vocês devem conhecer, eu nao conhecia.). Posso afirmar que estava errado ao principio do dia, que me diverti muito e conheci muita gente nova! :-)
Quarta-feira, dia 22 de Setembro de 2004
Hoje as aulas começaram mais tarde! 10:30 é a hora de entrada o que me safa de madrugar estupidamente. Vou para a faculdade com um sorriso, pois ja conheci colegas de matemática e começo o dia com a primeira aula a sério de análise matemática. Sentei-me junto das minhas novas amigas e tivemos uma aula em que não percebemos patavina mas que se jogou muito com o telemóvel e tudo mais. Tambem conheci nesta aula a malta do meu curso de 2º ano, que não passaram a nenhuma disciplina e pelo que me pareceu vão repetir a proeza este semestre. Acabou e aula e fui com o meu padrinho, o Tiago (o rapaz que me praxou), tratar de regularizar a minha situação, pois não me encontrava inscrito nas aulas práticas das disciplinas. Seguiu-se um almoço na cantina, onde provei uns dos piores filetes que alguma vez comi, e depois da refeição teria Introdução às Ciencias Geográficas, que é a única disciplina directamente relacionada com Geografia, e como tal, apenas a teria com os outros meus colegas, caloiros, que iria conhecer.
Ao chegar à entrada da sala deparei com 4 pessoas: Duas raparigas novas, um rapaz igualmente novo e um outro “senhor” que até parecia professor. Este último era um dos meus colegas, e tem 37 anos ( interessante..). Das outras 3 pessoas posso adiantar que uma das raparigas, que entrara para o curso com média de 18.5 e como primeira escolha tinha um ar particularmente de MARRONA, a outra rapariga tinha um ar normal, e o rapaz parecia assim um tipico jovem dos anos 90 americanos tal como os filmes os descrevem.
Cumprimentei-os sem dar confiança nenhuma e acabamos por não ter aula. Até hoje ainda nao conheço o professor. Depois desta saga geográfica foi o baptizado dos caloiros. Consegui trazer comigo as duas raparigas do meu curso, o rapaz nao veio pois ja não era caloiro. Fomos para o campo grande e o nosso batismo consistiu num balde de àgua do lago pela cabeça abaixo e toda uma panóplia de actividades de caloiros que no dia anterior já tinha praticado. Posso dizer que me diverti mais uma vez, e de seguida encaminhamo-nos para o metro, onde tentei conhecer mais um pouco as minhas duas novas colegas. Daquela mais croma só consegui saber era de óbidos e que estava num quarto alugado em alvalade. Da outra rapariga que me pareceu uma pessoa mais parecida comigo. tirei que era de Oeiras, tinha 22 anos, tinha namorado, nao bebia, e já nao me lembro muito mais, mas fiquei com ideia de que nao era assim tão parecida comigo como me pensava.
Hoje as aulas começaram mais tarde! 10:30 é a hora de entrada o que me safa de madrugar estupidamente. Vou para a faculdade com um sorriso, pois ja conheci colegas de matemática e começo o dia com a primeira aula a sério de análise matemática. Sentei-me junto das minhas novas amigas e tivemos uma aula em que não percebemos patavina mas que se jogou muito com o telemóvel e tudo mais. Tambem conheci nesta aula a malta do meu curso de 2º ano, que não passaram a nenhuma disciplina e pelo que me pareceu vão repetir a proeza este semestre. Acabou e aula e fui com o meu padrinho, o Tiago (o rapaz que me praxou), tratar de regularizar a minha situação, pois não me encontrava inscrito nas aulas práticas das disciplinas. Seguiu-se um almoço na cantina, onde provei uns dos piores filetes que alguma vez comi, e depois da refeição teria Introdução às Ciencias Geográficas, que é a única disciplina directamente relacionada com Geografia, e como tal, apenas a teria com os outros meus colegas, caloiros, que iria conhecer.
Ao chegar à entrada da sala deparei com 4 pessoas: Duas raparigas novas, um rapaz igualmente novo e um outro “senhor” que até parecia professor. Este último era um dos meus colegas, e tem 37 anos ( interessante..). Das outras 3 pessoas posso adiantar que uma das raparigas, que entrara para o curso com média de 18.5 e como primeira escolha tinha um ar particularmente de MARRONA, a outra rapariga tinha um ar normal, e o rapaz parecia assim um tipico jovem dos anos 90 americanos tal como os filmes os descrevem.
Cumprimentei-os sem dar confiança nenhuma e acabamos por não ter aula. Até hoje ainda nao conheço o professor. Depois desta saga geográfica foi o baptizado dos caloiros. Consegui trazer comigo as duas raparigas do meu curso, o rapaz nao veio pois ja não era caloiro. Fomos para o campo grande e o nosso batismo consistiu num balde de àgua do lago pela cabeça abaixo e toda uma panóplia de actividades de caloiros que no dia anterior já tinha praticado. Posso dizer que me diverti mais uma vez, e de seguida encaminhamo-nos para o metro, onde tentei conhecer mais um pouco as minhas duas novas colegas. Daquela mais croma só consegui saber era de óbidos e que estava num quarto alugado em alvalade. Da outra rapariga que me pareceu uma pessoa mais parecida comigo. tirei que era de Oeiras, tinha 22 anos, tinha namorado, nao bebia, e já nao me lembro muito mais, mas fiquei com ideia de que nao era assim tão parecida comigo como me pensava.
Quinta-feira, 23 de Setembro de 2004
As aulas começam as 8:00! (o que me obriga a madrugar). Não me custou muito a levantar, porque queria conhecer estes meus novos colegas com quem vou estar o resto do ano.
Mas depois de 2 horas e meia de aulas percebi que definitivamente são diferentes de mim, e que terei de arranjar outro tipo de companhia se quiser agradar à minha maneira de encarar a vida.
Chega ao fim a minha primeira semana, pois sexta-feira nao tenho aulas (eram todas práticas) e posso concluír que tive muitas surpresas. Desejo a mim mesmo boa sorte que bem vou precisar.
As aulas começam as 8:00! (o que me obriga a madrugar). Não me custou muito a levantar, porque queria conhecer estes meus novos colegas com quem vou estar o resto do ano.
Mas depois de 2 horas e meia de aulas percebi que definitivamente são diferentes de mim, e que terei de arranjar outro tipo de companhia se quiser agradar à minha maneira de encarar a vida.
Chega ao fim a minha primeira semana, pois sexta-feira nao tenho aulas (eram todas práticas) e posso concluír que tive muitas surpresas. Desejo a mim mesmo boa sorte que bem vou precisar.
5 de setembro de 2004
Diário de um Magoado - Manta Rota - Parte final
Ao notar a inquietude que a minha cadela demonstrava, dando pequeninos pulos só com as patas da frente e arfando sonoramente, soube logo que tinha que me levantar do sofá e ir dar um passeio com ela à rua. Peço-lhe para esperar. Ainda meio sonolento, decidi ir ao armário e tirar de lá a primeira coisa que visse para comer; afinal de contas eram 6 e meia da tarde, hora do meu lanche. Decido ser guloso: saco de uma lata de salsichas Nobre®, abro-a e escorro o líquido para o lava-loiça. Calço-me (com o que está à mão), visto um casaco (aquele que alguém perdeu num bar, nas férias, e eu recolhi), pego nas chaves e chamo-a para vir. Deixo o telemóvel em casa.
Ao descer as escadas trinco a primeira salsicha. Começo a pensar que é capaz de estar já frio na rua para ir vestido assim de calções curtos, sem meias. É Setembro, fim da tarde, e corre um ventinho que sopra a espaços, quente e frio; parece que faz de propósito para arrepiar e fazer pele de galinha - é mesmo característico do Outono. Deixo a cadela atravessar a rua e ir para perto dos prédios novos que construiram da noite para o dia. Naquele espaço pastavam ovelhas não há muitos anos. Cultivava-se trigo, passavam debulhadoras, apanhavam-se amoras... agora vai abrir um novo pingo doce, e estou com ideias de ir trabalhar para lá em part-time se me aceitarem.
Sento-me no lancil do passeio que ladeia a estrada, e tiro mais uma salsicha. Perto de mim passam os carros, alguns a uma velocidade não aceitável para uma localidade, perto de uma escola... a minha rua é a única que não tem bandas sonoras de controlo da velocidade.Lembro-me então da última semana de férias. Dos passeios a pé por Manta Rota, com um calor enorme; daqueles fins de tarde na praia, com um vento quente que queimava mais do que o próprio sol. De andar descalço na rua só porque não apetece calçar os ténis. De não haver dinheiro nos multibancos. De assistir pela tv ao SLB a trazer a mala cheia para casa através do fundo de uma garrafa de Carlsberg. Ainda nem passou uma semana e parece que já foi há tanto tempo, lá tão longe! Parece daquelas memórias construídas de situações em que é impossível termos participado, mas que recordamos tão vividamente como se tivesse sido ontem.
Revivo então mentalmente a minha viagem a nado até à bóia. Desta vez mergulho logo na profundidade à procura da sereia dos cabelos negros ondulados e olhos azuis; passo de novo pelos navios naufragados, ruínas, cidades submersas... desta vez nado mais depressa, à velocidade do pensamento, passando por cardumes de peixes cada vez maiores e mais estranhos; já não preciso de ar nos meus pulmões, vou mais longe, mais fundo, mais escuro. Aproximo-me de um palácio, um Estádio do Dragão submarino, com muitas luzes azuis a ferirem as águas, imponente. Não vejo ninguém. Opto por entrar pelo topo desse palácio, e vou até ao centro das quatro linhas, um terreno feito de areia em vez de relva, completamente iluminado pelos holofotes. De repente, iluminam-se as bancadas, e vejo o estádio completamente cheio de gente minha conhecida a rir às gargalhadas e a apontar para mim. Ilumina-se agora o camarote imperial: mesmo diante e acima, sentada, vejo então a sereia, acompanhada por um tritão de olhar agressivo, a rir discretamente com um cigarro por entre os dedos médio e indicador da mão direita. Ela levanta-se. O estádio inteiro observa-a expectante. Fito-a completamente hipnotizado, paralisado, incapaz de esboçar outra reacção, como um boi à espera de um choque eléctrico. Sem tirar o cigarro da sua posição, ela fecha a mão e aponta o polegar para baixo, ao que o estádio inteiro explode de novo às gargalhadas. O tritão sorri, satisfeito. Só consigo balbuciar uma frase vezes sem conta para mim mesmo: "Queira desculpar-me... foi um engano meu.... queira desculpar-me".
Todas as forças do Universo se juntam no sentido de me estabilizar, ali sentado, quieto, como se a minha posição no espaço correspondesse à minimização total da energia potencial. Os vectores anulam-se, as energias contrabalançam-se, e dou por mim absolutamente quieto, num zero absoluto de percepção sensorial extensível aos 5 sentidos. Uma completa alteração de consciência. Mas no mesmo momento em que me dou conta disto, parece que o gerador de Castelo de Bode se ligou na minha cabeça. Sinto o sabor e o aroma das salsichas; o ladrar da cadela já a pedir para ir para casa; o quente da sua respiração e a leveza da lata, vazia (!), na minha mão; e o olhar de um casal de idosos, do outro lado da estrada, a perguntar-se o que faz um rapaz despenteado, mal vestido e com olhos vermelhos, imóvel há uma hora, sentado à beira de uma estrada movimentada, acompanhado por um cão, com uma lata de salsichas na mão...
4 de setembro de 2004
Raio X III
Foi solicitada a continuação da publicação da saga Raio X celebrizada no saudoso site conjecturas, e bem, aqui está ela!
Tudo o que não sabemos inventamos. Não nos contentamos em não saber, temos de inventar. Temos de ter uma opinião para tudo e é claro que tudo tem uma explicação, mais ou menos repescada. Se alguém coxeia é porque caiu, se for um homem provavelmente foi a jogar à bola ou o escadote caiu-lhe em cheio na perna mas, uma mulher a explicação terá de ser outra. O que lhe aconteceu de certeza foi que ficou com o salto preso entre as pedras da calçada e a coitada caiu. Não. Antes tenha escorregado no chão molhado da cozinha.
O que é importante nestes prognósticos são os pormenores e as leis das probabilidades. O primeiro factor condiciona o segundo mas nada é implicação formal. O que dá peso à forma final da nossa hipótese explicativa da realidade é se são apresentados factos que nos foram comuns isto é, no caso de virmos alguém coxear, e se esse alguém for homem – o peso do pormenor – a hipótese de que tenha sido a jogar à bola torna-se quase dogma se nos tiver acontecido o mesmo – peso das probabilidades.
Mas isto das probabilidades nem sempre é o que parece pois, um facto que à partida possa parecer ter uma ocorrência perto de zero pode ser dado como o “mais provável”. Pois, porque isto há coisas do diabo! E não há nada mais forte do que as nossas experiências – Factor três: peso das vivências.
Como se dá a ver, este último factor parece ser o mais importante na elaboração da nossa versão, descredibilizando por completo a probabilidade de tal acontecer. O homem que está a coxear foi de certeza a jogar à bola pois é homem, de aparência saudável e ... aconteceu-me o mesmo. O facto de trazer uma t-shirt a dizer “Eu não sou ciumento ... mas o meu namorado é!” não tem qualquer peso na elaboração da versão final – peso do pormenor: variável.
O que torna a raça humana especialmente interessante é a variabilidade de comportamentos que lhe assiste. Neste momento posso estar plenamente convencido que a experiência pessoal influencia a nossa versão eis se não quando, nos lembramos dos que se pensam autênticos. “Não... isto só me acontece a mim”. Sim, porque para mim é totalmente provável que só eu é que me aleijo a jogar à bola. Neste capítulo voltam-se a apelar aos pormenores outrora silenciados para explicar como foi exactamente a lesão bem como todos os pormenores envolventes, meteorologia, tipo da bola e afins. Este último dado vem gerar a confusão na análise do factor mais importante. As leis das probabilidades são completamente silenciadas, aos pormenores são dados pesos conforme nos interessa, e a nossa tábua de salvação que era o vivido tanto pode ser branco como preto, passando por todas as cores.
A confusão e o pânico instalam-se e proliferam. As variáveis são complexas e muito instáveis. Estamos perante um sistema em não equilíbrio isto porque, o que para mim é um falcão, para o outro é um milhafre, para o Pauleta é um açor e para o Vilarinho (pelo menos da parte da manhã...) é uma águia.
O somatório de tudo isto é um mar de hipóteses e que faz de nós seres tão interessantes (ou como dizia George Orwell, “...uns mais que outros”), imprevisíveis e maquiavélicos. Acho que está criado um bom trampolim para uma boa discussão sobre estereótipos mas seria bem mais fácil ter ido perguntar ao senhor o que lhe tinha acontecido...
Tudo o que não sabemos inventamos. Não nos contentamos em não saber, temos de inventar. Temos de ter uma opinião para tudo e é claro que tudo tem uma explicação, mais ou menos repescada. Se alguém coxeia é porque caiu, se for um homem provavelmente foi a jogar à bola ou o escadote caiu-lhe em cheio na perna mas, uma mulher a explicação terá de ser outra. O que lhe aconteceu de certeza foi que ficou com o salto preso entre as pedras da calçada e a coitada caiu. Não. Antes tenha escorregado no chão molhado da cozinha.
O que é importante nestes prognósticos são os pormenores e as leis das probabilidades. O primeiro factor condiciona o segundo mas nada é implicação formal. O que dá peso à forma final da nossa hipótese explicativa da realidade é se são apresentados factos que nos foram comuns isto é, no caso de virmos alguém coxear, e se esse alguém for homem – o peso do pormenor – a hipótese de que tenha sido a jogar à bola torna-se quase dogma se nos tiver acontecido o mesmo – peso das probabilidades.
Mas isto das probabilidades nem sempre é o que parece pois, um facto que à partida possa parecer ter uma ocorrência perto de zero pode ser dado como o “mais provável”. Pois, porque isto há coisas do diabo! E não há nada mais forte do que as nossas experiências – Factor três: peso das vivências.
Como se dá a ver, este último factor parece ser o mais importante na elaboração da nossa versão, descredibilizando por completo a probabilidade de tal acontecer. O homem que está a coxear foi de certeza a jogar à bola pois é homem, de aparência saudável e ... aconteceu-me o mesmo. O facto de trazer uma t-shirt a dizer “Eu não sou ciumento ... mas o meu namorado é!” não tem qualquer peso na elaboração da versão final – peso do pormenor: variável.
O que torna a raça humana especialmente interessante é a variabilidade de comportamentos que lhe assiste. Neste momento posso estar plenamente convencido que a experiência pessoal influencia a nossa versão eis se não quando, nos lembramos dos que se pensam autênticos. “Não... isto só me acontece a mim”. Sim, porque para mim é totalmente provável que só eu é que me aleijo a jogar à bola. Neste capítulo voltam-se a apelar aos pormenores outrora silenciados para explicar como foi exactamente a lesão bem como todos os pormenores envolventes, meteorologia, tipo da bola e afins. Este último dado vem gerar a confusão na análise do factor mais importante. As leis das probabilidades são completamente silenciadas, aos pormenores são dados pesos conforme nos interessa, e a nossa tábua de salvação que era o vivido tanto pode ser branco como preto, passando por todas as cores.
A confusão e o pânico instalam-se e proliferam. As variáveis são complexas e muito instáveis. Estamos perante um sistema em não equilíbrio isto porque, o que para mim é um falcão, para o outro é um milhafre, para o Pauleta é um açor e para o Vilarinho (pelo menos da parte da manhã...) é uma águia.
O somatório de tudo isto é um mar de hipóteses e que faz de nós seres tão interessantes (ou como dizia George Orwell, “...uns mais que outros”), imprevisíveis e maquiavélicos. Acho que está criado um bom trampolim para uma boa discussão sobre estereótipos mas seria bem mais fácil ter ido perguntar ao senhor o que lhe tinha acontecido...
3 de setembro de 2004
Cama, por onde pairas...?
Provavelmente, ao lerem este post, acham que entrou aqui um indivíduo com ideias perversas e devassas, que arrasam qualquer beata mais moralista que um apóstolo dos tempos de Cristo. Ou talvez não tivessem pensado em nada disto, mas sim naqueles dias em que estamos completamente exaustos e procuramos por algo que seja esponjoso, com/sem molas, que tenha mais do que 50cm de altura. Não...também não é sobre isso que pretendo expôr esta bela "posta" de pescada. Falo sim daqueles dias em que nem deviamos ter saido da nossa cama!
Aquela sensação da mescalina (como no tão famoso Matrix), fazendo-nos pairar sobre o céu (inerte, mas tão agitado). A primeira visão que temos, após a chegada das primeiras sinapses ao nosso córtex visual, é imediatamente interpretada no córtex frontal, como um dia cinzento, pouco feliz, soturno. A chamada de um amigo, ao telemóvel, interrompe-me a apreciação de tenebroso espectáculo (sim, tenebroso porque - ainda - estamos na época balnear). A insistência dessa mesma pessoa, desencadeia uma perturbante panóplia de sinapses que me deixa algo irritadiço. Era um almoço. Era. Continuei a navegar no meu paralelepípedo durante mais algum tempo. Nessa altura, parece que andamos por todo o lado, podemos sentir tudo aquilo que imaginamos, desenhar os cenários que pretendemos! Não ligamos às futilidades da vida que tantas pessoas ignóbeis insistem em remexer. Soçobramos a mente num rebulíço agradável de sensações várias! Tudo é ouro sobre azul! Nunca desiludimos quem amamos! Um passeio. Uma viagem. Um beijo. Tudo num momento rápido e veloz, dizem, em milésimos de segundo...quem diria que os sonhos duram isso. Talvez não! Alguns sonhos, duram mais! O estado de vigília é que difere - é muito melhor quando sonhamos acordados. Todos aqueles em torno de nós, todos aqueles a quem damos a nossa confiança e dedicação, esboçam um sorriso tão belo quanto o de uma faminta criança da Etiópia quando recebe a sua fatia de pão. Já dizia alguém (perdoe-me o esquecido) que "estimulos diferentes podem provocar reacções idênticas". O mundo parece diferente visto de um paralelepipedo...qual Fernão Magalhães! É algo mais vasto, com uma beleza imensa! Parece ainda mais redondo, menos quadrado do que o habitual. Quase que o nosso cérebro simula o bonito chilrear dos pássaros, o insistente bater da água que esquarteja a rocha submissa.
Acordo, sobressaltado pelo novo tocar do telemóvel. Irritado, só me apetecia lançar este objecto pela janela. Quando deixei cair a cabeça novamente na almofada, o sono já tinha escapado, ido embora como um suspiro. Cama, por onde pairas tu...? Há dias em que, definitivamente, não devemos sair dela. A beleza do mundo que projectamos em sonhos deixa-nos demasiadamente expostos às inevitáveis vicissitudes da vida. Mas o mundo em que vivemos tem as suas coisas belas. Temos é que saber tirar proveito disso!
Aquela sensação da mescalina (como no tão famoso Matrix), fazendo-nos pairar sobre o céu (inerte, mas tão agitado). A primeira visão que temos, após a chegada das primeiras sinapses ao nosso córtex visual, é imediatamente interpretada no córtex frontal, como um dia cinzento, pouco feliz, soturno. A chamada de um amigo, ao telemóvel, interrompe-me a apreciação de tenebroso espectáculo (sim, tenebroso porque - ainda - estamos na época balnear). A insistência dessa mesma pessoa, desencadeia uma perturbante panóplia de sinapses que me deixa algo irritadiço. Era um almoço. Era. Continuei a navegar no meu paralelepípedo durante mais algum tempo. Nessa altura, parece que andamos por todo o lado, podemos sentir tudo aquilo que imaginamos, desenhar os cenários que pretendemos! Não ligamos às futilidades da vida que tantas pessoas ignóbeis insistem em remexer. Soçobramos a mente num rebulíço agradável de sensações várias! Tudo é ouro sobre azul! Nunca desiludimos quem amamos! Um passeio. Uma viagem. Um beijo. Tudo num momento rápido e veloz, dizem, em milésimos de segundo...quem diria que os sonhos duram isso. Talvez não! Alguns sonhos, duram mais! O estado de vigília é que difere - é muito melhor quando sonhamos acordados. Todos aqueles em torno de nós, todos aqueles a quem damos a nossa confiança e dedicação, esboçam um sorriso tão belo quanto o de uma faminta criança da Etiópia quando recebe a sua fatia de pão. Já dizia alguém (perdoe-me o esquecido) que "estimulos diferentes podem provocar reacções idênticas". O mundo parece diferente visto de um paralelepipedo...qual Fernão Magalhães! É algo mais vasto, com uma beleza imensa! Parece ainda mais redondo, menos quadrado do que o habitual. Quase que o nosso cérebro simula o bonito chilrear dos pássaros, o insistente bater da água que esquarteja a rocha submissa.
Acordo, sobressaltado pelo novo tocar do telemóvel. Irritado, só me apetecia lançar este objecto pela janela. Quando deixei cair a cabeça novamente na almofada, o sono já tinha escapado, ido embora como um suspiro. Cama, por onde pairas tu...? Há dias em que, definitivamente, não devemos sair dela. A beleza do mundo que projectamos em sonhos deixa-nos demasiadamente expostos às inevitáveis vicissitudes da vida. Mas o mundo em que vivemos tem as suas coisas belas. Temos é que saber tirar proveito disso!
2 de setembro de 2004
Diário de um Magoado - Manta Rota, parte II
A meio da manhã, decidi ir a nado até à bóia. Avisado de que as distâncias no mar são maiores do que parecem, imprimi de início uma cadência lenta mas forte. Já no outro dia tive que ir buscar uma bola quase a Marrocos porque se meteram com brincadeiras e depois o vento empurrou-a para longe - quando alcancei a bola já havia gaivotas com raminhos de oliveira no bico, como que a simbolizar que a costa já não era longe. Não sabia que há gaivotas em Marrocos, nunca lá estive... e quando me lembro de Marrocos só imagino turbantes, ladrões, areia...
O mar estava ligeiramente batido, e durante algumas respirações engoli muita água, apanhado de surpresa com aquelas pequenas ondas que vão de encontro à cara. A dada altura já me estava a sentir como um bacalhau com tanta água salgada.
Peixinhos, pequenos peixes, grandes peixes; bocados de palha, mastros de navios que flutuavam... e continuei a nadar, mas parecia que a bóia se afastava. Os movimentos estavam a ficar descoordenados e incorrectos, e estava a ficar com sono, portanto decidi fechar os olhos enquanto nadava. A água estava a ficar mais quente - tenho a certeza de que havia ali vulcões submarinos a congeminar a criação de novos arquipélagos - e enquanto isso eu pensava em montes de coisas que ficaram à minha espera na praia; pessoas que não vejo há muito, obrigações que regressariam depois das férias, a forma como os nadadores olímpicos de atenas chegariam à bóia muito mais rapidamente... o pensamento foi ficando mais denso e profundo, e acompanhado pelo ruído rítmico das braçadas e das respirações, desligado da realidade.
Vi então ninhos de aves marinhas a boiar no mar. O céu ficou coberto de nuvens, cinzento como numa pintura bíblica, luminoso, e o vento fazia carneirinhos na água. Vi vultos a moverem-se silenciosamente debaixo de água, sombras enormes, que depois emergiam de repente e se despedaçavam de novo na água - eram monstros marinhos, dragões com várias voltas à tona de água, polvos com enormes tentáculos que berravam com estrondo medonho por entre a neblina que entretanto desceu à água. Pude sentir as silhuetas de barcos antigos e dos seus marinheiros. Tentei perguntar-lhes o caminho para a bóia, mas eles falavam línguas estranhas e não me compreenderam.
Comecei a ficar cansado de esbracejar e de erguer a cabeça para respirar; decidi então mergulhar e ver o que havia mais à profundidade: peixes de várias cores, navios naufragados, ruínas de templos de civilizações antigas, arcas com dobrões de ouro... cidades submarinas envoltas em cúpulas de vidro... até que vislumbrei uma sereia que vinha a nadar na minha direcção. Tinha cabelos negros ondulados e olhos de azul marinho. Ela chamou-me mais para o fundo, fui atrás dela; mas ela nadava depressa demais para mim, e começou a ficar muito escuro debaixo de água, já não a via, já não via o fundo... e de repente já não me lembrava de bóia nenhuma, de onde estava, de quem era; já não respirava há muito tempo.
Acordei à náufrago, mesmo à beira-mar, agarrado a uma gigantesca alforreca.Estava aquele fim de tarde em que o sol ainda não tinha desaparecido a poente e já a lua se tinha elevado. Não havia ninguém na praia, nem sequer a moça que tinha querido impressionar quando decidi nadar até à bóia que era ali tão perto... as pegadas já começavam a desaparecer da areia, apagadas pela brisa quente que soprava em direcção ao mar.Mal me levantei, fui rodeado por uma nuvem de melgas em busca do jantar. Não sentia o corpo, e o que sentia doía-me. Aproximei-me das coisas deixadas no areal, que eram o único ponto discordante na paisagem homogénea. No telemóvel vi que ninguém tinha ligado, que nenhuma mensagem tinha chegado entretanto.
Acordei à náufrago, mesmo à beira-mar, agarrado a uma gigantesca alforreca.Estava aquele fim de tarde em que o sol ainda não tinha desaparecido a poente e já a lua se tinha elevado. Não havia ninguém na praia, nem sequer a moça que tinha querido impressionar quando decidi nadar até à bóia que era ali tão perto... as pegadas já começavam a desaparecer da areia, apagadas pela brisa quente que soprava em direcção ao mar.Mal me levantei, fui rodeado por uma nuvem de melgas em busca do jantar. Não sentia o corpo, e o que sentia doía-me. Aproximei-me das coisas deixadas no areal, que eram o único ponto discordante na paisagem homogénea. No telemóvel vi que ninguém tinha ligado, que nenhuma mensagem tinha chegado entretanto.
Enquanto regressava a casa, de toalha ao ombro, pus-me a pensar que preferia viver no mar.
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