10 de fevereiro de 2005

Rechinhibru: "Posso dar uns toques contigo?"



"The universe will expand, and it will collapse back on itself, then will expand again. It will repeat this process forever. What you don't know is that when the universe expands again, everything will be as it is now. Whatever mistakes you make this time around, you will live through on your next pass. Every mistake you make, you will live through again, and again, forever. So my advice to you is to get it right this time around. Because this time... is all you have".

*

Lembro-me de, há uns anos, ir para a Faculdade de Ciências à boleia com o meu amigo Tonecas e com o pai dele. Íamos num jipe azul escuro; era muito de manhãzinha, e apesar de àquela hora já se ver a luz do sol, fazia um frio invariável.
Tinha uns 10 ou 11 anos quando conheci o Tonecas. Eu estava a jogar sozinho à bola, num campo de terra batida que havia perto de minha casa, onde todos os rapazes que aqui nasciam ou para cá vinham morar aprendiam a jogar, e onde se jogava de manhã à noite. As balizas eram feitas com três barras de andaime amarelo, aparafusadas entre si, e presas ao chão de terra castanha barrenta.
Nesse dia ninguém tinha aparecido, porque tinha chovido bastante de manhã. Mas mesmo assim eu fui jogar sozinho, porque sabia que o campo ia estar mesmo como eu mais gostava dele: com a terra fofinha, já quase seca pelo sol que entretanto aparecera. Mesmo muito calcado pelos pés alegres de gerações de rapazes que ali cresceram, as ervas teimavam em crescer à periferia do campo.

O Tonecas apareceu e pediu para jogar comigo; no dia a seguir já o tinha ido chamar a casa para irmos jogar outra vez; carrego na campainha que nunca ouvia tocar, chamo-lhe António ou Ricardo? sei lá se o pai gosta que chamem Tonecas ao filho, O António está?
Nesse dia não imaginava que uns anos mais tarde estaria em casa dele, com outros amigos meus, e com o pai dele a dar-nos a provar do vinho e da aguardente dele...
Uma vez o Tonecas escorregou numa poça do campo, quando estava a tentar roubar uma bola ao Motinhas, e partiu um pulso. Uma das minhas recordações mais vívidas é ele a levantar-se e passar à frente da baliza (onde eu estava a jogar a guarda redes) correndo em direcção a sua casa, agarrado ao pulso que oscilava, desamparado, e gritando, Parti o pulso! Parti o pulso!, enquanto saiam disparados da sua boca pedaços de biscoitos amarelos que estava a comer enquanto jogava...
Foram dias seguidos em casa dele a jogar Elifoot, Championship Manager 2 ... mais tarde, ajudei o Tonecas com a Matemática e com as Físico-Químicas. Já há muito tempo que lhe chamavam Tonecas, Rechinhas, Rechinhibru (alcunha mítica e cujas origens se perdem no tempo) ... até Manecas já alguém lhe chamou um dia.

Lembro-me de esperar à minha porta, de manhãzinha, até que ele e o pai assomassem lá ao fundo da rua no jipe azul escuro. Outras vezes tinham que tocar à minha porta porque eu, podre de sono, tinha-me deixado ficar na cama. Davam-me boleia porque o Tonecas andava no Colégio Moderno, que fica perto da Faculdade de Ciências. Nessas viagens desde Queijas até à Cidade Universitária, pela 2ª circular, ouvia encolhido no banco de trás a Mega FM... o sol ficava mais alto durante o percurso, e todas as manhãs tocava a "Linger" dos Cranberries. Sempre achei aquela música muito meiga, optimista, esperançosa, e nunca tinha ligado à letra. E é por isso que quando a oiço, apesar de hoje perceber muito melhor a mensagem dessa letra, me lembro sempre dessas manhãs em que o jipe me deixava no relvado gelado e húmido da reitoria da cidade universitária, e essa é uma memória refrescante e jovial.

Entretanto as coisas foram mudando. Foi ele que me deu o meu primeiro quadradinho de ganza, a mim, que nem nunca querera saber disso para nada, mas que queria experimentar com a namorada na altura.

Ele foi para Coimbra estudar.

Eu já não preciso de boleia para a FCUL...

*

Raras vezes passo agora pelo campo do bairro dos bombeiros. Como diz um amigo meu, "custa olhar para lá". As balizas, agora vermelhas de ferrugem, desistiram e tombaram no chão; estão cobertas por arbustos bastante mais altos que eu, que invadiram todo o terreno de jogo. Já ninguém vai para ali...
Dizem que alguém comprou aquele terreno há muitos anos e decidiu que ali não se construia para que se pudesse jogar à bola...

Encontrei o irmão dele há dias no Pingo Doce, nas compras, O teu irmão, 'tá bom? 'Tá lá pa Coimbra, mas ele há de vir cá votar!, olho para o número dele no meu telemóvel, já não o vejo há bem mais de um ano.

E agora, vai para 15 anos desde o dia em que pequeninos, jogámos à bola juntos pela primeira vez. Hoje, mais velho, oiço Pink Floyd, como azeitonas... e bebo minis por ocasião das festas de S. Miguel, aqui em Queijas, ano após ano, encenando que Parti o pulso! Parti o pulso!, abanando a mão, fingindo ter a boca cheia de biscoitos, correndo em volta dos amigos desse tempo enquanto eles se riem como se fosse naquele dia.
Invariavelmente.

8 comentários:

  1. Revisitando memórias... Na minha rua antiga também havia um baldio onde jogávamos à bola. Nas férias era de manhã à noite e, incrivelmente ao não, havia sempre alguém disposto a jogar. Também tinhamos as ervitas que teimavam crescer, tentando resistir ao talento dos jogadores. O nosso campo era ligeiramente inclinado, o que fazia que regras especiais como "a bola sai de quem joga para cima" existissem. As nossas balizas não eram tão boas, limitavam-se a enormes calhaus, reforçados com as mochilas da escola. Era sempre uma guerra para saber se era dentro ou fora da baliza. O engraçado era a barra: "pá, foi muito alto, não chegava lá, foi pa fora!". Esta regra, embora às primeiras pareça estúpida, tem o seu quê de igualdade: a baliza era ajustada à envergadura do redes! Lá pelo meio haviam também umas árvores que atrapalhavam um bocado, mas não o suficiente! Se se continua a jogar por lá? Durante muito tempo falou-se que um ringue ia ser por lá construido. Este falou-se assim muito do género do ouvi falar, pareceu-me ouvir alguém dizer... Pois bem, o terreno foi transformado num parque de estacionamento... e também a mim me custa olhar para lá!

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  2. Seus maricas da terra batida.. :P:P eu cá aprendi a jogar à bola no belo do asfalto!! Aqui atrás do prédio da minha avó, onde há um pequeno "largo" com garagens. As balizas eram às vezes garagens, ou paredes. Os jogadores eram.. as 3 pessoas da minha geração, 2 rapazes e uma rapariga. Hoje em dia continuo muito amigo do rapaz, mas a rapariga, tornou-se modelo ou uma coisa assim e quando passa por mim empina o queixo. ( LOLOL eu acho piada :P ). Mas lembro-me de voltar para casa a anoitecer, invariavelmente com sangue nos dois joelhos e às vezes nas palmas da mão. Eu ate gostava, e preferia que todas as dores fossem como aquelas.. :)

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  3. Sim eu sei
    Que tudo são recordações
    Sim eu sei
    É triste viver de ilusões
    Mas tu foste
    A mais bela história de amor
    Que um dia me aconteceu
    E recordar é viver
    Só tu e eu



    Aaaaaaaaah, a nostalgia de voltar a casa com a t-shirt ensopada em cima do corpo depois de andar na rua a correr feito maluco... os amigos do bairro (yo)...

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  4. Tens razão, Cosmic... muito pouca coisa é por acaso quando eu escrevo. Se fosse por acaso, será que valia a pena escrever?

    Tenho muitas memórias de infância e adolescência que valeria a pena consagrar... algumas delas sê-lo-ão com certeza no meu próximo boom de escrita. Tenho mais uma ideia para pôr em prática, e depois voltarei a descansar por mais uns tempos... :)
    Beijinhos e abraços, pessoal...

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  5. Pita:
    O teu comentário surpreendeu-me pela positiva - aliás, já tinha tido oportunidade de to dizer. Saúdo a tua perspicácia; tens razão, de facto sou uma pessoa que olha muito para trás e procura muito (talvez obsessivamente) o conforto nas boas recordações. Sem dúvida que esse recordar é propiciado pela situação actual em que me encontro, de tristeza profunda, desânimo, desmotivação, desconsolo. Mas a verdade é que quando me lembro destas coisas e destas pessoas, acende-se na escuridão do presente uma luzinha, surge um sorriso quente... como um fósforo nas mãos de uma criança mendiga à neve na noite de natal (lololo)... um pouco como quando eu estou aqui ao computador, no meu "escritório" gelado, e ponho a mão por cima do candeeiro; deixo-a estar até aguentar, porque aquilo queima... e parece que todo o corpo fica temporariamente animado por aquele calor :)
    Com estas recordações é a mesma coisa: bem sei que talvez recorra a elas por motivos "patológicos", mas isso não significa que não tenha por elas um profundo carinho e reconhecimento. Aliás, tu sabes disso, porque muitas dessas recordações também te incluem :) Também lá estavas a mamar do tintol do velho do rechinhas! Estas coisas são para ser ditas! E essa alusão aos ouriços é outra dessas recordações gloriosas...

    Tens razão, o tempo vai melhorar... não é que esteja mau de todo: os agricultores queixam-se, mas acho que nunca tive tão pouco frio no inverno. Lembro-me de quando íamos para a secundária de carnaxide, ter aulas de manhãzinha... eu cheio de camisolões e mesmo assim ia a bater o dente! Mas sim, eu entendo. A ver se a gente apanha um bocado de sol - parece que os níveis de serotonina estão intimamente relacionados com a exposição ao sol. Pelo menos é o que dizem os gajos dos países do norte da europa. Tenho de admitir que os compreendo bem, visto que nos últimos tempos tenho-me exposto mais às radiações lunares ;)

    Deixo-me de merdas? Está bem, eu deixo, lol... assim 'tá bem! Mas não percebi essa dos dois dentes na testa e do olho no sovaco cabeludo. Bem, quem se mete a cantar músicas com letras do estilo "pão com queijo, pão com manteiga, pão com mortadela" é capaz de tudo, mesmo ... :))))

    Um abraço, pita, e continua com as tuas intervenções de bom nível :)

    Gallins

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  6. Olá... Resolvi comentar este porque me tocou especialmente. Em relação à tua escrita, já sabes que adoro, tens imenso jeito para transmitir o que sentes de uma forma que deixa quem lê com o olhar fixo até ao fim e sempre a querer ler mais... Ao ler, senti imediatamente uma enorme saudade nas tuas palavras o que me remeteu para as milhentas saudades que sinto principalmente de momentos que queria voltar a viver. Ao ir para lisboa, senti uma enorme tristeza por o meu dia a dia ficar muito menos apetecível sem aquelas pessoas que mais me compreendem que mais não seja por termos histórias, piadas e brincadeiras que mais ninguém percebe e que tornam as nossas relações tão especiais. Quero que saibas que apesar de te conhecer há não muito tempo espero que não percamos o contacto pois sinto que és uma pessoa muito especial e ainda bem que naquele dia resolvi ir ao mirc... ;)

    Beijinhos,

    HannaH

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  7. Elifoot....isso sim é uma memória :)

    Um abraço

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  8. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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