Vestido a rigor para a ocasião.

     Estava a tomar um duche e a lavar o cabelo e a água ficou fria. Sabia que a botija de gás estava no fim mas gosto de viver ali no limite. Também sabia que havia outra botija de gás cheia, mas tinha que descer três andares e trocá-la.

    Lá amarrei o cabelo em palmeira mesmo no cucuruto da cabeça, todo cheio de champoo, na testa e tudo.

     As minhas pantufas são silenciosas, o que é uma característica útil quando não se quer fazer barulho a descer escadas. Não que fosse um escândalo se me vissem nas escadas assim. Quer dizer: eu não me importaria, mas não gosto de ferir susceptibilidades. Seja como for eram dez e meia da noite, dificilmente esbarraria em algum vizinho.

     Então desci até ao rés-do-chão, acendi a luz das escadas, e abri a portinha onde estão as botijas de gás dos apartamentos todos. Mas a luz não entrava lá para dentro, e tive dificuldades em trocar a botija só aos apalpanços. Nem consegui sacar a cobertura de plástico da botija nova.

       Voltei a subir os três andares e fui buscar uma faca e o telemóvel para me dar luz.

     Tornei a descer os três andares, e mesmo com a ajuda da faca e a ver demorei alguns minutos a concluir a tarefa.

     Antigamente, quando a minha casa em Lisboa tinha gás de botija, lembro-me de ir muitas vezes comprar botijas a uma mercearia e transportá-las ao ombro até casa, e não era muito fácil andar 500 metros e subir escadas com aquele peso. Nesses anos estava habituado a trocar, até porque o plástico era fácil de tirar. Mas este era mais complicado.

     Então torno a subir as escadas silenciosamente. A luz estava acesa.

     Na plataforma entre lanços, entre o primeiro e o segundo andar, surpreendo dois gajos. Um encostado à parede, de calças nos joelhos. O outro, de joelhos. Aquele que estava de joelhos continuou despreocupado a fazer o que estava a fazer. O outro olhou para mim de cima a baixo e sorriu-me.

    Gajo encostado à parede (a sussurrar) - Ainda bem que chegaste. Pensava que te ias cortar! E acabadinho de tomar banho e tudo...

     STP (a sussurar) - Err... Olha que não sou eu.

     Estavam portanto à espera de mais outro gajo. Mas pararam os dois, afinal tinham sido descobertos.

     Gajo de joelhos (a sussurrar) - Não és? Pena...

     Continuei a subir as escadas.

     STP - Eu não vi nada, curtam a cena, opá quem nunca? Tranquilo...

     E fui continuar o banho. E no duche dei-me conta de que fui para as escadas do prédio de toalhinha enrolada à cintura, de robe de turco, de pêlo comprido, roxo, que me deixa o peito à mostra, com cabelo amarrado em palmeira e de unhas das mãos pintadas.