15 de dezembro de 2023

Inception


*

    Estava num enorme palco num estúdio de televisão, num concurso, em frente a uma espécie de tribuna com duas juizas. O espaço estava meio na penumbra, com luzes arroxeadas. Em pé, de mãos apoiadas numa mesa, acompanhava uma miúda pequena que não conhecia, sentada num banco alto. Na mesa, estava uma folha de papel com uma equação diferencial manuscrita.

    E conferenciava com a miúda, e ela dizia-me que não percebia se aquele era um sinal de somar ou de dividir, porque estava mal escrito. A dúvida dela era aquela. "Porque a resposta é muito diferente! Assim não consigo resolver...". E eu também não conseguia ter a certeza. Uma dúvida insanável.

   Teria então acabado o tempo que nos fora concedido, e a miúda ficou sentada no banco alto, mas eu fui levado para os bastidores por uma professora. Exaltei-me e disse-lhe que não era justo entregarem uma questão tão mal escrita, mas a professora disse-me que não valia a pena reclamar.

    "Já me deixei estar calado muitas vezes, mas não me peça para me calar com uma injustiça destas!" - disse-lhe em voz alta enquanto era encaminhado para fora do palco.

    Depois, durante um bocado quis gritar e esmurrar uma parede, mas a voz não me saía e também não me conseguia mexer.

    Batem à porta do meu quarto e acordo. Meio estremunhado, levanto-me, visto o robe e saio para o hall. Recebo um abraço fraterno da Senhora Mãe, que me diz que lhe pareceu que eu estava a sonhar.

    Entretanto ela põe-me nas mãos um postal-convite para uns anos ou um baptizado ou um evento do género, de alguém que não conheço, e que vinha endereçado aos dois, com o meu nome enganado e mesmo assim mal corrigido, à mão.

     E depois vêm apertar-me a mão e despedir-se elementos da família dela que não me recordo de ter conhecido.

   Prossigo para a minha sala. Encontro os meus pais, que conversam comigo à vez sobre amenidades.

    Enquanto me dirijo para a cozinha, vou-lhes dizendo que tive um sonho estranho e ia começar a descrevê-lo. Mas havia um wok ao lume no fogão, com batatas pequeninas cozidas com casca a saltear, como a minha avó costumava fazer, com azeite, alhos esmagados e coentros, já em risco de queimar. Tinha de tomar as rédeas da situação. Cheirava a noz moscada.

    Reparo agora que estou com luvas de forno calçadas e não as consigo tirar. E agora vejo quando olho por cima do ombro que já não estão lá os meus pais, mas sim os meus "ex-sogros". E a minha ex-sogra ajuda-me a tirar as luvas e eu lá consigo salvar as batatas antes do point of no return. E depois vem com um tupperware com mais batatas e um punhado de massinhas fusilli cozidas e despeja tudo para o wok. "Põe estas também!".

    E acordo novamente, e desta vez é mesmo a sério. Acabei por dormir uma sesta de pouco mais de uma hora e meia e estou a sentir-me bastante melhor.

    Ahh, pai, estás aqui, oh! (bato com o punho fechado no peito). Tu é que sabias.

4 comentários:

  1. O still sogro e a sogra, os parentes por afinidade não desaparecem com o fim das relações.

    Os nossos avôs, avós, mães e pais souberam tudo. Souberam tanto quanto a saudade que lhes sinto.

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    1. Não é bem assim…
      Anyway, é o que é!
      Também tenho as minhas saudades. Mas é engraçado que é rarissimo sonhar com estas personagens todas.

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  2. Actually... Com a reforma de 2008 o artigo 1585.º do Código Civil sofreu uma alteração. As relações de afinidade passaram a cessar com a dissolução do casamento por divórcio.

    Redacção actual:

    ARTIGO 1585.º
    (Elementos e cessação da afinidade)
    A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela dissolução do casamento por morte.

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  3. Sempre a aprender! Obrigada, senhora advogada 😊

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