Acordei assarapantado e a primeira coisa que fiz foi enviar uma mensagem a uma colega minha a dizer que estava atrasado. Saí de casa em menos de 10 minutos, e até tive alguma sorte com o trânsito, porque consegui chegar antes do resto da equipa. Vinha a conduzir e deu na rádio comercial uma música que já não ouvia há muito tempo, mas que me dá sempre um conforto especial.
No intervalo das cirurgias, estava eu a relaxar numa cadeira, com dores nos joelhos por ter estado não sei quanto tempo em hiper-extensão, e gerou-se uma conversa interessante sobre casamentos e relações homem-mulher, tida entre quatro pessoas pertencentes a três gerações.
Reconheço que não disse quase nada, contribuindo esporadicamente com perguntas e apontamentos mínimos. Estava demasiado cansado para pensar.Então, deixei-me ficar a ouvir na maior parte do tempo.
Reconheço que não disse quase nada, contribuindo esporadicamente com perguntas e apontamentos mínimos. Estava demasiado cansado para pensar.Então, deixei-me ficar a ouvir na maior parte do tempo.
Já quando vinha para casa a conduzir o Flower-Power (tenho que lhe tirar uma foto) pus-me a pensar na conversa. As ideias preliminares que tive foram essencialmente que as coisas mudaram muito depressa nas últimas décadas e gerações. E talvez a contribuição com que mais concordei - não porque tivesse discordado das outras - foi pela pessoa de quem talvez menos esperasse. Diz ela que as relações agora não funcionam e são mais complicadas porque as pessoas não têm tempo nenhum, e quando têm, querem-no para si porque não têm energia.
Não quero com isto dizer que noutros tempos as pessoas eram desocupadas. Na verdade, no tempo dos meus avós acredito que não haviam tantas facilitações nos trabalhos árduos, e hoje em dia não é tão frequente apertar uma mão calejada como seria antes. Mas mesmo com todas as benesses, a verdade é que as pessoas passam mais tempo fora de casa, gastam mais tempo a deslocar-se de uns sítios para outros - muitas vezes a correr contra o tempo - sempre preocupadas com algum documento para ser entregue, alguma conta para pagar, algum telefonema inadiável, algum percalço que as obriga a ser criativas ou a redefinir prioridades a todo o momento. No fundo as variáveis são mais, as solicitações são mais, e a pressão para o êxito e para a so called felicidade é maior. E no entanto, tenho a certeza que hoje em dia, mesmo com um conhecimento mais profundo do mundo exterior e com muito mais caminhos possíveis para percorrer do que há 30 ou 40 anos, a verdade é que estou convencido de que somos muito menos felizes e muito mais insatisfeitos do que os nossos ascendentes. Talvez este seja outro dos tais casos em que mais é menos.Não me posso queixar. Há dias em que estou de banco, outros em que as cirurgias demoram mais tempo do que o previsto (ou o tempo previsto, quando é muito, e sempre em pé), mas por enquanto na maioria dos dias tenho-me conseguido escapar mais cedo do que a maioria das pessoas consegue nos seus empregos. E assim venho para casa sem ser em hora de ponta, o que é uma situação win-win. Mas mesmo assim não é preciso beber um copo de gasolina para saber que mata. Já me retira suficiente energia para perceber que transportes ou carro, hora de ponta, um horário 9-17, nova hora de ponta, contas para pagar, família própria e alheia, amigos, uma casa que não é nossa apesar de o ser... sobra pouco para dar a alguém. Aqui já não sei o que pensam as outras pessoas, embora imagine. O que sei é que o que sobra agora, e o ainda menos que sobrar daqui a uns tempos, só me permitirei dá-lo se não conseguir evitá-lo - por outras palavras, se não resistir a fazê-lo. Já aconteceu antes (embora com problemas e lacunas derivadas do status quo que descrevi atrás), poderá acontecer novamente? Talvez.
Não quero com isto dizer que noutros tempos as pessoas eram desocupadas. Na verdade, no tempo dos meus avós acredito que não haviam tantas facilitações nos trabalhos árduos, e hoje em dia não é tão frequente apertar uma mão calejada como seria antes. Mas mesmo com todas as benesses, a verdade é que as pessoas passam mais tempo fora de casa, gastam mais tempo a deslocar-se de uns sítios para outros - muitas vezes a correr contra o tempo - sempre preocupadas com algum documento para ser entregue, alguma conta para pagar, algum telefonema inadiável, algum percalço que as obriga a ser criativas ou a redefinir prioridades a todo o momento. No fundo as variáveis são mais, as solicitações são mais, e a pressão para o êxito e para a so called felicidade é maior. E no entanto, tenho a certeza que hoje em dia, mesmo com um conhecimento mais profundo do mundo exterior e com muito mais caminhos possíveis para percorrer do que há 30 ou 40 anos, a verdade é que estou convencido de que somos muito menos felizes e muito mais insatisfeitos do que os nossos ascendentes. Talvez este seja outro dos tais casos em que mais é menos.Não me posso queixar. Há dias em que estou de banco, outros em que as cirurgias demoram mais tempo do que o previsto (ou o tempo previsto, quando é muito, e sempre em pé), mas por enquanto na maioria dos dias tenho-me conseguido escapar mais cedo do que a maioria das pessoas consegue nos seus empregos. E assim venho para casa sem ser em hora de ponta, o que é uma situação win-win. Mas mesmo assim não é preciso beber um copo de gasolina para saber que mata. Já me retira suficiente energia para perceber que transportes ou carro, hora de ponta, um horário 9-17, nova hora de ponta, contas para pagar, família própria e alheia, amigos, uma casa que não é nossa apesar de o ser... sobra pouco para dar a alguém. Aqui já não sei o que pensam as outras pessoas, embora imagine. O que sei é que o que sobra agora, e o ainda menos que sobrar daqui a uns tempos, só me permitirei dá-lo se não conseguir evitá-lo - por outras palavras, se não resistir a fazê-lo. Já aconteceu antes (embora com problemas e lacunas derivadas do status quo que descrevi atrás), poderá acontecer novamente? Talvez.
Voltando a essa pessoa, mais próxima da minha geração do que as outras duas, não disse nada disto. Resumiu muito mais a opinião dela. Escutei-a e ganhou-me bastante mais consideração.
Tenho pensado em tudo isto, mas ao contrário. Ou seja: quando uma pessoa se encontra insatisfeita com alguma vertente da sua vida, por exemplo - e quiçá mais frequentemente - a vertente amorosa, muitas vezes encontra outros objectivos ou escapes para canalizar a vontade e a pulsão. Há quem escreva, há quem coma demais, há quem beba mais copos que a conta, há quem passe o maior tempo possível a dormir, e há quem se ocupe com um tão sem número de coisas de tal forma que nem lhe dê tempo para pensar nele mesmo ou tropeçar em avenidas sombrias nas personagens-fantasmas que o assombram - ou na falta delas, consoante o caso.
Uma vida muito preenchida dá muito menos espaço para frustrações emocionais. Tenho ido muitas vezes ao ginásio ultimamente - lá está, tenho tido tempo para o fazer, embora não saiba até quando; nunca fui muito de ginásios, tenho de admitir, e até há amigos admirados com a minha opção. Mas a energia dispendida, o cansaço físico e o libertar de endorfinas compensam muito. Uma pessoa deixa de se preocupar tanto com coisas que pareciam intransponíveis antes. Quase que desaparece a frustração decorrente dessas coisas. É uma droga natural, de obtenção fácil, e com benefícios para a saúde.A pessoa recupera ou reforça a sua autoestima, e dessa maneira fica mais protegida: olha os outros ao mesmo nível e não deixa que a pisem ou que lhe roubem o amor-próprio; ganha força para tomar decisões difíceis; ganha coragem para perder (?) coisas, sofrendo um pouco, é certo, mas por bens maiores, e o bem maior é ela mesma.
Em compensação, talvez fique menos predisposta a abdicar desse bem estar - que é certo e seguro - e arriscar uma relação com alguém. Eu sei que esta relação que estou a tentar explicar é um tanto obscura, mas a verdade é que me sinto muito menos disponível para isso do que antes - simplesmente tenho pensado muito pouco nisso, o que não era hábito em mim. Talvez também por isso eu não tenha contribuído muito para a conversa de hoje.
Já ao fim da noite, começou a dar o Dr. House na televisão e eu fui ver. Às vezes há coincidências, e esta é uma delas: o episódio começou precisamente com a primeira música que ouvi de manhã, e que vos deixo aqui.
Já ao fim da noite, começou a dar o Dr. House na televisão e eu fui ver. Às vezes há coincidências, e esta é uma delas: o episódio começou precisamente com a primeira música que ouvi de manhã, e que vos deixo aqui.
A heart that's full up like a landfill,
a job that slowly kills you,
bruises that won't heal.
You look so tired-unhappy,
bring down the government,
they don't, they don't speak for us.
I'll take a quiet life,
a handshake of carbon monoxide,
with no alarms and no surprises,
no alarms and no surprises,
no alarms and no surprises,
Silence, silence.
This is my final fit,
my final bellyache
with no alarms and no surprises,
no alarms and no surprises,
no alarms and no surprises please.
Such a pretty house and such a pretty garden.
No alarms and no surprises (get me outta here),
no alarms and no surprises (get me outta here),
no alarms and no surprises, please.
Been there, done that... know the feeling very well... :)
ResponderEliminarHorácio.. o nome desse senhor é Horácio..
ResponderEliminar