9 de abril de 2007

Artes e ofícios

Os pescadores amadores são criaturas interessantes. Isso e estranhos. É-me totalmente incompreensível como é que estes seres ficam horas e horas a lançar linha. O resultado final parece não ser compensador: uns quantos miseráveis peixes num balde resgatado à esfergona da cozinha. Para tornar tudo ainda mais estranho, as suas companheiras parecem fazer ponto de honra em acompanhar os respectivos. Algumas têm até direito à sua cana, sempre mais pequena e com uma localização sempre subalterna, ficando porém a maioria com a missão de abrir latas de conserva e tricotar adoráveis “naperons”.

Isto leva-nos a duas questões.
Primeiro, mas porque é que as pessoas que vão pescar alegremente comem sempre conservas de peixe? Mas então porque é que vão pescar? E não estão suficientemente perto dos peixes e do mar?
E que cálculos de mestre são esses, que matemática elaborada está por detrás da localização de uma cana? Qual é a diferença entre um “spot” e outro? O processamento das diferentes variáveis é feito por estes homens a velocidades não conseguidas em silicon valley, computando o vento, as correntes, a temperatura ambiente e da água, a altura da maré e a espécie a pescar enquanto mandam a baixo uma sandes de presunto.
“É aqui!”. Não adianta nem dizer que ali é perigoso, uma escarpa que estoicamente resiste aos agentes erosivos. O facto de ciclicamente se ter de desviar das vagas também não demove o pescador, tão pouco os ventos cruzados que o podem apanhar como a qualquer folhita de Outono.
E o quão precioso é a sua captura? Tais criaturas, quando vêem a cana a dobrar, lançam-se em ferozes lutas contra o peixe. Tão ferozes que o risco de caírem pela ravina a baixo torna-se real, muito real! Quando não tiram uma bota ou um molho de ulvas, o peixito é ridículo, não enchendo a cova dum dente.
Também os há que vão para a praia. Esses ainda me conseguem espantar mais, pois não só os cálculos da localização da cana entram para o domínio do divino como têm outra característica: fanfarrões. Estendem o arsenal de canas paralelamente ao mar, normalmente 4 ou 5 por pescador. Detenho-me aqui para pensar no que acontecerá se todas elas se dobrarem ao mesmo tempo. O tal balde está lá, mas agora à mercê da curiosidade dos banhistas que curiosos, têm uma atracção fatal por tal espólio. Esta curiosidade é desfeita quando ao olhar para o balde o que se vislumbra é não mais que um molho de algas e alguns peixitos aterrorizados. Os fanfarrões normalmente têm uma grande logística por de trás, com 2 ou 3 chapéus-de-sol, umas tantas geleiras e, não só a companheira, mas também família e amigos. Estes especialistas da pesca são tão confiantes que, entre capturas, apanham banhos de sol, dão à língua e ao dente, jogam os mais variados jogos de praia e, para espanto meu, banham-se ruidosamente nas mesmas águas onde tentam pescar…

Ele há cada cromo!

2 comentários:

  1. Ai, desculpa lá, mas eu adoro pescadores. Lol... epá, tentei ser argumentativo, mas vou parar já por aqui, não é o meu feitio :p

    Gosto tanto mais quanto maior a criatividade a escolher o isco! Poderias ter falado também nisso! "Já o meu avô dizia que uma tira de presunto enrolada num dente de alho é o melhor isco! Apanham-se espadartes com isto!", "Não, não! Isso é porque ainda não experimentaste com este musgo que só existe em algumas árvores do Monsanto, nos troncos virados para Norte!".

    Também gostei da parte da logística. Por trás de um grande pescador de Domingo existe sempre uma geleira com minis. Ir à pesca e não mandar umas abaixo até parece mal. Mas ainda gosto mais dos que vão pescar, mas têm ao lado um rádio aos altos berros a dar o relato do benfica. É lindo! "Aí vai Simãozinho, passa para Petit, a bola rola por banda do meio-campo do Benfica, é Nélson agora*Fodax que o peixe hoje não pica*contra-ataque da equipa contrária e é golo!*Oh maria, vamos embora que os peixes hoje estão em casa a ver o benfas!".

    Grande abraço, puto. Continua. E não há texto teu que seja mau, já te disse.

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