28 de novembro de 2007

Perturbação Humorística #2



IRC mode on

[STP] - Nem tudo o que parece é, não é Rui? É sempre melhor olhar duas vezes para uma banana inofensiva!

[Hartman] - Para isso e para as atitudes e gestos que as mulheres possam ter, pois nem sempre são o que parecem à primeira vista... e por falar em olhar duas vezes, se o corpo for agradável é de facto uma acção a tomar!

[STP] - Pfff... mesmo que não seja agradável olha-se duas vezes. O que não quer dizer que não se leve uma facada à mesma!

[Hartman] - Bah. Menino. Lá porque já só tens um dos intestinos e metade do fígado...

[STP] - Cicatrizes de guerra sempre deram charme. Fuckin' vietcongs!

[Hartman] - Por entre mortos e feridos, alguma há de se papar


[STP] - LOOOOOOL!


[STP] -
Subscreve-se a visita ao seguinte link:
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Implicações do texto do link ao presente post ficam por vossa própria conta e risco!



IRC mode off




20 de novembro de 2007

Tetris 8 - Tão a Solo...


Não podia ter escolhido pior dia para dar um passeio à noite. O barulho que a chuva fazia na clarabóia do meu prédio não ficaria nada a dever ao ruído de uma enorme cascata. Ainda assim, achei que os ares da noite me haviam de fazer bem; não conseguia dormir com o som da chuva lá fora, e por isso decidi ir ter com ela. Nem sempre estou de acordo convosco, que acham que é a melhor música para adormecer. Não hoje. Não às duas e tal da manhã.
A luz amarela dos candeeiros empasta os prédios, os carros, os contentores do lixo... e cria uma atmosfera de solidão cinematográfica. Aqui e ali ouve-se, vez ou outra, o patinhar encharcado de algum cão que ainda não encontrara abrigo. Quanto a mim, mantenho-me na esquina de um prédio, com a protecção da varanda de um primeiro andar, e uma fila ininterrupta de gotas gordas cai lá de cima, passa a menos de meio centímetro do meu nariz - sinto-lhe o vento nos lábios... - e vai explodir nas pedras da calçada, humedecendo aos poucos as baínhas mal feitas das minhas calças de ganga. Poderia dizer que são umas jeans, dando aqueles ares de escritor maduro que teve as primeiras calças de ganga aos 18 anos. São bonitas, as minhas jeans. Talvez as tenha comprado para disfarçar de mim mesmo o que quer que haja dentro de mim que não sinta que é tão bonito assim. É uma frase complicada.
E este fumo que sai da minha boca e que invade a noite que chora, podia ser de um cigarro. Mas é apenas vapor de água que não se consegue esconder no ar saturado de humidade. Mesmo assim, junto aos meus pés, junto à explosão das gotas gordas que vêm do prédio que me abriga, encontram-se dezenas, talvez centenas de beatas. Deixaram-nas ali abandonadas quando perderam a luz, e como se deus quisesse ter a certeza de que não se tornavam a acender, fez-lhes desabar mesmo em cima uma enorme torrente de água.

Talvez já alguém ali tivesse estado antes de mim.
Talvez me fizesse bem avançar uns passos para o meio da rua e ser atingido em cheio na cara pela água fragmentada que cai lá de cima. Seria uma novidade se a água caísse de baixo ... Seja como for, estou demasiado apático para tal, e deixo-me estar bem seguro debaixo do meu abrigo.
Lembro-me que há uns bons 15 anos passei nesta mesma rua - no meio da estrada - por volta das 16h, vindo de uma aula qualquer, e começou a desabar a maior tempestade de granizo que já vi até hoje. Mas vinha armado em triste, numa daquelas alturas em que, na adolescência, temos a mania que somos melancólicos e resolvemos dar uma de auto-castigadores, quando na verdade somos muito felizes e nem o sabemos. E como vinha armado em auto-castigador, resolvi não me abrigar do granizo, e até me dei ao luxo de abrandar o passo, apesar de qualquer um dos fragmentos que caiam ter o potencial de me abrir a cabeça, ou, como se diz na gíria, de causar um traumatismo craniano. Cheguei a casa com as orelhas avermelhadas e a arder, com o raspar das pedras de gelo que me pouparam a cabeça propriamente dita. Só me lembrei disto muito mais tarde, quando já estava convencido há muito tempo de que tinha uma fada madrinha que olhava por mim, e quando o fiz, tal recordação tão só se me afigurou como mais uma prova que apoia a sua existência.
Mas hoje não me apetece dar trabalho à minha fada madrinha.
O cheiro que emana dos caixotes do lixo empresta à noite um hálito adocicado de cascas de laranja, arrancadas do fruto há algumas horas. É interessante... os cheiros nunca são dados, apenas emprestados. Até o cheiro de alguém de quem gostamos muito só é nosso enquanto esse alguém não se vai embora - só enquando o sentimos. Depois, esse alguém vai-se embora, e o cheiro fica emprestado apenas durante algum tempo. Pode ficar mais uns dias na nossa roupa, ou duas ou três noites mais na nossa cama se não mudarmos os lençóis; mas vai desvanecendo devagarinho, vai-se transformando numa nuvenzinha cada vez mais fininha que entra pelo nosso nariz e se entranha nas profundezas do nosso cérebro como quem não quer a coisa, e ali fica, bem enquistado o cheirinho num qualquer centro nervoso de memória olfactiva, conseguindo até que finjamos que nos esqueçamos dele. E quando menos esperarmos, sentimos de novo esse perfume na rua, numa casa, nas roupas de alguém, nem que seja só uma miragem olfactiva ou uma alucinação, e eis que essa nuvenzinha enquistada rebenta com o nosso cérebro, inundando-nos de todas as saudades e sensações dolorosas que lhe vieram pegadas. Porque os cheiros também podem ter destas coisas: são pegajosos - como algodão doce - a tudo o que é memória relacionada, e são autênticas bombas relógio sem ponteiros nem dígitos. É como quando abrimos aquelas caixas de onde salta uma mola com um palhaço e faz BOOOINGGG! e mesmo estando fartos de saber o que vai acontecer, assustamo-nos sempre com uma vertigem na barriga e um suster de respiração. Pode até acontecer que essa bomba só rebente quando o relógio já nem tiver ponteiros nem dígitos, mas uns símbolos quaisquer que marquem o tempo no futuro, numa altura em que somos velhinhos e nem o nosso próprio cheiro é o mesmo, nem o da pessoa de que gostamos, que se deita todas as noites ao nosso lado desde o momento em que voltou após se ter ido embora daquela vez e apenas ter deixado a memória do seu cheiro.

Agora aparecem no meio da chuva e do hálito nocturno a cascas de laranja os homens do lixo.
Há duas noites estava parado no meio do trânsito, porque lá à frente estavam os homens do lixo a despejar aqueles contentores subterrâneos com um camião que tinha uma enorme grua. A tarefa demorou alguns minutos, tantos que rodei a chave e desliguei o motor. Na altura não chovia, e portanto os homens demoraram o tempo que quiseram; e eu estava acompanhado - havia alguém ao meu lado - mas ambos ficámos calados à espera que a fila de automóveis com os seus stops vermelhos, explosivos, se pusesse finalmente em movimento. Havia um silêncio muito intenso naquele carro, tão alto que quase não me deixava ouvir os guinchos da grua, lá à frente, a sacudir os contentores do lixo para dentro do camião. Desejei que a grua viesse e despejasse também a minha cabeça de todo o lixo que cá tem, e que já não cheira a laranja descascada há algumas horas. Apesar de acompanhado, acho que nunca na vida me senti tão a solo.

Mas hoje os homens do lixo vêm a correr por causa da chuva. Ouve-se uma travagem algo brusca que separa da estrada uma onda de partículas de água mesmo à minha frente, mas antes disso já os homens saltaram da parte de trás do camião e se precipitaram para os contentores do lixo. A rua é invadida por uma rave de luz laranja intermitente; e como a pressa é inimiga da perfeição, salta um saco - do Pingo Doce - cheio de lixo de um dos contentores, e vem a rebolar até mim até descruzar as suas asas e se abrir a meio metro dos meus pés, enquanto os homens assobiaram, as suas mãos se agarraram aos varões, e o camião já arrancou para esvaziar a vila do resto da sua podridão.
Vejo agora, no meio de uma poça de água no chão, um monte de cascas de laranja, duas embalagens de iogurte Yoplait, e aquilo que parecia ser um embrulho de pastelaria com dois ou três bolos bolorentos, entre outras coisas. Aquelas cascas de laranja podiam ter sido aproveitadas para fazer fruta cristalizada, para pôr num bolo rei. O Natal até está à porta...
E talvez alguma criança conseguisse construir um telefone artesanal com as embalagens de iogurte e com o cordel do embrulho.
Mas isto é a minha alma de eterno reparador de causas perdidas a falar. Na verdade, é apenas lixo.
Lixo que nem os homens do lixo quiseram.

5 de novembro de 2007

Perturbação humorística - 1



A pedido de algumas famílias, decidi publicar esta tira de comics. Ri-me imenso com ela quando a vi a primeira vez, há já muitos meses, e hoje revi-a por culpa do meu amigo Rui. Só para que não digam que agora só me debruço sobre temáticas tristes e filosofias deprimentes de vida.

31 de outubro de 2007

Colisões


Como chocolate tal como os meus dentes me permitem. Fecho o maxilar só até metade e, mal os dentes tocam no meio quadradinho que pus na boca, parece que desisto, e torno a abri-lo. Depois insisto repetidamente, devagar, como se fossem ondas pequeninas que batem num pontão, devagar, devagar. Entretanto, vou destruindo os bocadinhos que se desprendem, empurrando-os com a ponta da língua contra o céu da boca. Estes actos demoram eternidades; e tudo isto tem o sentido de breves segundos de sabor doce.

Quando como chocolate, dá-me para pensar em coisas profundas que, como profundas que são, não têm qualquer interesse prático. São apenas sínteses de sínteses já feitas por toda a gente no mundo, e que de tão escoadas e escorridas e decantadas, tomam a forma de provérbios ou frases feitas. Faz-me lembrar aquelas essências de frutas dos iorgurtes ou dos gelados, que de tão essenciais que são, não trazem os complementos, os acessórios, enfim, tudo aquilo que dá contexto e propósito de existência, e que à primeira vista não tem qualquer relação.

Estive a pensar nos átomos, tão pequeninos, e na forma como se relacionam uns com os outros. Andam na sua vidinha atarefada de cirandar de um lado para o outro, velozes relativamente ao seu tamanho. Uns são maiores que outros, e uns movem-se mais devagar que outros. Alguns têm muita energia e uma enorme vontade de interagir, outros são praticamente inertes. E depois chocam uns com os outros do nada. Apenas porque o tempo e o espaço coincidem, ou então porque Deus quis; permito que escolham a concepção que mais vos aprouver. Chocam, e depois normalmente vão cada um para seu lado. Ou então têm a energia, velocidade, trajectória e reactividade certas, e estabelecem uma ligação mais ou menos forte, mais ou menos estável, mais ou menos duradoura. Até que venha um outro átomo mais afoito que choque contra essa irmandade e teste a sua segurança. Pode até dar-se o caso de haver uma substituição de um átomo por outro. Ou talvez não. Mas haverá sempre mais e mais choques, até porque os átomos são muitos e vivem para sempre.

Na vida humana macroscópica, entre tantos e tantos milhões de pessoas que existem, também há choques, uniões e rupturas. E eu até dava muita importância ao facto de achar que havia factores específicos que determinavam quais os encontros que podiam haver entre as pessoas. Acho que agora penso que são tantas as variáveis, e as pessoas andam tão depressa e em raios de movimento tão grandes, que fui obrigado a concordar que o acaso tem uma grande palavra a dizer. Uma assim com muitas letras, bem profunda. Talvez esses factores sejam então importantes para definir qual o outcome dessas colisões. Ou então nem isso.
No caso dos átomos, muito depende da energia, da trajectória, mas essencialmente, de "quem" são esses átomos. E no caso das pessoas não é assim? A diferença está talvez no tempo. Os átomos chocam, e passado pequeníssimas fracções de segundo ficamos a saber se se ligam ou não. Na verdade, uma análise à tabela periódica pode ajudar a saber com antecedência se eles realmente casam ou não. No caso das pessoas, só se lermos as revistas é que sabemos se nas novelas elas casam ou se separam, e se os encontros são produtivos ou não. Não acredito nos signos, nos horóscopos, nas pessoas que predizem o futuro. Não acredito nas poções de amor, que dobram as leis da física, de Deus, da sociologia ou sei lá mais o quê, a nosso favor. Também não há tabela periódica que nos ajude, porque só há perto de duas centenas de átomos diferentes, mas no caso das pessoas nem vale a pena pensar em classificações.
Se juntarmos uns átomozinhos de Oxigénio com uns de Hidrogénio e aproximarmos uma faísca, sabemos de certeza que o resultado é água. No caso dos humanos, talvez prever situação semelhante só seja possível no caso de eliminarmos alguns graus de liberdade, como o caso de juntarmos algumas pessoas numa casa durante muito tempo, até que algumas delas se liguem, a la Big Brother, com faísca ou sem faísca metida ao barulho. Talvez porque não tenham outra escolha. As pessoas conseguem ser ao mesmo tempo imprevisíveis, e todas iguais.

Nos últimos tempos, cheguei a uma conclusão que considero surpreendente, dada a minha personalidade tendencialmente vocacionada para a ciência. Não tenho convicção religiosa, nem acredito no destino... mas às vezes parece que há coisas que acontecem, que não estão directamente relacionadas com nada, mas que se pensar bem, até consigo perceber que me podem ajudar a tomar decisões em relação às minhas "colisões". Como se fossem indícios que empurrassem gentilmente, docemente, a minha trajectória, para que não vá colidir com alguém, ou para que vá colidir com outra pessoa. Claro que esses indícios só o são se a minha interpretação fortemente imaginativa assim o decidir. Mas ainda assim, creio que que ela faz parte de Deus - do Meu Deus.

Nas minhas colisões por esse mundo fora, aprendi a dar tanta importância aos pormenores do que à essência. É importante não estreitar a visão apenas para o que está à minha frente. Se o fizer, poderei transformar-me num cavalo, com 3 ou 4 pessoas em cima de mim, e olhar apenas para uma cenoura pendurada no extremo da linha de uma cana de pesca. E também acho que a variável tempo, nessas colisões, está muito sobrevalorizada. Já percebi que a energia das uniões não é directamente proporcional ao tempo decorrido, e, em boa verdade, não tenho paciência para esperar. É preciso estar também atento à faísca. Talvez ela não seja só um pormenor.
*

Vou comendo mais chocolate, esquecendo-me do quão precários estão os meus dentes. Os movimentos vão-se tornando mais amplos, mais fortes, e as colisões mais violentas, e sinto uma enorme vontade de ser bruto para obter um sabor mais intenso, mais enérgico, instantâneo. Pena que dure pouco tempo e acabe por doer bastante.

24 de outubro de 2007

Oferece-me um Presente!


Cada dia se apresenta à meia noite escondido num belo papel de embrulho, cheio de bonequinhos, promessas e potencialidades.

Quando eu era mais novinho sentia-me mal a rasgar o papel das prendas; acho que era porque pensava que se o fizesse estaria a mostrar à pessoa que me ofereceu a prenda que não ligava muito ao gesto; ou então era mesmo porque tinha pena do papel. Os outros miúdos rasgavam as prendas, eu retirava-as dos embrulhos.

Cada dia demora em média 18 horas a desembrulhar e viver. O período de sono REM aproveito-o para sonhar, que é como quem diz, imaginar o que o dia a seguir - que é uma dádiva - me trará. É como um agitar do presente ainda encarcerado, encostado à cabeça, para tentar ouvir o que está lá dentro. Imagino o que as pessoas me dirão, ou então reescrevo os diálogos e as cenas do enredo do dia seguinte para que me sejam mais agradáveis. Mais favoráveis. Memoráveis. É meter dentro do embrulho, com a imaginação, aquilo que queria que o futuro me oferecesse, sem rasgar o papel. Às vezes sonho com presentes que ainda estão muito no futuro, mas que ainda não chegou o dia deles. Às vezes isso não é bom, porque quando chegam raramente podem competir com o sonho.
E também às vezes sonho com presentes que já lá vão há muito. Gostava de poder dizer que é muito melhor quando isso acontece. Apetece dizer que é como vasculhar no caixote do lixo, onde está o papel todo rasgado, à procura do presente que perdi para sempre para o passado.

O sono não REM, esse, passo-o a recuperar do dia que passou. Do presente que abri e que, regra geral, não me satisfez completamente. Muito, pouco, ou nada? Nunca tudo. Também era complicado agradar-me, confesso. Por um lado, desculpa que te diga, Futuro, mas que belas prendas me têm saído! Já vi melhores dias! E por outro é difícil apreciá-los com todo este papel rasgado a prender-me os pés - estes bocadinhos de desilusão que escondiam uma ilusão qualquer. Mesmo assim agradeço-te que continues a tentar.
O Futuro que me desculpe se eu rasgo o papel de embrulho. É que cresci um bocado entretanto.

O presente do amanhã eclodirá como um ovo de tartaruga, e depois caminhará instintivamente até se extinguir num segundo abraço dos ponteiros do relógio. Mas nunca na mesma praia, e nem a horas certas: às vezes é às 7, outras às 9, outras à hora do almoço, seja lá o que isso for. Daqui se percebe que às vezes demoro muito a abrir o papel de embrulho - não que o tempo do desembrulho seja proporcional ao tamanho do embrulho - e depois restam-me poucas horas para sonhar com o próximo, que não se vai fazer esperar.

Todo eu estou coberto de bocados de fita-cola, e os meus passos têm o som de cascas de ovos partidas.

1 de outubro de 2007

Killing Me Softly - parte 2

Não há ses
"O passado é o que foi, com comos, quandos e porquês. Os ses são no presente, com vista ao futuro."
Já sei que me vais dizer que o bom bagaço é difícil de encontrar, e que as ginjas garrafais só estão à venda durante aquela meia dúzia de dias, naquela semana específica, naquele sítio certo. Mas hoje quis conversar um pouco contigo e celebrar o teu aniversário. Então, subi para cima da cadeira da sala, para chegar ao cimo do móvel e alcançar aquele enorme frasco que contém habitualmente a ginjinha caseira. Já só há meia dúzia de ginjas no fundo… líquido, nem vê-lo. Há uns anos, dir-te-ia que é preciso fazer mais, quando o garrafão chegasse a um terço do fim. E tu vinhas-me com a tal conversa da dificuldade de comprar bom bagaço, e de como as ginjas garrafais só aparecem no mercado como as flores no deserto.
Mas a culpa é toda tua. Durante anos a fio te ouvi a gabar a ginja feita em nossa casa. Dizias que é mais forte, não demasiado doce, e que era muito melhor se fosse bebida gelada. Falava-se também de como o tio x ou o amigo y tinham bebido um cálice de um trago só, contra todas as advertências, como animais de taberna donos de uma rodagem de experiência feita, e que tinham ido a cambalear para casa.

Toda esta história terá, porventura, começado em Alpiarça. Lembro-me daquelas embalagens de plástico translúcido, maleáveis, que se podiam amarrotar e dobrar, mas que podiam conter não sei quantos litros de vinho ou bagaço. E nós íamos a Alpiarça comprar vinho e aguardente, e comer sopa da pedra. E eu ficava muito confuso porque não conseguia perceber como é que se comia uma pedra. E com colher, ainda por cima. Diziam-me que se pegasse numa pedra da rua, polida, e a lavasse muito bem, podia fazer uma sopa deliciosa com ela.
Dessa vez, fomos nós cá de casa, e mais não sei quantos tios e primos. E entre os tais vinhos que trouxeram, lembro-me muito bem de um vinho abafado, de uma cor entre o dourado e o castanho, que era muito doce. Sei que fiquei para trás, e quando vieste à minha procura eu estava a escarafunchar com os dedos e com a boca na torneira de uma pipa de vinho abafado, e aquilo estava-me a saber que nem ginjas. Pegaste-me em peso e tiraste-me muito depressa dali – “é maluco o gajo! apanhas uma piela!”. Eu não sabia o que era ficar bêbado.
Quando chegámos a casa, fiquei maravilhado com a forma como chupavas o vinho por uma espécie de palhinha muito comprida, mergulhada na tal embalagem de plástico que estava no chão, e depois punhas muito depressa essa ponta por onde chupaste nos gargalos das garrafas, em cima do balcão da cozinha. Era assim que engarrafavas o vinho. Na altura eu não tinha quaisquer conhecimentos de Física, mas sabia irracionalmente que as coisas só sobem se as atirarmos, portanto não percebia como é que o vinho conseguia subir para as garrafas sozinho. Mais tarde julguei que tinha descoberto mais uma pista para o enigma, quando percebi que em todos os aniversários, quando se faziam brindes, alguém dizia “Vai acima! Vai abaixo!” com os copos de vinho na mão, ou quando se dizia de alguém que “O vinho subiu-lhe à cabeça”. Entretanto, na primária, aprendi que o Guadiana e o Mira eram dos poucos rios que iam de Sul para Norte, e porque quando somos pequeninos achamos que o Norte fica mais alto do que o Sul, fazia-me sentido que o vinho pudesse subir do chão para a bancada da cozinha. Só muito mais tarde estudei as propriedades de capilaridade de certos líquidos, nas aulas do curso de bioquímica.

Mas é mesmo verdade que esta ginjinha não tem igual para mim. Lembro-me de uma vez ter levado alguma para Aljezur, nas férias do verão; e estávamos no fim de um jantar, eu, amigos, colegas, e outras pessoas que se quiseram juntar, ao ar livre, junto aos fogareiros que tinha estado a usar para grelhar toda a espécie de carnes. De resto, também foi a ver-te e a “ajudar-te”, desde pequeno, que fiquei com o gosto por fazer grelhados. E aprendi que só se põe sal na carne depois de estar meia grelhada, e que se mexe o menos possível com o garfo para não moer a carne ou o peixe. És muito perfeccionista nessas coisas, não és? E há já pelo menos doze anos que sou o encarregado por fazer grelhados para toda a gente no campismo.
Então, apareceram lá os pais de um grande amigo meu do Porto, que só vejo nas férias do verão, e naquele sítio específico. Sempre que me vêem, dão-me cerveja ou aguardente daquela amarelada dos barris de carvalho, de tal forma que venho sempre a cambalear da tenda deles. Portanto, saquei da minha garrafa de 33 cl de água do luso, cheia da nossa ginjinha. Muita gente se riu da pequenez da amostra, mas eu garanti que chegava bem. Portanto, os pais desse meu amigo, já velhos lobos-do-mar da bebida, ingeriram à confiança o conteúdo dos copinhos que lhes ofereci. Passado pouco tempo, foram eles a cambalear para a tenda.

Aljezur sempre teve destas coisas mágicas, que acontecem sem se perceber porquê. É um sítio estranho, igual a nenhum outro que conheça, e por mais anos de férias que lá passe há sempre coisas que me surpreendem. As pessoas falam de maneira diferente, contam histórias e comportam-se de maneira diferente. Eu sei que gostas de acampar, mas nunca acampaste lá comigo. No entanto, durante anos a fio, levavas-me lá de carro e voltavas logo de seguida, e depois no fim das férias ias lá buscar-me, tudo isto porque eu queria levar a minha bicicleta, e indo de autocarro isso era impossível. Não conheço outra pessoa que todos os anos faça duas vezes 600 km só para ir levar e buscar o filho para e do sítio onde ele acampa.

Agora sou eu a pessoa que mais conduz o teu carro. Antigamente conduzia o velhinho Renault 9, que subia montanhas em ponto-morto, que não tinha travões, que não tinha pneu sobressalente, que estava sempre com a luz da reserva acesa e com os pneus carecas. Mas nada disso me preocupava, porque sabia que se acontecesse alguma coisa, eu mandava-te um kolmi e tu me ligavas a perguntar o que se passava, e vinhas-me ajudar. Confesso que não percebo nada de seguros contra terceiros, de colisões, acidentes, acordos amigáveis entre acidentados, chamar a polícia ou não, falar com seguradoras… nunca tive nenhum acidente! E apesar de admitir que não saberia o que fazer se algum dia batesse com o carro, a verdade é que essa sensação de segurança não me abandonou, porque quando eu conduzo nem penso nessa possibilidade. Se algum dia bater, ligo-te e pronto. Mas esse dia ainda não chegou. A coisa mais próxima disso que me aconteceu foi num dia em que estava a conduzir numa estrada muito estreitinha, numa curva manhosa entre casas, e de repente o sol projectou-se através do pára-brisas, arranhado por dentro pelos anéis de uma suposta senhora que limpava o embaciado com as costas da mão, e que tinha sido a dona anterior do carro. E a difracção da luz do sol nos riscos do vidro encandeou-me completamente. Ou isso, ou então parou-me o cérebro; desta vez não foi culpa da ginja. A verdade é que embati com o lado direito do carro numa antiga coluna de pedra, colada a uma esquina de uma vivenda, ligeiramente disposta para dentro da estrada. Parti o eixo da direcção, rebentei um pneu, parti o farol, mas o pisca ainda funcionava. Ainda hoje me posso gabar de só ter batido contra uma pedra. As pedras não se mexem, é mais fácil acertar-lhes.
Claro que telefonei para ti, e vieste ajudar-me. Isto aconteceu em Julho de 2006, e a última viagem que o Renault fez foi dali daquela curva para casa. Mas só consegui mandá-lo para a sucata um ano depois.
*
Sempre que me dá uma daquelas brancas de não saber como se escreve determinada coisa, o meu primeiro impulso é perguntar-te. Não é ir ao dicionário, ou escrever essa palavra no Google para ver quantos resultados dá. Sempre fizeste força para que escrevesse bem as coisas, e de cada vez que te perguntava como se escrevia qualquer coisa, tu franzias o sobrolho e dizias: “Como é que achas tu que se escreve?”.
Essas brancas têm-me acontecido com mais frequência ultimamente, por isso tenho experimentado esse primeiro impulso irracional de te perguntar como se escreve. Até quando sonho isso acontece. Fico sempre com uma sensação esquisita. Tal como quando vou na estrada e um otário qualquer num carro à minha frente faz uma coisa idiota, e eu evito o acidente por sorte ou por reflexos, e depois penso no que faria da minha vida se batesse com o carro, e me lembro que agora sou eu que ando com o teu número de telemóvel porque me roubaram o meu e ainda não me apeteceu pedir segunda via.

*

Uma das centenas de histórias que me contaste e repetiste inúmeras vezes, passou-se em Angola, quando andaste lá na guerra. Não falas muito nesses tempos. Descreveste-me o calor insuportavelmente abafado que te atingiu quando a porta do avião se abriu em Angola; contaste-me como lá é que valiam a pena as frutas tropicais, e que as mangas que comemos cá não valem nada – tu gostas muito de mangas; e as viagens intermináveis em carrinhas de caixa aberta, por entre carreiros mal abertos no mato, em que chegava a ficar a doer-te na testa, de a franja andar a bater tanto tempo com o vento. Contaste-me que houve um dia de viagem em que não pararam, e mesmo assim não chegou para percorrer na totalidade uma das propriedades de um homem muito rico lá de Angola; essa propriedade era três vezes maior do que Portugal.
Falaste de como apenas andavas armado com a tua máquina fotográfica, e foi provavelmente por isso que a população local e aqueles que Portugal considerava como inimigos te viram de maneira diferente. E talvez tenha sido por isso que um dia eles te avisaram para sair o mais depressa possível de uma vila onde estavas instalado, e então apanhaste o comboio e só mais tarde soubeste que meia hora depois essa vila foi arrasada e ninguém escapou com vida.
*
Lembras-te daquela vez em que te fui ajudar a carregar o material de fotografia, para ires fazer um trabalho a Sintra? Recordo que, quando chegámos à casa, não me pareceu nada de especial vista por fora. Mas quando entrámos, pareceu-me um palácio ricamente decorado à antiga, com cortinas de veludo e talhas douradas e bibelots de porcelana. Falaste-me das pessoas para quem ias fazer o tal trabalho. Ias fotografar as jóias de uma senhora já de idade, que era uma importante desenhadora de jóias, com joalherias em Nova Yorque, e dona de minas de diamantes, algures pela África do Sul, se não me engano. De resto, essa senhora só falava inglês, e era de tratos muito finos e doces, muito educada, e gostei mesmo dela. Também lá estava o assistente ou secretário (?) dela, português, impecavelmente vestido com um fato, mas com uma cara e penteado de tal forma suspeito que me levou a perguntar-te: “Oh pai, mas é um homem ou uma mulher?”. E tu riste-te e disseste que era um homem. Mas foi muito correcto connosco, e tratou-nos muito atenciosamente; nada, para além da cara estranha e do penteado escorrido, nos faria desconfiar dele, e deixou-nos sozinhos numa das metades da casa, para fotografarmos umas jóias que, qualquer uma delas, isolada, valia mais do que o nosso quarteirão.
As fotografias eram para um catálogo de jóias, e ao que parece ficaram muito bem, de tal forma que a senhora só te queria a ti como fotógrafo cá em Portugal. Por várias e desconhecidas razões, não fizeste muitos mais trabalhos com ela.

Passados uns bons anos, quando vi a senhora que falava inglês, mais o secretário, na televisão, como marido e mulher, perguntaste-me se sabia quem eram. Eu disse que sim, que era o maricas, o José Castelo Branco… e a Betty. E tu relembraste-me desse tal trabalho que tínhamos feito.
Esta história faz-me lembrar de como o mundo é pequeno, e de como as pessoas mudam. Ou, por outro, de como as pessoas podem ser diferentes em privado e na vida pública. Ou de como as doenças psiquiátricas se podem desenvolver ao longo do tempo. Vou deixar que tu escolhas. A verdade é que nunca me pareceste surpreendido com o desenlace desse tal casal.

*
O mito da ginjinha que eu te ajudava a fazer cá em casa foi crescendo, e desenvolvendo-se à medida que eu a partilhava com amigos em sítios e situações completamente insólitas. Lembro-me de uma vez, na praia de Algés, à noite, em que estive com uns amigos a beber dela, e a comer barrinhas de chocolate Kinder ao mesmo tempo. Em outras ocasiões, trouxe balões de laboratório lá da Faculdade de Ciências, e cheguei a enchê-los com ginjinha e a ir para festas com os meus colegas, de tal forma que ainda hoje eles se lembram disso.
Também a forma como eu saí dessa faculdade, após três anos no curso de bioquímica, teve a tua influência pessoal. No segundo semestre do terceiro ano do curso, decidi mandar aquela faculdade às urtigas. Não gostava do curso, as coisas não corriam bem, mas continuei a ir às aulas práticas de laboratório para poder ajudar os meus colegas de grupo. Simultaneamente, comecei a estudar para os exames nacionais, para mudar de curso. Naturalmente, não vos disse nada, nem a ti nem à mãe, porque achava que esses exames iam correr bem, e quando vos contasse já tinha mudado para medicina, e achei que iam ficar contentes. Mas tal não aconteceu. Quando fiz os exames, percebi logo que tinham corrido bastante mal. E como eu não tencionava voltar para a faculdade de ciências, tive que ter uma conversa contigo a explicar-te o que tinha decidido.

Quando te convidei para uma cerveja e para conversar, na rua, de certeza que achaste estranho, porque não era nosso hábito. Mas aceitaste sem pestanejar e sem fazer grandes perguntas. Então, com duas Carlsberg à nossa frente, lá contei o que se tinha passado. Pedi desculpa por não ter dito nada, mas não ia voltar para bioquímica. Ia sair da faculdade, estar um ano fora do ensino superior, trabalhar, dar explicações, e estudar para os exames do ano a seguir, e entrar em medicina, que era o curso que eu sempre tinha querido tirar.
A tua reacção não foi nada dura. Surpreendeste-me mesmo, porque a conversa foi toda em tom de conselho por experiência própria. Não me repreendeste por não ter dito nada, nem sequer me disseste algo como “Então e porque é que não terminas primeiro esse curso?” ou então “E se para o ano os exames correrem mal outra vez?”, que eram frases que provavelmente qualquer outro pai diria ao seu filho. Na verdade, pelo menos no que toca aos exames do ano a seguir correrem bem ou mal, se o tivesses dito terias toda a razão. E eu nem tinha pensado na possibilidade de tornarem a correr mal. Foi, provavelmente, o maior risco que corri.

O que me disseste foi que existe uma idade em que é mais fácil estudar, e que por outro lado não sabias se ia haver dinheiro para me manter na faculdade por todos esses anos. Eu disse que ainda era novo, e que ia conseguir fazer o curso, e que o dinheiro ia-se vendo, que eu podia trabalhar e estudar. E para além disso, em bioquímica, estavam sempre a dizer-nos que não íamos ter emprego, e a minha namorada também era do mesmo curso, e eu achava que se fosse médico, para além de ser mais feliz, ia conseguir fazer com que tivéssemos uma vida um pouco mais fácil.
Disseste-me então, que 6 anos de curso, mais este que ia perder, eram muito tempo. E que a minha namorada entretanto ia começar a trabalhar, e que eu ia andar com os livros atrás. E as coisas iam mudar, que isto do amor e uma cabana não existe. Naquele dia de sol, com as imperiais à nossa frente, tu foste o meu Grilo Falante, e eu fui o teu Pinóquio.
Avisaste-me de forma meiga, e eu, claro, não prestei atenção. Fiz o que queria, o que me apeteceu. Estive um ano a trabalhar, voltei para a escola, para o 12º, para o pé dos miúdos – senti-me como se fosse a conduzir um carro em 5ª e reduzisse de repente para 2ª – depois repeti os exames, tirei dois 20 e entrei. Era um tiro que não podia falhar, e não falhei. E não vou dizer que foi só porque estudei muito – o que é verdade – mas também foi precisa muita sorte. Confiei que estava a arriscar, mas estava a fazer tudo em prol da minha futura vida profissional, da minha realização pessoal, e dos planos que tinha feito para mim e para a pessoa de quem gostava.

Mas no fim, quem tinha razão eras mesmo tu. Fazemos planos e castelos de cartas no ar, mesmo sabendo que é o vento que derruba as cartas. Tomamos certas coisas como garantidas, defendemos o que pensamos com unhas e dentes e raramente prestamos atenção ao que as pessoas mais velhas nos dizem. Avisaste-me da melhor forma que sabias que isso da namorada ia ser um grande problema, e foi mesmo, e muito pelas razões que apontaste: eu, qual Pinóquio, fui mesmo parar à barriga da baleia. Quando somos muito novos pensamos que podemos controlar as variáveis todas e que as coisas só podem correr bem, e correr bem da maneira como as planeámos. Mas às vezes também fazemos coisas certas pelas razões erradas.
Confesso que quando tomei aquela enorme decisão não medi nem metade dos riscos que corria. Quanto ao dinheiro, aí eu tinha razão. Por uma razão ou por outra, nunca tive que abandonar a faculdade, embora em determinadas alturas tenha custado bastante a estabilizar o barco. Foi na base do vamos vendo, devagarinho… e quase sem dar por isso já estou quase no fim do curso. E não me arrependo nem um bocadinho. Mesmo que me arrependesse... ter saudades do passado é correr atrás do vento, como diz um provérbio russo.

Apesar de saber que detestas médicos, nunca me disseste nada sobre isso. Talvez tenha sido por saber disso que só me viste uma vez de bata e estetoscópio.

23 de setembro de 2007

Porquê colar, se se vai partir pelo mesmo sítio?



Queres que te traga alguma coisa? Um carioca de limão, uma água? Não? Está bem, bebo eu uma bica.
Ontem fui lá ao tal jantar com aqueles meus ex-colegas. Havias de ter visto a casa deles. Tantos quartos, e a menor das casas de banho é maior do que o meu quarto! Bem, é verdade que ainda precisa de uns acabamentos, mas a casa é fantástica. Que pena que não vieste ao jantar comigo.
Comemos um arroz de pato bastante bom, regado com um belo vinho tinto, e depois à sobremesa houve uns pedaços de melão, manga e ananás, que mergulhávamos numa espécie de fondue de chocolate. E houve torta de maçã.
Os meus amigos eram três casais. Todos eles com a minha idade. Felizes, mais ou menos arrumados na vida. Os pratos eram bonitos, e os talheres estavam muito bem colocados. Antes disso tinhamos estado a falar sobre a nossa vida, visto que não nos viamos há muito e era preciso pôr alguma conversa em dia. Fiquei a saber algumas coisas sobre os seus empregos, sobre os seus projectos... notei o entusiasmo deles a falar das suas coisas, do que pensam fazer e do que já conseguiram, mas também a sua preocupação com o futuro e com o que há de vir. Depois, bom, depois perguntaram-me quando é que acabo o curso, quando é que sou médico, que especialidade vou seguir... enfim, as perguntas do costume, e para as quais já tenho respostas mecanizadas, como uma mola na ponta da lingua.

Mas não utilizei a mola com eles, não. Eles são meus amigos, merecem que os factos sejam adornados com uma dose extra de entusiasmo, e outras tantas doses de humor. Afinal de contas eu faço rir as pessoas. É o que eu faço de melhor! Rir é o melhor remédio, não é o que dizem? Não te faço rir a ti? Pois faço!
De certeza que não queres nada? Está-me a fazer confusão, vê lá bem se queres um carioca de limão e não te lembras.
Bem, onde é que eu ia? Sim, o curso. Lá lhes disse o que ia acontecer nos próximos meses, sobre o curso, sobre os hospitais, o que achava, o que não achava, o que sentia, o que acontecia... todas aquelas coisas que evito falar, porque não tens muita paciência para médicos, não é, meu amorzinho? Pois claro que não, como eu te percebo! Também eu não tenho, muitas vezes! E eu só escolhi o melhor, claro. Durante um jantar que se queria alegre não ia falar dos meus filmes da TVI!

Bem, depois fomos então para a mesa, e como eramos 7, tive de ficar à cabeceira da mesa, e até tive direito a uma cadeira diferente e tudo, vê lá tu bem. Fiquei mais longe do arroz de pato e do fondue de chocolate, mas felizmente que os meus braços tudo abarcam; basta esticá-los e eles abraçam o mundo! Como te abraçam a ti, não é? Depois comentaram que tinham ouvido rumores que era desta vez que eu também vinha acompanhado. Não falei muito sobre isso. Disse apenas que também esperava vir acompanhado, mas que ainda não era desta. Depois falámos das férias, e de como apanhei berbigões e conquilhas contigo pela primeira vez na vida, sabes? E daquela carne de porco à alentejana, um pouco aldrabada, mas foi a primeira vez que esse marisco me soube tão bem! E fiquei a saber que tenho jeitinho para apanhar berbigão! É realmente giro, eu remexer na areia com os pés, com água pelo tornozelo, e mesmo sem saber o que está por baixo, sabemos que os bichos hão de vir à superfície. E depois tu estavas lá, pronta para os apanhar; fazemos uma bela equipa, não é?

O jantar foi óptimo e a cerveja e o vinho ajudaram-me a mandar umas piadas, mesmo quando não me apetecia! E também me consegui rir um bom bocado, contra todas as previsões. Eles lá me acharam muita piada, porque gostam mesmo de mim. É bom saber que os faço rir! Mais para o fim do jantar reparei que todos eles tinham alianças, que brilhavam douradamente e tilintavam nos copos de vinho meio cheios. Sim, meio cheios, porque eu sou um optimista, como sabes! E falaram das casas, e dos empréstimos que são um balúrdio, e das janelas que vão ter uns vidros especiais, e dos azulejos da cozinha, que vão ser verde-lima. E dos lavatórios em vidro, que isto de serem Valadares ou Roca já é um bocado démodé.
Deixa-te estar que eu vou-te buscar um carioca de café. De certeza? Pronto, está bem, não insisto mais. Mas bebo mais um café. Querias falar de qualquer coisa, não é? Deixa-me acabar de contar o jantar, que já conversamos sobre isso. A não ser que tenhas pressa!
Bom, depois, os rapazes foram para a cozinha beber cubas livres, isto depois de termos bebido um café temperado com a aguardente especial do anfitrião. Falámos de histórias antigas e de coisas que não devem ser faladas em frente às esposas. Tu compreendes, não é, meu amor? Há coisas que não se dizem às respectivas. Lá se riram muito das minhas histórias antigas, que apesar de repetidas têm sempre muita piada e aquecem o coração com uma nostalgia que ganha vida real. Mesmo assim tenho pena que não estivesses presente, porque ficarias a saber mais sobre mim, na altura em que eu era ainda mais engraçado e mais novo, como tu és agora. Depois falaram novamente de mulheres, e de como dizem que existem sete mulheres para cada homem. Depois alguém disse que eu já tinha gasto as minhas sete, já tinha roubado as sete do vizinho do lado, e já estava a roubar ainda outras sete a outro rapaz qualquer. Claro que toda a gente se riu de mim; afinal, ser-se mulherengo nunca há de deixar de estar na moda, e fica sempre bem no currículo de um rapaz. E como sou solteiro, acham que o que eu quero realmente é aventura. Mas claro que sabes que é um exagero, não é, amorzinho? Eu nem sei bem a tabuada do sete...
Entretanto esqueci-me de contar uma coisa: bebemos lá um vinho licoroso que estava uma delícia, antes do jantar! Era um vinho que ia mesmo bem com os cajus e com umas tapas com marmelada e queijos de diferentes tipos. E tu sabes como eu adoro queijo, não é? Precisei de dois copos daquele vinho para empurrar os aperitivos, não fosse ficar embuchado.
Mas sim, eles parecem estar bem lançados! Estão felizes com as companheiras e estão na idade disso mesmo. É a ordem natural das coisas. Só eu é que fiz tudo ao contrário, mas como um deles disse uma vez, a brincar e a sério ao mesmo tempo, "o joão não é exemplo para ninguém!", ao que se seguiu um coro de gargalhadas. Também não é tanto assim, sabes disso, não é?
Queres ir-te embora? Mas ainda é tão cedo! Bebe mais qualquer coisa! Ah, pois, ainda não bebeste nada, é um facto. Não querias falar sobre qualquer coisa? Porque olhas para a chávena do meu café fixamente e não dizes nada? Que silêncio... está tudo bem?
Querias estabilidade e não consegues. Pois, percebo. E não nos entendemos? Bem, é verdade que temos os nossos altos e baixos, julgava que fazia parte... mas tens a certeza?
Bom, está bem. Sim, eu dou notícias. Não, bem não estou. Mas hei de ficar. Não te preocupes comigo. Sim, eu sei que posso contar contigo se precisar de alguma coisa, obrigado! E se precisar de ti, o que faço? Bem, hei de me lembrar de alguma coisa entretanto, não te preocupes. Obrigado, desculpa, obrigado, adeus... sim, tenho trocos para pagar os cafés. Obrigado. Até qualquer dia então.
*
Water so warm that day
I counted out the waves
As they broke into surf
I smiled into the sun
Water so warm that day
I was counting out the waves
And I followed the short life
As they broke on the shore line
I could see you, but I couldn’t hear you

5 de setembro de 2007

Se te perderes em Lisboa...


Aquela tarde era uma página branca pronta a ser preenchida com uma tinta muito líquida, de uma caneta permanente que deslizasse, suave e freneticamente, desenhando movimentos que tragassem palavras completamente novas que contassem aqueles novos cheiros e cores. E aquela cidade seria um novo capítulo de um livro com tão poucas páginas já escritas; algumas, enrugadas de lágrimas; outras, riscadas de raiva; e outras ainda, amarrotadas de alegria.
Aquela tarde era de amarelo-torrado. A luz enchia o ar de pequenas partículas que caíam placidamente nas caras das pessoas. Espanhóis, brasileiros e outros estrangeiros passeavam calmamente pelas ruas do Bairro Alto. O rapaz da flauta lutava com o silêncio composto pelos passos anónimos e pelas pessoas que falavam de livros, compras, e coisas.
Cada linha do tecido daquele vestido lhe desenhava o corpo e libertava a alma de quem para ela olhava. Os seus passos, silenciosos, batiam o ritmo essencial da vida, do bater de um coração - nem demasiado molengão, nem demasiado
neurótico. É de crer que quem a observava poderia ter puxado do telemóvel, acedido às funções de cronómetro e calculadora, e medido este ritmo; contaria então 72 passos por minuto, o que daria o sedutor número de 1,2 passos por segundo. É de crer, mas ninguém o fez, pois não era preciso: os corações reconhecem o seu próprio ritmo sem fazer contas de cabeça, e rendem-se imediatamente à sintonia quando a encontram.
Nas ruas, nos cafés, nas esplanadas, as pessoas ficavam a vê-la passar. Os casais que por ela passavam em sentido oposto suspendiam os seus diálogos e miravam-na em algo mais do que um relance. Elas, para lhe tentarem copiar o estilo; eles, tentando com exagero mostrar que não repararam. Mas depois de uns metros, não eram poucos os que para trás olhavam por cima do ombro. "Julguei ver o fulano tal" - diziam às namoradas.
Aqueles passos de ternura desenhavam obras de arte no chão. E as suas pernas, troncos ingénuos com tão poucos anéis, sustentavam asas que estavam agora a aprender a voar. Ela era a árvore e o passarinho que nela pousa.
E as pessoas ficavam a ver. Quietas. Inquietas. Quedavam-se a olhar aquele jeito de mulher com cara de Vitinho. Vestido ondulante de rebeldia. Hálito de ananás e hortelã. E os passos, aqueles passos que lhes acompanham os corações naquele ritmo terno e viciante. Que cortam a respiração e fazem vibrar os tímpanos, e os martelos, e as bigornas, e os estribos, com a melodia que todos procuram pelas suas eternidades fora. É que há canções que não perduram nem depois de tocadas mil vezes, mas esta ficará imediatamente no ouvido após ser escutada pela primeira vez, no meio do ruidoso ambiente citadino, mesmo por ouvidos empedernidos por milhares de outras músicas passadas...

Tengo ganas de cantar
Una bonita canción
Que te haga comprender
Lo que hay en mi corazón

Una canción con dulzura
Que de ti hable y de mi
Diga que siente mi alma
Desde el día que te vi

Que tiki tiki tiki ti
Late así mi corazón

Es que estoy enamorado
De tu mirada preciosa
De tu risa y de tu boca
De tu cuerpo escultural

Que tiki tiki tiki ti
Late así mi corazón

Desde aquel divino día
En que yo te conocí
Y es por eso que la vida
No la suporto sin ti.
Passeava ela pelas ruas da nova cidade.
As fachadas dos prédios escondiam outros prédios mais altos por trás, e as estradas iam sempre dar a outras estradas. Tantas caras novas! E quantas direcções por explorar!
Vai formosa e segura, ou pelo menos assim pensam todos os que para ela olham, sem poder imaginar o nervosinho que lhe faz cócegas no estômago. "Nunca vou conseguir conhecer tudo isto!" - dirá ela para si - "Haverá em cada esquina um amigo? Quantos lobos daqui saltarão ao meu caminho?".
Mas não receia perder-se, porque alguém um dia lhe disse: "Se te perderes em Lisboa, desce. Hás de ir ter ao rio."

3 de setembro de 2007

Arripiado

Pressinto nas palavras o lúgubre silêncio de um mudo. Conseguisse eu falar, soubesse eu codificar de forma estruturada a causa desta insónia que fragiliza o meu sono. Há muito que não escrevia, julgo que perdi a capacidade de transpor para o papel qualquer ideia que ultrapasse o mero rigor teórico-científico. A fluidez com que outrora manuseava a caneta ou premia as teclas do computador esgotou-se em mim, comigo.
O vento sopra lá fora, ainda quente. Tudo dorme, pelo menos no raio mais próximo. A música acompanha-me nesta viagem pela escrita, serena, bela. Ouço a sonata ao luar de Beethoven e reconheço nela uma beleza tão antiga quanto a minha (nossa) existência. Na intimidade da noite, sigo as notas do piano. Calma, consentida pelo meu espírito agitado que corre apressado na incessante busca do silêncio melódico do campo, da maresiada brisa do Sul, do gélido Inverno a Norte. Ah, como anseio por um pouco de ar.

Percorro os quatro cantos do meu quarto, da cidade, e não encontro neles qualquer saída. O fumo infiltra-se no meu corpo insuflado e o espaço exíguo que me cerca esvai-se a cada segundo que passa. Apenas a guitarra compensa esta asfixia constante. Mesmo que soltas e sem nexo, encontro nas notas um caminho para o indizível. O som vibra nos meus dedos e eis que uma amálgama de emoções escoa pelos meus braços e depois por todo o meu corpo. Sinto-me leve e despojada, renunciando a tudo o que existe para além de mim e de um simples objecto que no mais subtil dos harpejos ganha vida.
Dizia Vergílio Ferreira em Estrela Polar que "Não se Ama uma Pedra. Amar é reconhecer nos outros um ser misterioso, e não um objecto (…) Aqueles que não amamos nem odiamos são nítidos como uma pedra. Sentir neles uma pessoa é começar a amar ou a odiá-los. Só amamos ou odiamos quem é vivo para nós." Apesar de verosímeis (sobretudo no contexto da obra), reconheço nestas palavras a minha mísera condição de amar um objecto, tão misterioso quanto mais o conheço e tão vivo quanto mais o amo.
Quando percorro as ruas ou viajo em transportes públicos procuro compensar a minha solidão tentando desvendar os pensamentos daqueles que, também solitários, se sentam ou passam por mim. Bem sei que não sou dotada de poderes premonitórios nem tão pouco telepáticos, contudo apraz-me tentar desvendar o seu nome, a sua vida, os sentimentos e pensamentos que vibram naquele preciso instante. Apesar de tais tentativas, a minha curiosidade e interesse cedo desvanecem. De repente, o intermitente e irritante mascar da pastilha elástica, já seca, sem sabor, o roer ruminante das unhas e os embrutecedores estalidos dos nós dos dedos transfiguram o semblante daqueles que me acompanham, de mim própria. O Homem torna-se num verdadeiro objecto, grotesco e insignificante como as pedras da calçada que pisamos ou como os pacotes de cigarros e os filtros que se amontoam pela orla dos passeios.
Tem sido particularmente difícil assumir uma existência embrutecida impregnada por um espírito eminentemente vivo. Se por um lado sinto uma vontade enorme de dar a vida em prol do bem estar dos meus companheiros de viagem, por outro sinto que é uma luta inglória e que apenas trará sofrimento e agruras. Sei que prevalecerá para sempre o objectivo primário de contrariar a morbilidade e sofrimento, contudo os riscos inerentes a essa missão fazem germinar um sentimento relutante. Será que vale a pena lutar e dar a vida pelo próximo? Poderá até nem valer, porém, com que direito ousamos julgar-nos superiores a ponto de centrarmos a existência somente na nossa vida e na daqueles que amamos?
Chegamos então a uma encruzilhada. Amamos nós os doentes, pessoas desconhecidas, pedras? Ou limitamo-nos a tratar de doenças somente porque amamos a vida ou porque no fundo da nossa essência existe algo desconhecido que nos impele a tal anseio pela cura e manutenção da espécie?
Ao longo dos anos de curso e de extensas horas de espera pelos corredores dos hospitais instalou-se em mim a dúvida – será que vale a pena? Embora seja uma questão pertinente, a resposta surge em mim como um verdadeiro axioma – vale! As constantes desilusões que sinto ao escutar as maledicências entre colegas que ecoam pelos corredores e pelos cubículos onde os “mestres” confortavelmente se instalam, a demissão do ensino por parte dos senhores doutores, a irresponsabilidade por parte de muitos doentes, a constante competição e luta pelo maior número de actos cirúrgicos, entre tantas outras contrariedades que me afligem e com as quais me vou deparar no futuro, não são suficientes para demover do espírito humano (sobretudo daqueles que escolheram a medicina para profissão) o instinto de sobrevivência em si impregnado desde as origens.
É desse instinto que surge a força que nos impele a amar um doente como uma pedra ou a sentir por uma pedra o amor que resplandece daqueles que amamos com toda a intensidade da vida. O caminho que já percorremos e o limiar ténue que nos separa do abismo que é a nossa condição de estagiários não é fácil. Penso que grande parte de nós já se sentiu (ou sentir-se-á) perdida nalgum ponto do seu percurso. Porém, quando a dúvida surge, há que apaziguar as interrogações e seguir de forma “irracional”, diria mesmo, puramente “animal”, esta dádiva enorme que é poder ajudar o próximo.
Este texto pode parecer despropositado e desconexo. Apesar disso, penso que vale a pena relembrar que ser médico vai além da indumentária estetoscópica. Ainda que as duvidas existenciais interpelem as nossas certezas, ainda que os problemas pessoais e quotidianos possam causar alguma instabilidade, é impreterível manter a frieza terna e complacente. Acima de qualquer amor, ódio ou instinto humano devemos ser realmente bons naquilo que fazemos, assumindo de forma consciente e honesta a inigualável e importante missão que nos foi concedida. Lutemos pela Vida.

"Sê"

Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda

1 de agosto de 2007

Killing Me Softly - parte 1


"Queijas, anos 80. Agora está lá um Pingo Doce. A baliza, feita pelos putos, nunca caiu."
É madrugada e está quase na tua hora. Está entreaberta a janela do quarto, e as frinchas dos estores, aqueles que não me lembro de alguma vez conseguir fechar completamente, deixam entrar alguns raios da luz tão própria dos candeeiros deste momento. O silêncio é total e só estou aqui eu.
Por esta altura, talvez só as carrinhas da distribuição do pão, dos bolos, dos jornais. Talvez apenas elas interrompem o silêncio lá fora, de vez em quando. Os pássaros ainda dormem. Ainda é cedo para que a sua confusão de chilreares dê forma ao novo dia que aí vem. Também ainda não é altura do sol nascer, mas se eu estiver acordado já consigo sentir na minha pele as ondas de ar cada vez mais quente, aquelas que fazem adivinhar que vem aí mais um dia de calor.
Está quase na tua hora. Espero a qualquer momento que a porta do meu quarto expluda e me acordes brutalmente. Sem preparação paliativa, será algo como “João.”, ou “Está na hora.”. Ou, em dias mais criativos, “São cinco e meia.”. Apenas e só uma palavra ou frase, em tom grave, numa frequência que faz tremer pelo menos um bocadinho as fundações do prédio, que se ouvirá na casa toda, e que invariavelmente me fará saltar na cama e responder instintivamente “Hã!”. Ou então, de forma mais educada, “Sim!”, se é que há no instinto alguma educação. De qualquer forma, eu nem saberei o que digo, pelo que estas palavras monossilábicas próprias do acordar poderiam perfeitamente ser substituídas por um grunhido assustado, proferido com aquele ar residual que parece ficar nos pulmões depois de uma noite inteira sem respirar. Ou por aquela primeira tossidela de quem acaba de nascer.
Mas hoje eu acordei espontaneamente, e sem nenhum motivo em especial. Estás sentado numa cadeira, junto ao armário, perto da janela. Não sei como conseguiste arranjar espaço, no meio de tanta tralha e confusão. Roupa usada, caída no chão ou empoleirada em cima da bicicleta – é o melhor cabide que conheço – bolas de desportos vários, quilos e quilos de fotocópias empilhadas no chão, das quais só devo ter lido metade, e que nunca vou conseguir arrumar apesar de estar de férias – vou talvez conseguir mudá-las de lugar, e ficarão igualmente desarrumadas, embora talvez um pouco mais longe do meu campo de visão imediata. O que é certo é que conseguiste, e a luz dos candeeiros, filtrada pelas frinchas do estore, aquela luz tão própria dos candeeiros amarelos àquela hora em que estão quase a apagar-se embora ainda o sol não tenha nascido, desce obliquamente, esboça a tua silhueta e projecta-a na minha nudez deitada. Não é possível ver a tua cara, mas conheço-a bem. És como uma fotografia com demasiado contraste, em que se perdem os pormenores mas ficam mais fortes as formas realmente importantes. Ainda assim, sei que estás com o teu robe turco, azul claro roçado.

- Não consigo tirar da cabeça a música “Killing me softly”. Só conheço o cover da Aretha Franklin que passava imensas vezes na Rádio Nostalgia. E só há poucos dias percebi que era essa a música que te fartavas de assobiar; especialmente aquela parte do início. Só que as notas estavam desafinadas… passei anos a ouvir-te assobiar aquilo e nunca percebi o que era, mas imitava-te, mentalmente e não só.
- Sempre te disse que era duro de ouvido...
- Sim … com os anos fui percebendo. Mas apesar de conhecer perfeitamente a música, nunca lhe tinha ligado o teu assobio. Fazia-lo constantemente no banho, de manhã muito cedo, enquanto eu ainda dormia ou ia acordando. Esse teu assobio ficou-me marcado como se fosse um condicionamento por hipnopedia. Como no “Admirável Mundo Novo”, sabes? E há dias, quando estava a ouvir essa mesma música enquanto conduzia, quis assobiá-la, e quando o fiz cortou-se-me a respiração; estremeci; o coração acelerou mais do que o carro; senti-me como percorrido por um relâmpago. Encostei o carro na berma e percebi que me tinha lembrado imediatamente de ti, de uma forma completamente imprevisível e ininteligível. Foi aí que entendi o que era o assobio, e senti-me mesmo muito estranho. Foi como uma revelação.

- Então e agora? Já assobias a música sem desafinar?

- Não. Soa-me muito melhor o teu estilo.


*

Agora já não corro para apanhar autocarros. Sobretudo, porque ando quase sempre de carro. Mas quando vou de autocarro, não corro atrás dele. Se estou atrasado, deixo-me estar e pronto. Mesmo que o próximo venha daqui a bastante tempo, sinto sempre que a culpa não foi minha por não o apanhar. Ele é que passou cedo demais, não fui eu que acordei tarde demais.
Mas, há já muito tempo, puxavas-me o braço e corrias, e eu ia pelo ar. Os meus pés pequenos chegavam ao chão de vez em quando e davam impulso para mais uns metros de arrastão – naquela altura parecia-me que corrias muito depressa. E eu ria-me até me doer a barriga por não conseguir acompanhar o teu passo, e íamos mesmo velozes, e tu também te rias porque eu não conseguia parar de rir e porque sabias que eu estava no limite e mesmo assim corrias mais depressa de propósito. Não me lembro de alguma vez ter de esperar por uma camioneta quando ia contigo. E depois, na camioneta, estava cheio de calor, e a camioneta ia mesmo muito depressa, o motor acelerava tanto que fazia um som altíssimo e agudo, e parecia que se ia desfazer toda, enquanto descia aquela rua das árvores, no Estádio Nacional. Em muito pouco tempo estávamos na estação de comboios da Cruz Quebrada.

Quando eu dizia na escola que ia contigo procurar pedras – “as pedras certas” - para a praia da Cruz-Quebrada, não percebiam e gozavam comigo. E estranhavam essa e muitas outras coisas que eu dizia, e que tinha aprendido contigo. As crianças estranhavam-me e gozavam, e os adultos admiravam-se pela minha maneira perfeita de falar, com palavras caras. Não percebiam de onde vinham aquelas ideias diferentes, pouco comuns para uma criança tão pequena.
De qualquer maneira, nem uns nem outros sabiam que tu pegavas nessas pedras e com elas construías obras de arte. E também não percebiam muito bem o que queria eu dizer quando lhes dizia que “fazia barro”contigo.
Não me lembro de alguma vez me ter sentido posto de parte por me acharem diferente. Em vez disso, habituei-me a sê-lo e a gostar disso. A minha idade dos porquês foi muito enriquecedora. Aprendi desde muito novo a escrever impecavelmente, sem erros, e a gostar de ler e de escrever, porque tu não gostavas nada que eu escrevesse com erros – ficavas com os olhos muito grandes e falavas mais alto, especialmente quando eu repetia um erro.

Certa vez, estava eu doente, sem ir à escola, e houve um teste importante – uma prova, como se dizia na altura. Uma prova importante, se é que há provas importantes na terceira classe. E eu estava doente, mas como era importante, disse que tinha que ir fazer a prova e fui, levado pela minha mãe, com o pijama por baixo da roupa. Cheguei bastante atrasado, sentia-me mal disposto, febril, e tinha aquele gosto terrível a laranja-aspegic na boca. Mas fiz a prova, e tive nota máxima, melhor nota do que toda a gente lá na sala. Já não me lembro que prova era, mas lembro-me, isso sim, de que escrevi lá coisas que me tinhas ensinado e de que tínhamos conversado e que me vieram na altura à cabeça. De resto, as minhas composições eram quase sempre lidas pela professora em voz alta, para toda a turma ouvir.

Acho que só comecei a jogar futebol e outras coisas próprias da idade quando os meus colegas já se estavam a desinteressar disso por causa das raparigas. Eu preferia ler e fazer outras coisas. Andar de bicicleta como os outros também foi muito mais tarde do que o normal – já poucos andavam de bicicleta. Por isso mesmo, e já com aulas de Educação Física, era sempre dos últimos a ser escolhido para as equipas nos intervalos em que jogávamos à bola. E ia sempre à baliza. Só já no 8º ano, quando construíram uma escola em frente à minha casa, é que passei a ocupar os dias a jogar futebol e basquet, intensivamente. Com os anos passei a correr mais depressa e a jogar tão bem ou melhor ainda do que quase toda a gente. Entretanto, muita gente já não jogava sequer, porque já tinha passado a idade dessas coisas.
Nunca fomos muito ricos, embora nunca nos tenha faltado absolutamente nada do que era importante. Mas, uma vez, tinha eu uns doze anos, chorei com os nervos quando um vizinho me furou uma bola com uma faca. Eu estava a jogar com um amigo meu, e esse vizinho foi-se pôr a assar sardinhas num fogareiro mesmo por trás de um cesto de basquet que tínhamos construído com um barrote roubado numas obras, uma placa de contra-placado a fazer de tabela, e um aro de uma jante de bicicleta. O terreno era de terra, nas traseiras da minha casa, e tínhamos andado lá com enxadas a limpar as ervas daninhas até me nascerem bolhas nas mãos. Na altura, os nossos campos eram sempre assim, com balizas ou cestos feitos por nós, miúdos, e eram cheios de montes e buracos e enormes calhaus de basalto; apesar de tudo, nunca torci um pé por causa disso, e até hoje não parti nenhum osso. Mesmo com a escola que construíram à frente da minha casa, não nos deixavam ir jogar para lá, e embora tivéssemos saltado inúmeras vezes as grades da vedação, o segurança – um homem mal encarado, bêbado e sem qualquer educação - chegava a chamar a GNR por causa das nossas invasões. Lembro-me de ver os jipes (era sempre mais do que um, o que me fazia sentir uma real ameaça à sociedade) da GNR a subir a rua em direcção à escola, e nessa altura corríamos o mais que podíamos, tornávamos a saltar a vedação e enfiavamo-nos no prédio de algum de nós, enquanto nos riamos sem parar. Depois haveria de se continuar o jogo interrompido por motivos de força maior, e havia sempre alguém que se lembrava do resultado. “Tava quanto a quanto? A bola tava nossa!”.
Naquele dia, um lançamento mal calculado foi embater no fogareiro do tal vizinho, que estava no chão. Ele não gostou e furou-me a bola, sem dizer uma palavra. Chorei, não por ter ficado sem a bola – que era de futebol – mas pelos nervos causados pela besta que era o meu vizinho, e principalmente porque aquela bola me tinha sido dada por ti, e tínhamos ido comprá-la numa loja de desporto na baixa, num dos nossos passeios a pé, sempre a pé, por toda a Lisboa.

Nessa altura arranjei um canivete daqueles da propaganda médica, dado pelo tio Luís, e não directamente a mim, de certeza. Era daqueles que só cortava se fizéssemos muita força, e não me era muito útil na altura, porque a principal função era tirar caricas das garrafas de cerveja. Dava tudo para ter visto a cara do meu vizinho quando se levantou para ir para o trabalho e viu os quatro pneus do carro dele furados. Com facas mato, com facas morro, terá pensado.

No outro dia vi o tal segurança, enquanto tomava o pequeno almoço no café aqui da esquina. Está velhíssimo, com a mesma cara de besta, cospe no chão, anda com bengalas e mal se mexe. Come todos os dias um caracol e uma meia de leite.

*
Não foi esse o meu début no mundo dos pneus. A estreia já tinha acontecido há uns anos, num episódio que me tornou muito famoso junto da minha comunidade. Tenho a certeza de que te lembras muito bem.
Estava eu na primeira classe, com 5 anos, e tinham-me dado uma daquelas agulhas de picotar com cabinho de madeira, juntamente com uma esponjinha paralelipipédica, para fazer aqueles trabalhos da escola com papel de lustro. E então resolvi, no caminho da escola para casa, ir espetando essa agulha nos pneus de alguns automóveis. Gostava da sensação daquele arzinho a sair tsssssss! Mas depois ia-me logo embora, e como o furo era pequenino não chegava a ver a inevitável transformação do pneu. Assim sendo, ter-me-á parecido prática inofensiva, pelo que repeti sucessivamente a coisa.
Não creio que o meu modus operandi tivesse obedecido a qualquer critério especial de selecção das vítimas. Certo é que consegui acertar nos carros dos pais de alguns amigos meus de cá da rua, e como um deles me viu a fazê-lo, juntaram-se para me linchar quando a minha avó me tinha dito para lhe ir fazer um recado à mercearia. A intervenção providencial da minha avó evitou o pior nessa altura.

Certo é que... fui dar contigo sentado no meu quarto, na mesinha de cabeceira branca da minha avó, a olhar fixamente para a janela. Estavas calado, com um olhar muito estranho. Os teus olhos azuis acinzentados brilhavam muito, não olhavas para mim. Não me lembro se disseste alguma coisa. Mas eu sei que pedi desculpa, e tentei explicar que o tinha feito “para ver como era fazê-lo”. Nunca mais me esqueci.

Como eu já disse, nunca fomos muito ricos, e não deve ter sido pouco o que se teve de pagar na altura por causa da minha diabrura. Houve até pessoas que quiseram que se pagasse pinturas novas por causa de riscos que não tinham sido produto da minha arte. Na altura, não corria o risco de que fizessem com o nosso carro a mesma coisa, porque não tínhamos. Tiraste a carta já bastante tarde, e dos meus amigos era o único cujos pais não tinham carro. Depois, lá arranjámos um Renault 5 vermelho em segunda mão.

A minha primeira bicicleta, do tipo BMX, foi comprada em parte com dinheiro que tinha poupado, e já eu tinha uns doze anos. Lembro-me que não chegava com os pés ao chão, mas não foi por isso que me instalaste rodinhas para aprender a andar, como se costumava fazer na altura. E tão pouco me amparaste enquanto aprendia. Lá tive que me amanhar e aprender a andar nela. Mas rapidamente ganhei confiança, o que precipitou o meu maior espetanço de sempre.
Foi num Verão, estava muito calor, e fui fazer uma descida que na altura me parecia enorme, e que acaba numa semi-curva, ladeada por aquelas pedras brancas baixinhas que desenham os estacionamentos mais antigos. Essa descida ficava perto de casa, mas suficientemente longe para demorar 10 minutos a lá chegar a pé, e era uma rua de alcatrão com pedrinhas de gravilha. Resolvi fazer a descida em tronco nu, sem mãos, e de olhos fechados, para sentir melhor o fresquinho da velocidade. Até agora, mesmo tendo ido de bicicleta até para o Algarve, foi a única vez que andei em tronco nu.

Quando a roda resvalou nas tais pedrinhas brancas, cá em baixo, aconteceu o pior.
Dos polegares, saíram metade das unhas. O meu tórax e parte do abdómen esquerdo, desde a clavícula até quase ao umbigo, ficaram em carne viva. Tive de levar a bicicleta ao ombro porque ela ficou bastante maltratada e a roda da frente ficou empenada, elíptica, com raios partidos, e o pneu rebentou. Lembra-te que antigamente os aros eram num metal super rijo e pesado, não eram como agora, que são de alumínio muito leve – talvez isto dê uma melhor ideia da violência do espetanço.
Estava muito calor, mas quando entrei no fresquinho das escadas do meu prédio, a coisa começou a doer a sério. Quando bati à porta – também só tive chaves de casa quando era mais velho – a minha avó abriu e eu estava a chorar. Deitei-me no chão de taco encerado do hall da minha casa, e a minha avó deve ter gasto dois pacotes de algodão em rama. Primeiro espremeu água, depois álcool, por cima da ferida. Os meus amigos que moravam noutro quarteirão vieram bater à minha porta por causa dos gritos, para ver o que se passava. Nessas férias, fiquei um mês sem me mexer como deve ser, e passadas semanas ainda saiam bocados de pele, crosta, e pedrinhas de gravilha do meu peito, durante o banho. Ainda hoje essa pele não bronzeia como deve ser.

Vejo agora boa parte dos meus colegas de primária que gozavam comigo por ser mais intelectual, e dos tais amigos da minha rua que quiseram fazer justiça pelas próprias mãos – naquela altura qualquer razão era boa para bater em alguém que fosse mais fraco. Com algumas excepções (e esses não eram os piores na altura), têm vidas lixadas, com empregos lixados, com salários lixados, e continuam com a mesma pouca cultura e educação que tinham.
A maneira como me educaste levou-me a tomar as desvantagens em meu favor. Não foi por ser o mais pequenino das turmas onde andei na primária e no ciclo que fui dos que levou mais tareias dos mais fortes e estúpidos (e mesmo assim levei várias), porque também foi contigo que aprendi a ser mais esperto e a escapulir-me. Em muitos casos até consegui que me protegessem e admirassem.
Não foi por ser mais baixinho que toda a gente que deixei de jogar basquet melhor do que os outros, ou que deixei de aprender a correr bastante mais depressa do que eles. Não foi por ter menos dinheiro ou menos condições que deixei de estudar e aprender mais do que os outros e ir mais longe do que muitos. Se hoje pertenço a uma pequena minoria, foi porque mesmo sem grandes palavras ou explicações, ou mesmo grandes exemplos, me mostraste que é possível atingir grandes objectivos, se dermos o máximo para sermos sempre melhores.
Não apesar das limitações, mas por causa delas.
*

9 de junho de 2007

Quiz test - Verdades de La Palisse




Será que ele gosta de ti? És sexy? Precisas de emagrecer neste Verão? És capaz de o pôr louco de desejo? Responde a este questionário e tira as tuas dúvidas! Regista as tuas respostas e vê a tua pontuação no fim (ou não).

1 - Se ficas absorvido todos os dias no teu trabalho, depois não te admires...

a) ... que não te convidem para jogar poker às quartas-feiras à noite ou beber copos ao fim-de-semana;
b) ... que só te telefonem quando precisam de ajuda porque "tu até trabalhas na área";
c) ... que quando te virem na rua só te perguntem como vai o emprego, porque sabem que não tens mais nada para contar.

2 - Se não deres de beber de vez em quando aos teus amigos, não te admires...

a) ... de eles irem procurar água noutras paragens;
b) ... de receberes muitos postais de Natal;
c) ... de não chorarem muito no teu funeral.
(Quando aqui cheguei ao café, não estava cá ninguém; agora mal tenho espaço para a bica e para o pc na mesa, sentaram-se três velhotas à minha volta, e uma delas está a dar-me pontapés por baixo da mesa).

3 - Se trocares o teu namorado por outro por causa do dinheiro, depois não te admires...

a) ... de ser encornada à força toda;
b) ... de teres mais dois sítios onde pendurar as jóias;
c) ... de seres trocada daqui a 10 anos por outra mais nova.

4 - Se beberes, fumares, e andares a comer pequenas sem precaução como se não houvesse amanhã, depois não te admires...

a) ... de ter uns pulmões pequenos e não conseguires correr atrás dos teus filhos;
b) ... de ficar com um fígado enorme, ou gordo, ou encortiçado;
c) ... de ter uma pila disfuncional e cheia de borbulhas.

(Não necessariamente por esta ordem. Entretanto, deixei cair três vezes a colher do café no chão, e as velhotas já olham para o pc de olhos esbugalhados).

5 - Se não levares o teu carro à revisão quando é preciso, depois não te admires...

a) ... se te falharem os travões quando uma gaja qualquer se meter à cão à tua frente;
b) ... se tiveres de mudar um pneu na 2ª circular, à chuva, e em dia de jogo do benfica, e de seres assaltado por meia dúzia de macacos vindos do Colombo e que estavam prestes a atravessar a estrada como animais perdidos;
c) ... se ficares com ele empanado precisamente no dia em que não podias faltar a uma coisa qualquer.

6 - Se nunca te lembrares de registar o euromilhões antes das 7 da tarde ao sábado, não te admires...

a) ... que seja um gajo empresário têxtil explorador e podre de rico a ganhar o prémio;
b) ... que o vencedor construa uma casa enorme, forrada a ladrilhos e a azulejos e com cães de louça e leões de mármore à porta (e duendes de plástico no jardim);
c) ... de trabalhar a vida inteira para aquecer.
7 - Se não limpares debaixo da tua cama de vez em quando, depois não te admires...

a) ... se lá viverem monstros que acordam à noite;
b) ... de comprar pantufas todos os fins-de-semana;
c) ... de ter asma.

(Um dos pacotes de açúcar que vêm com a bica dizia assim: "falta menos de um ano para você ficar um ano mais velho"; olha o cabrão! Que apropriado, ler neste preciso momento filosofia de pacote d'açúcar! Sinto-me em comunhão com o mundo a partir deste momento... os planetas alinham-se).

8 - Se gastares o teu dinheiro todo num carro topo de gama, ou em roupa de marca que se desintegra a mais de 30 ºC, depois não te admires...

a) ... de achar que o mundo é pequeno e que tu és o maior;
b) ... de nunca teres saído da tua casa rodeada de arame farpado ou de uma sebe altíssima;
c) ... que só te dês com gente mais pobrezinha das ideias do que tu, que nunca se aborrece por as tuas histórias serem sempre as mesmas.

(Não acredito. A velhota à minha frente meteu-se a ler (?) um jornal maior do que a mesa e é o terceiro encontrão que dá no monitor do pc. Os olhares de reprovação sucedem-se de lado a lado, mas nenhuma palavra é proferida).
*

A vida é um padrão imenso de opções, com tantas variáveis incontroláveis quanto possibilidades. O grande problema é que não temos paciência.

Hoje é sábado e acordei demasiado cedo. E entre o dormir e o acordar, na cama, construí mentalmente este texto, não sei bem por que razão. Apeteceu-me fazer este post, embora reconheça que se parece, mais do que gostaria de admitir, com aqueles mails da trampa.
Entretanto, sugiro-vos que vão ao link que aqui vos deixo, para saberem mais sobre La Palisse.
Acho um bocado ridículo usar frases conhecidas (ainda por cima com nomes próprios metidos ao barulho, e não saber de onde vieram).
(como qualquer pessoa pode escrever na víquípédia, de certeza que o que lá diz é verdade).