Como chocolate tal como os meus dentes me permitem. Fecho o maxilar só até metade e, mal os dentes tocam no meio quadradinho que pus na boca, parece que desisto, e torno a abri-lo. Depois insisto repetidamente, devagar, como se fossem ondas pequeninas que batem num pontão, devagar, devagar. Entretanto, vou destruindo os bocadinhos que se desprendem, empurrando-os com a ponta da língua contra o céu da boca. Estes actos demoram eternidades; e tudo isto tem o sentido de breves segundos de sabor doce.
Quando como chocolate, dá-me para pensar em coisas profundas que, como profundas que são, não têm qualquer interesse prático. São apenas sínteses de sínteses já feitas por toda a gente no mundo, e que de tão escoadas e escorridas e decantadas, tomam a forma de provérbios ou frases feitas. Faz-me lembrar aquelas essências de frutas dos iorgurtes ou dos gelados, que de tão essenciais que são, não trazem os complementos, os acessórios, enfim, tudo aquilo que dá contexto e propósito de existência, e que à primeira vista não tem qualquer relação.
Estive a pensar nos átomos, tão pequeninos, e na forma como se relacionam uns com os outros. Andam na sua vidinha atarefada de cirandar de um lado para o outro, velozes relativamente ao seu tamanho. Uns são maiores que outros, e uns movem-se mais devagar que outros. Alguns têm muita energia e uma enorme vontade de interagir, outros são praticamente inertes. E depois chocam uns com os outros do nada. Apenas porque o tempo e o espaço coincidem, ou então porque Deus quis; permito que escolham a concepção que mais vos aprouver. Chocam, e depois normalmente vão cada um para seu lado. Ou então têm a energia, velocidade, trajectória e reactividade certas, e estabelecem uma ligação mais ou menos forte, mais ou menos estável, mais ou menos duradoura. Até que venha um outro átomo mais afoito que choque contra essa irmandade e teste a sua segurança. Pode até dar-se o caso de haver uma substituição de um átomo por outro. Ou talvez não. Mas haverá sempre mais e mais choques, até porque os átomos são muitos e vivem para sempre.
Na vida humana macroscópica, entre tantos e tantos milhões de pessoas que existem, também há choques, uniões e rupturas. E eu até dava muita importância ao facto de achar que havia factores específicos que determinavam quais os encontros que podiam haver entre as pessoas. Acho que agora penso que são tantas as variáveis, e as pessoas andam tão depressa e em raios de movimento tão grandes, que fui obrigado a concordar que o acaso tem uma grande palavra a dizer. Uma assim com muitas letras, bem profunda. Talvez esses factores sejam então importantes para definir qual o outcome dessas colisões. Ou então nem isso.
No caso dos átomos, muito depende da energia, da trajectória, mas essencialmente, de "quem" são esses átomos. E no caso das pessoas não é assim? A diferença está talvez no tempo. Os átomos chocam, e passado pequeníssimas fracções de segundo ficamos a saber se se ligam ou não. Na verdade, uma análise à tabela periódica pode ajudar a saber com antecedência se eles realmente casam ou não. No caso das pessoas, só se lermos as revistas é que sabemos se nas novelas elas casam ou se separam, e se os encontros são produtivos ou não. Não acredito nos signos, nos horóscopos, nas pessoas que predizem o futuro. Não acredito nas poções de amor, que dobram as leis da física, de Deus, da sociologia ou sei lá mais o quê, a nosso favor. Também não há tabela periódica que nos ajude, porque só há perto de duas centenas de átomos diferentes, mas no caso das pessoas nem vale a pena pensar em classificações.
Se juntarmos uns átomozinhos de Oxigénio com uns de Hidrogénio e aproximarmos uma faísca, sabemos de certeza que o resultado é água. No caso dos humanos, talvez prever situação semelhante só seja possível no caso de eliminarmos alguns graus de liberdade, como o caso de juntarmos algumas pessoas numa casa durante muito tempo, até que algumas delas se liguem, a la Big Brother, com faísca ou sem faísca metida ao barulho. Talvez porque não tenham outra escolha. As pessoas conseguem ser ao mesmo tempo imprevisíveis, e todas iguais.
Nos últimos tempos, cheguei a uma conclusão que considero surpreendente, dada a minha personalidade tendencialmente vocacionada para a ciência. Não tenho convicção religiosa, nem acredito no destino... mas às vezes parece que há coisas que acontecem, que não estão directamente relacionadas com nada, mas que se pensar bem, até consigo perceber que me podem ajudar a tomar decisões em relação às minhas "colisões". Como se fossem indícios que empurrassem gentilmente, docemente, a minha trajectória, para que não vá colidir com alguém, ou para que vá colidir com outra pessoa. Claro que esses indícios só o são se a minha interpretação fortemente imaginativa assim o decidir. Mas ainda assim, creio que que ela faz parte de Deus - do Meu Deus.
Nas minhas colisões por esse mundo fora, aprendi a dar tanta importância aos pormenores do que à essência. É importante não estreitar a visão apenas para o que está à minha frente. Se o fizer, poderei transformar-me num cavalo, com 3 ou 4 pessoas em cima de mim, e olhar apenas para uma cenoura pendurada no extremo da linha de uma cana de pesca. E também acho que a variável tempo, nessas colisões, está muito sobrevalorizada. Já percebi que a energia das uniões não é directamente proporcional ao tempo decorrido, e, em boa verdade, não tenho paciência para esperar. É preciso estar também atento à faísca. Talvez ela não seja só um pormenor.
*
Vou comendo mais chocolate, esquecendo-me do quão precários estão os meus dentes. Os movimentos vão-se tornando mais amplos, mais fortes, e as colisões mais violentas, e sinto uma enorme vontade de ser bruto para obter um sabor mais intenso, mais enérgico, instantâneo. Pena que dure pouco tempo e acabe por doer bastante.
1º comentário, só em relação à foto:
ResponderEliminarXalente, Miguel Veloso!!
2º comentário, em relação ao texto:
Mais uma pérola do teu imaginário. A tua capacidade analítica e de introspecção, aliada ao paralelismo com factos tangíveis da ciência não deixa nunca de me surpreender. Tens razão quando falas da faísca. Sem ela, apenas haveria colisões esporádicas que aumentariam a entropia e pouco mais; há que haver afinidade entre as pessoas, saber que poderá eventualmente resultar se ocorrerem certas e determinadas condições. Mas a faísca é um pau de dois bicos: quando na presença de hidrogénio (combustível) e oxigénio (comburente) pode originar um belo foguinho, daqueles que alteram a vida para sempre. Não acredito em acontecimentos predestinados nem em sinais divinos... apenas em fortes acasos. Probabilidades. De todos os milhares de interacções que se têm ao longo de um dia, de um ano, de uma vida, ocasionalmente os factores conjugar-se-ão.
O Miguel Veloso telefonou
ResponderEliminarQuer o cabelo dele de volta
lindo!até parece que foi escrito de propósito para nós.beijo
ResponderEliminarComentários anónimos põem-me os cabelos em pé. Seria bom que te identificasses, porque assim eu não sei quem és.
ResponderEliminarNão fui eu, mas gosto de ti até à Lua. Não me esqueci do lanche, parece, mas não me esqueci. :)
ResponderEliminarBeijinhos...
Sim, Rui, continuo a ser um interessado em Probabilidades. O que quis se calhar definir, é que há coisas extra-prováveis. Ou seja, acontecimentos independentes que poderão influenciar, através do crivo que é o nosso juízo, outros acontecimentos. Como dizer melhor...? Influenciar decisões nossas.
ResponderEliminarQuanto à parte do Miguel Veloso, ela dispensa comentários. Pelo amor de deus, ainda o puto levava nosadas minhas a jogar à bola ali no mercado de queijas, e já eu tinha o cabelo comprido. Portanto ...
Sobre o comentário da anónima: fico realmente chateado quando mostram afinidades pessoais nos comentários e depois não dizem quem são. Pá... qual é o objectivo?
Ritinha... eu também gosto de ti até à Lua e mais além. E também não me esqueci do lanche...
Beijos e abraços :P
Quanto à parte do Miguel Veloso, deixo esta foto para comparação e ao critério dos leitores deste afamado blog!
ResponderEliminarhttp://fotos.sapo.pt/porcelain_/pic/00060xb5/s320x240
Rui ... não tem nada a ver. Cara de um, cu do outro.
ResponderEliminarPronto, ó Mig... João. Não nos vamos chatear por causa disso.
ResponderEliminarHá colisões pequenitas e há grandes colisões, ou seja, as grandes colisões que, só mesmo quando espetamos a cabeça na parede é que damos conta dos grandes acidentes das nossas vidas (e, mesmo assim, por vezes até é dificil de acreditar que realmente tivémos um grande acidente).
ResponderEliminarÀs vezes é preciso passar por isso...
Também não acredito em Deus nem no destino, mas também não acredito em cuincidências - tudo tem uma razão de ser, um certo propósito, mesmo que não o consigamos racionalizar ou perceber.
Está nas nossas mãos transformarmos as grande colisões em pequenitas e seguir a nossa vida, "até porque os átomos são muitos e vivem para sempre"!
Beijinhos
Como já tinha dito, volto a frizar...
ResponderEliminarGosto da maneira como escreves, como descreves o q te vai na alma... a maneira como passas para esta página, os teus pensamentos...
Parabens...
Probabilidades existem sempre.
E podemos sempre deixar em aberto ou em duvida, para que possamos chegar à conclusão, se ao nos chocarmos como os tais atomos...ai sim, veremos o que nos sucede,
o que quero dizer é que temos de estar abertos para a vida, e sim esperar que a tal faisca resulte.
E claro ser feliz... mesmo depois de uma colisão, não ter feito uma forte faisca ;-( .......
podemos virar a página e seguir em frente, viver a vida e apreciar cada momento, cada pormenor, conseguir ver mais doque o que está à nossa frente, olhar para uma pessoa...e tentar compreende-la e conhecê-la.
Até uma proxima...STP