14 de maio de 2005

Plasmodium (não) vivax ®




Somos feitos de C, N, O.
Somos feitos do asfalto que percorremos, dos traços descontínuos que desaparecem, efémeros como flashes.

Somos feitos dos semáforos vermelhos e stops que não respeitamos, dos carros que ultrapassamos, dos velhinhos que ajudamos a atravessar as ruas. E dos carros que nos atropelam.

Somos feitos do ar que inspiramos, e não do que expiramos. Não somos feitos do cabelo que cortámos ou que nos caiu...
A água que vertemos ainda há de fazer parte de nós de novo.

Teremos sempre onde cair mortos e seremos sempre iguais a nós próprios; desejaremos sempre aos outros o dobro daquilo que eles nos desejam. Haverá sempre expressões arrogantes, verdades de La Palisse e ditos vingativos mascarados de bom samaritanismo.

Somos feitos dos amigos e amores que se foram embora, e seremos feitos dos que ficarem quando morrermos.
Somos feitos das dores que sentimos, dos sabores que experimentámos, dos odores que cheirámos e das cores e formas que pintámos.

Não somos feitos do que poderíamos ter feito. Somos feitos dos louros das acções para as quais tivemos força, dos saltos de fé que ousámos arriscar, do orgulho dos erros que tivemos a coragem de cometer. Em nós não há lugar para o arrependimento do que nunca fomos.

Somos feitos das lições que aprendemos, das cicatrizes de chicote que temos nas costas; mas também dos músculos que desenvolvemos e dos anticorpos que criámos.

Somos feitos de quem nos amou, de quem amamos e amámos. Somos feitos de quem nos magoou e nunca existiu. Somos feitos das paixões do presente.
Somos feitos de ganidos, latidos, ladrares e rosnares. Somos feitos dos mesmos órgãos e sistemas de órgãos que todos os dias envenenamos mais um pouco. E somos feitos da necessidade de excretar esse veneno, picando-nos uns aos outros.

Somos feitos do queijo e da ratoeira. Do queijo e da faca nas nossas mãos. Das facas de dois gumes que no-las cortam.
Somos feitos do fascismo, do comunismo, do socialismo e do neofascismo - tudo é uma questão de referencial einsteiniano.

Somos feitos de heroísmo cobarde; somos feitos de espiritualismo materialista; somos a espada e a parede.
Somos feitos de narcisismo falso-modesto.
Somos feitos de resignação megalómana. Somos lobos na pele de cordeiros, e nos tempos livres somos cordeiros na pele de lobos.
Somos minimalistas grandiloquentes.

Somos feitos de oscilação uniformemente variada.
Mas cada um de nós é feito das opções que toma.

6 comentários:

  1. where is my mind? where is my mind? wheeeeere is my mind?

    way out in the water
    see it swimming



    [Pixies - 1988]

    ResponderEliminar
  2. I hope you don't mind that I express myself in english, but that's how I'm feelin' it and callin' it this momment. Actually, I don't really know what to say. In some way you touched me, you touched something inside of me. What was written was profound, deep, pure.. You touched me because in someway you expressed what I feel inside, but have no way of expressing. I agree with everything that was written, but don't have the ability or talent to express it the way you have.. nor will I ever be able to. You have a very special talent. That makes you special in my eyes, and I have no doubts that there are other things that make you special. I wish I knew how to use words the way you do. I want to keep reading your works and I hope you never stop.. I think I'm blabbering on and on, and that I haven't said anything worth while... Só queria que soubesses que de alguma forma me tocaste muito... e me fizeste pensar e reflectir quando não estava à espera, nem preparada para o fazer...

    ResponderEliminar
  3. Mais um texto saido das entranhas, reflectindo estados de alma que, embora no texto corrido pareçam sem nexo e desconjuntados, são o espelho das emoções tal como elas surgem... nem tudo se revela consciente e racional.

    E mesmo assim, parece que toca cá no fundo sem se saber porquê.

    Viva a ginja caseira.


    Um abraço

    Rui A

    ResponderEliminar
  4. Ainda bem que apreciaram. Este post não é bem "à STP", mas... foi o que saiu! Marca o fim de uma era, acho eu :)

    Grande abraço para todos!

    ResponderEliminar
  5. E isto é o k de mais puro e verdadeiro existe em nós.. embora nem todos xeguem à profundeza da verdade :)
    Está deveras fenomenástico, Parabéns!
    Dos piores males, nascem os melhores ditos, talvez seja uma prova disso :)
    Beijão***

    ResponderEliminar