6 de dezembro de 2012

Uma explicação da chuva


Chove.

Chove para que as estradas fiquem limpas para poderem encher-se depois novamente de todas as porcarias gordurosas imagináveis.
Chove para que os vidros dos carros fiquem embaciados e para que nos possamos insultar uns aos outros no trânsito de forma especialmente inconsequente.
Chove para que possamos conduzir mais depressa.
Chove para que possamos ter tema de conversa às portas dos cafés dos locais de trabalho, mostrando-nos admirados por cair água do céu em Dezembro.
Chove para que possamos andar cabisbaixos no nosso caminho, sem serem precisas explicações para a falta de um olá-tudo-bem quando nos cruzamos.
Chove para que possamos ficar em casa a ouvir a saraivada a bater lá fora.
Chove para que haja chapéus de chuva, seguros contra terceiros, gabardines impermeáveis, arcas-de-noé.
Chove para que se possa dizer que "faz muita falta a chuvinha".
Chove para que o boletim meteorológico possa acertar às vezes.
Quando andava na quarta-classe  andava na fase dos "como" e fiz um trabalho para a aula de Meio Físico sobre o ciclo da água, numa cartolina com colagens. Aí se aprendia que só chovia em cima das montanhas, depois os rios formavam-se e passavam pelas hortas e iam dar ao mar, e só no mar é que a água voltava a evaporar.
Bastante mais tarde, na fase dos porquês, aprendi sobre condensação, ligações por pontes de hidrogénio, electrões... gelo I, gelo II, gelo III... até ao gelo XV ou XVI. E porque é que podia cair granizo, água, neve, formar-se geada...


*

Pensei nestas coisas todas enquanto via chover de uma janela, ainda molhado de ter vindo lá de fora. Nunca usei chapéu de chuva. O menos mau que ela me faz é ensopar-me.
Porque é que a chuva me bate assim ?

*

Chove porque faz muita falta ter tema de conversa.
Chove para podermos insultar inconsequentemente o boletim meteorológico.
Chove para que possamos ficar em casa a enchermo-nos de todas as porcarias gordurosas imagináveis.
Chove para que os vidros dos carros possam ficar embaciados sem serem necessárias explicações.
Chove para dizermos olá-tudo-bem mais depressa.
Chove para acertarmos às vezes no caminho apesar de cabisbaixos.
Chove para ficarmos limpos.



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