10 de setembro de 2006

Parábola

Voltava do café, segurando um cigarro entre os dedos, fumava-o pacificamente: observava o fumo a ser abraçado pela neblina. A humidade corria de forma galopante por entre as árvores, enquanto a luz nascente de um solitário poste de iluminação contava as gotículas que lá se depositavam e esvaneciam. Luz atrevida que mergulhava pela duna onde me sentei a admirar o mar, que apenas me sorria com uma espuma ténue e quase que fluorescente. Tentava embalar-me com o seu som, qual ninfa que cantara para Ulisses. Mergulho os dedos em tenros grãos de areia – fria e pálida como cal – como se raízes fossem. Reflicto. Sei que vou voltar para lá, um dia destes em que a Natureza decidir que sou o menos apto. Todos perdemos o nosso lugar. Renasceremos?
Não sei. A ideia de ser um grão de areia que está enterrado há muito e que, subitamente, é trazido novamente à superfície é algo apelativo para muitas pessoas e crentes nessa matéria. E se formos uma elipse com um foco fixo e outro no infinito? Afinal de contas, se nascemos e nos podemos imortalizar pelas nossas múltiplas acções, não podemos fechar a elipse. O Mundo, a Natureza, está toda equilibrada numa parábola.
Sou interrompido. Resolvo não atender. A Natureza abraça-me: a maresia toca-me na cara enquanto a cheiro, a espuma fala comigo enquanto enrola na areia. Sussurra-me no ouvido um terno “és meu”. O cigarro depressa acabou. Desenraízo-me, atravesso a bruma e o vento traz-me recordações gotejantes. As minhas passadas, pesadas, deixam cicatrizes que o mar rapidamente cura. Subo em direcção ao topo da duna e só o vento sara essas pegadas profanas que ousaram pisar tão sagrado solo. Quartzo, feldspato e mica acomodam os meus pés enquanto sou iluminado a cada vez que um carro passa. Passo pela rua estreita do costume. Não há um único fotão mais atrevido que os da Lua, a delinear-me. Estava cheia, ela. Sim, tu que praticas o culto da gula durante uns dias dos teus 28 de esplendor, à custa do Sol.
Meto a chave na porta de casa e rodo-a; a porta de madeira maciça range de dor. Os últimos Invernos haviam sido rigorosos. Despejo a tralha toda que tinha nos bolsos em cima da mesa e abro uma garrafa de Whisky. Encho o copo, como de costume, faço mergulhar duas pedras de gelo naquele tentador destilado de 1976. Sorvo cada golo ardente, esticado no sofá da sala, olhando para o tecto enquanto as pedras descaradamente beijam o copo. A Lua espreita pela janela. Quando chego ao quarto vejo que tinha tacteado tudo. Deito-me com ela aos meus pés, olho para ela uma última vez e, ao som de Tool, digo: “serei tua, mas não hoje…não hoje”.

Tool – Parabola

We barely remember
Who or what came before
This precious moment,
We are choosing to be here,
Right now.
Hold on,
Stay inside...
This holy reality,
this holy experience.
Choosing to be here in...
This body.
This body holding me.
Be my reminder here that I am not alone in
This body.
This body holding me.
Feeling eternal, all this pain is an illusion.
Alive
This holy reality,
In this holy experience.
Choosing to be here in...
This body.
This body holding me.
Be my reminder here that I am not alone in
This body.
This body holding me.
Feeling eternal all this pain is an illusion...
Of what it means to be alive
Swirling round with this familiar parable.
Spinning, weaving round each new experience.
Recognize this as a holy gift and celebrate this chance to be
Alive and breathing
Chance to be
Alive and breathing.
This body holding me reminds me of my own mortality.
Embrace this moment.
Remember: we are eternal, all this pain is an illusion.

1 comentário:

  1. Um dia estaremos todos encrustados no planeta.Um dia faremos parte do magma central. Se renasceremos depois por um vulcão situado nos antípodas é uma incógnita. Até lá resta-me esperar que façamos parte do mesmo sedimento arenoso...Adorei:)

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