22 de março de 2009

Acredite quem quiser ...


Vi que o blog andou animado, particularmente na sexta feira, mas infelizmente não pude dar o meu contributo à discussão porque estive de banco das 9 às 21. Nem o vento nem o friozinho que se fizeram sentir ao fim da tarde me fizeram mudar de posição. Bom, pelo menos fiquei com as ripas do banco marcadas nas costas; desta forma posso dizer que fui chicoteado durante o trabalho para ser mais rápido a ver doentes na Urgência ...
Despeçam-me. Processem-me. Prendam-me :)

Ass: Figurinha Ociosa

*

Quem segue o blog com alguma regularidade, mesmo sem me conhecer pessoalmente, sabe que ele alterna momentos de realidade com momentos de ficção, humor, e por vezes, algum exagero. 
Dessa forma, considero injusto e de má fé que alguém, por ter lido uma pequena porção do que escrevo, tenha a pretensão de me traçar o perfil.
Toda a gente tem dificuldades na vida, e uma coisa que aprendi durante o meu curso e no pouco tempo que já tenho de trabalho é que não se deve avaliar as dores e o sofrimento de uma dada pessoa tendo como indicador a lesão orgânica ou o motivo dessa lesão. Uma pessoa pode sofrer porque lhe morreram os pais, porque tem uma vida infernal e pouco satisfatória no seu emprego, porque não tem emprego de todo, ou simplesmente porque lhe cresceu uma erva daninha na sua propriedade no Alentejo. Ou seja: os motivos podem parecer ridículos ou adequados, mas o sofrimento e a insatisfação são sempre reais.

A minha maneira de ser não é, globalmente, compatível com a vitimização. Quando me queixo, é quase sempre com amigos, em conversa. Acho que seria muito maçador para vocês, leitores, que eu me estivesse permanentemente a queixar das dificuldades e dos sacrifícios que fiz/faço na minha vida em geral e por causa do meu ofício em particular, e tampouco (vão lá ver à priberam online, vá...) entraria em dissertações argumentativas para justificar o meu merecimento de algumas regalias, reais ou alegadas por alguém.

Reconheço que pensei mais do que gostaria de admitir no que o Anónimo escreveu. E, é claro, por várias vezes caí mentalmente na vontade de escrever algo a descrever as coisas boas e as coisas más que tenho experimentado e as conclusões a que cheguei sobre a minha profissão para me defender. Mas... a verdade é que agora não sinto grande vontade nem necessidade de o fazer... e acho que cairia tudo em saco roto, porque não me parece - e posso estar enganado nisto - que haja abertura para tal.

Mas há outras razões que me levam a não argumentar. Não preciso de defesa, própria ou alheia, porque a verdade defende-me. E dou a cara porque nada tenho a temer, nem a esconder. Para além disso, confrontar os motivos e os responsáveis pelas minhas insatisfações é coisa que faço com alguma regularidade - pessoalmente - quando acho que pode ser útil; e não estaria a mentir se dissesse que, por vezes, grangeei alguns problemas ou desconfortos por não me ter calado, e alguns colegas meus olham para mim com receio, admirados por dizer determinadas coisas. Já aprendi, claro, a não dizer sempre tudo o que penso de forma imediata, pois só as crianças e os loucos o fazem, mas sempre vivi neste registo e desejo continuar até ao fim.

No entanto, faz-me sentir bem ver que quem me conhece pessoalmente ou quem lê atentamente e de boa fé o blog identifica bem quando estou a brincar e a fazer humor e quando estou a falar a sério e não ousa tecer considerações sobre a minha competência e dedicação profissionais sem ter dados suficientes para isso. Não que eu precise, mas obrigado na mesma.

Uma frase sobre ética e difamação: não sinto que tenha infringido o que quer que seja. O que disse no blog não é nada que não tenha dito fora dele. Não mencionei nomes, e mesmo as instituições foram referidas de relance. Como cidadão, tenho esse direito. O objectivo de falar sobre estas coisas no blog não foi divulgar os podres que há no mundo, sendo eu o Zorro (sem máscara). Toda a gente tem direito a descarregar frustrações de vez em quando e é o que eu faço, sejam elas de ordem sentimental, profissional, ou outras. Há um livro engraçado, o "Why don't zebras get ulcers?", que fala sobre a incapacidade crescente que o Homem tem de reagir e exteriorizar sentimentos de raiva e frustração devido às limitações de ordem social, profissional, hierárquica... desenvolvendo patologias psiquiátricas e somatizantes, enquanto as zebras e os restantes animais irracionais reagem de acordo com os seus pulsos adrenérgicos sem necessidade de contenção - antes, dependendo disso mesmo a sua sobrevivência.
Cada pessoa tem a sua forma de descarregar energias. Este blog não é um panfleto nem uma forma de luta.

Mas voltando à parte da ética. Não me importa - nem me surpreende - que a opinião generalizada da população encontre muita sobreposição no discurso do Anónimo. Este referiu a Deontologia Médica, mas... na verdade eu não falei sobre os doentes, pelo menos individualmente. E quando os referi, tendi sempre a defendê-los. Sabe-me bem ver que, depois de os "meus" doentes estarem comigo, saem de lá satisfeitos e contentes, porque os trato de igual para igual, porque só podia ser assim. Esta é a minha forma de os respeitar como doentes, é a minha maneira de chegar a eles, e traz-me vantagens. Como tal, a minha vida no seu todo também será semelhante à deles, e nem eu desejo que seja diferente. Esta é a minha forma de me dignificar profissionalmente: fazer a minha parte, e ajudar quando tenho essa oportunidade. Se tiver a minha bata passadinha a ferro isso é um bónus, mas não acho que seja o mais importante, apesar de vivermos numa sociedade em que muitas vezes basta parecer sem termos de, efectivamente, ser.

Eu nunca escondi que quero ter uma vida diferente da que leva a maior parte dos médicos que conheço, diferente daquilo que as pessoas pensam, diferente do estereotipo, pois esse estereotipo não me agrada, embora não o condene. Não querendo desenvolver muito esta ideia agora - pois levar-nos-ia muito longe - a verdade é que acho que, de forma apenas aparentemente paradoxal, é a melhor e única forma que tenho de ser bom, e manter-me bom, profissionalmente.

Quanto a ti, Anónimo, espero que não me conheças pessoalmente. (e, apesar de não se começar uma frase afirmativa com "porque", cá vai:) Porque se conheces, eu ia ficar desapontado por saber que alguém sustenta essa opinião sobre mim, tendo esse alguém conhecimento de causa. Nunca vi tal coisa, e é também por isso que vivo bem comigo.
Outra coisa que me desaponta é ver que, apesar de escreveres bem, te deixaste cair aqui e ali em expressões que roçam o ofensivo e o grosseiro, particularmente para com as minhas amigas. Não acho que tivesse sido necessário. Por outro lado, obrigado por me estimulares, e por pérolas como "Figurinha Ociosa". Ri-me comó caraças... (espero que não seja preciso usar aspas para que percebam que está escrito de forma incorrecta).

Acho que isto encerra a discussão na generalidade - não gosto muito de disputas deste tipo, em que as pessoas não têm todas as cartas na mão mas arriscam sucessivamente o all-in. Se quiseres, porém, discutir na especialidade, deixo-te um caminho aberto: eu estou todos os dias no HSM a trabalhar, e o meu e-mail é o stp@mail.pt. Como ganho acima do razoável posso aceitar o ónus de pagar umas morangoskas ao sol :)

Cumprimentos.

16 de março de 2009

"Anónimo disse...

Que chulos! Vão mas é trabalhar! É para isso que vos pagam ordenados astronómicos em comparação com a realidade do país! Que bandidagem que para ai anda...".

Caro anónimo

Devias tentar perceber que cada pessoa tem a vidinha complicada, à sua maneira... Eu não era para responder, mas depois imaginei que podias estar a brincar, ou então, falando a sério, a mensagem poderia servir para todos os que pensam como tu. Ou para aqueles que pensam que a qualidade de vida se resume a ganhar bastante dinheiro ao fim do mês.

Por exemplo... hoje, segunda-feira, custou-me tanto... logo o início de semana, é uma chatice para toda a gente...



Custou-me imenso espreguiçar ao sol, e ir à àgua molhar-me foi uma canseira... 


Foi mesmo um dia de trabalho muito cansativo, a descer e subir escadas... 



Percebeste? Ainda achas que ter muito dinheiro ao fim do mês é o mais importante? Ou... será que não é melhor ter tempo livre? Get a grip, man ... :)










"Anónimo disse...

Que chulos! Vão mas é trabalhar! É para isso que vos pagam ordenados astronómicos em comparação com a realidade do país! Que bandidagem que para ai anda...".


Caro anónimo

Deves tentar perceber que toda a gente tem uma vida complicada à sua maneira... Eu era para não responder, mas depois pensei que podias estar a brincar. E se não estiveres, bem... a mensagem serve para todas as pessoas que pensam como tu. E também para aquelas que acham que a felicidade e a qualidade de vida se resume ao dinheiro que se ganha...

Por exemplo, hoje, segunda-feira, custou-me imenso...



"Anónimo disse...

Que chulos! Vão mas é trabalhar! É para isso que vos pagam ordenados astronómicos em comparação com a realidade do país! Que bandidagem que para ai anda..."


Caro Anónimo:

Tenta compreender que cada pessoa tem uma vida difícil à sua maneira... eu era para não te responder, mas apeteceu-me mostrar-te que nem tudo são rosas na minha vida.




Amor





2:22 - "I still love you.".



*




Ok, o momento da música e citação foi melodramático, mas eu dou com uma mão e tiro com outra.

2 de março de 2009

Ambições

"There's not a love that's perfect

But I, I live in hope".

Esta é uma das minhas músicas preferidas dos Doves. Já partilhei aqui convosco outras duas de que gosto muito, e que traduzem na perfeição - na minha opinião - dois estados de espírito diferentes. Eu acho que os Doves são muito bons a fazer música confortável, mas com um ambiente muito próprio.
Esta música é melancólica, e provoca-me uma sensação que não consigo explicar bem. A letra invoca-me a ideia de que nunca estamos satisfeitos com o que temos, particularmente no plano das relações amorosas; procuramos sempre algo de melhor, como se o novo fosse garantir tal coisa.
Reconheço que já não me lembro se pus esta música aqui no blog para ouvirem. Se o fiz, peço desculpa, mas ela é tão boa que acho que não se perde nada.


*

Acho que é tão fácil sermos felizes sem nos darmos conta disso... e ao mesmo tempo é tão fácil acontecer acomodarmo-nos com o pouco que nos é dado, e achar que isso é estar satisfeito - um pouco como quando uma pessoa está deprimida há muitos anos, e se habituou de tal maneira a esse status que acha que viver normalmente é assim.

É curioso como a grande maioria das relações à minha volta caem numa destas situações. Entristece-me que assim seja,e faz-me perder a fé. De resto, entristece-me que as pessoas à minha volta andem emocionalmente desencontradas umas das outras. Que não se entendam naturalmente. Que não se satisfaçam... que não sejam tudo umas para as outras, por mais que queiram. Toda esta temática é causa de grande dor e sofrimento para toda a gente, e eu incluo-me no clube, claro.Como disse uma pessoa que conheço: "O amor é bonito... é uma merda, mas é bonito.". É tudo sempre muito mais complicado do que podia e devia ser.

Acho que é bom conhecermos algumas pessoas diferentes - do sexo oposto ou não, dependendo da orientação pessoal - para sermos capazes de valorizar aquilo que nos é oferecido numa relação. E é importante passarmos por estar com alguém que não gosta de nós, que não se dedica, que não faz sacrifícios e não se esforça por nós, para nos darmos conta daquilo que sente alguém que está junto de nós, e de quem não gostamos como queriamos. É preciso explorar, até para sermos capazes de calçar os ténis da outra pessoa.


Nem a menos, nem a mais. Se conhecermos demasiadas pessoas, talvez fique mais difícil dedicarmo-nos e entregarmo-nos a uma delas. Ou porque ficamos demasiado intolerantes, selectivos, e egoístas, ou porque nasce dentro de nós um sentimento - mesmo que não consciente - de que tudo tem um fim, e portanto haverá sempre alguém a seguir para preencher o lugar, o que implica uma incapacidade de dar uma oportunidade real à pessoa que gosta de nós. Penso que este é um risco muito real que corremos.


No extremo oposto, temos uma versão requintada da alegoria da caverna. Como é possível saber que gostamos realmente de uma coisa ou de uma pessoa e a preferimos a todas as outras a partir do momento em que ficamos a saber que existe uma enormidade de coisas e pessoas no mundo? Ainda por cima, o mundo actual é pródigo em confrontar-nos com situações, estímulos, e solicitações.

É bom viajar e conhecer... experimentar... mas, talvez, como disse alguém um dia, o melhor de viajar seja o regressar a casa (seja lá o que isso possa significar para vós), anos depois, como bom filho, como bom amante, e como bom companheiro, desejando aquilo que se tem. Há muita gente que não regressa, e outra tanta que não chega a partir.

*

Peço desculpa pela confusão de ideias transportada pelas linhas que escrevo. Acredito que desde que comecei a estudar para o exame - que já foi em Novembro - nunca mais me consegui exprimir como dantes. Espero que seja uma fase que passe o mais depressa possível.