Vou fechar os olhos com força. Depois, vou contrair todos os meus músculos. Vou ficar assim cerca de 30 segundos, a absorver a energia do ambiente que me rodeia. Em seguida, vou gritar assustadoramente, estico as mãos, e delas sairá um potente raio azul claro, de energia pura.
Odeio ser contrariado. Odeio querer que algo corra idealmente, e depois acontece precisamente da maneira oposta. Odeio ser contrariado, mesmo que esse algo que imagino tenha, ad initium, maior probabilidade de não acontecer segundo a minha vontade. Principalmente quando vai contra as leis da física. Ou quando depende de toda a gente no mundo menos de mim. Ou quando a coisa tem tudo para correr assim e corre assado.Julgo ficar sempre surpreendido quando me cortam as vazas.
Queria poder jogar pelas mãos um raio azul claro, puro de energia, que libertasse toda a minha frustração, e me levasse a atingir o ponto de equilíbrio de energia mínima, para que assim pudesse obedecer ao princípio da estabilidade universal.
Também não me importava que acontecesse como nos filmes de animação, em que pelo poder do amor ou da fé incondicionais, as pessoas se concentram, dão as mãos, fecham os olhos, e libertam uma aura de uma energia qualquer verde fluorescente que dissolve os maus. Que faz com que toda a gente no mundo se entenda e tenda para os caminhos mais óbvios do ponto de vista do plano do Criador, mesmo que mais difíceis de percorrer pelos mortais. Que dobra os caminhos que se separam, distorce os carris, e torna a oferecer a oportunidade para, sempre pelo livre arbítrio, eles se unam de novo. Que salva vidas. Que dilata as pupilas das pessoas, faz bater mais depressa o coração, faz suar as mãos. Que aguça os sentidos e as percepções. Que dá a segurança de princípios, a confiança no querer, a força para ultrapassar barreiras intransponíveis, cortar amarras...
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A felicidade é, para mim, um momento limitado no tempo em que existe em nós um decréscimo abrupto de energia. Ou seja, uma ocasião em que não mais fazemos do que obedecer à principal lei do universo: perder energia para o exterior, ficando mais estáveis. Mesmo que isso aumente grandemente a confusão à nossa volta, o balanço é positivo na perspectiva global. Também é verdade que a felicidade é espontânea. E aqui põe-se um problema: a espontaneidade é indissociável do livre arbítrio, entidade que permite tomar opções, decidir sobre alguma coisa, ou efectuar essa coisa. Os animais (já para não falar dos outros seres vivos) regem-se por regras básicas de sobrevivência e procriação, e portanto atingem a satisfação/felicidade percorrendo essas regras, cumprindo 3 ou 4 necessidades básicas. Por assim dizer, para os bichinhos, uma pirâmide de Maslow teria dois, três no máximo, degraus. Portanto eles não têm um verdadeiro livre arbítrio. Feliz e infelizmente, no nosso caso, a nossa pirâmide tem vários lanços de escadas, com diversos patamares e corrimões mal definidos. As necessidades estão lá ... mas são múltiplos os caminhos e entroncamentos para as satisfazer. Muitas delas - não todas - dependem do livre arbítrio. E é aqui que consiste o busilis da coisa.
Temos uma apetência muito grande para complicar o que muitas vezes é fácil. Pensamos no depois quando deviamos aproveitar o agora, e outras vezes ficamos bloqueados no presente, sem perceber que o agora é a única altura de que dispomos para fazer alguma coisa que requeira algum desvio aparente na obediência à ideia da minimização da energia, mas que depois por fim, no balanço final do acto, produz mais satisfação. E o agora já passou. Mesmo que logo a seguir venha outro agora, e estejamos sempre cientes disso.
Mesmo se o caminho é em linha recta e sem grandes opções a fazer, muitas vezes não o interpretamos como tal. E quando há impasses ou dilemas, escolhemos frequentemente as soluções mais fáceis olhando apenas numa perspectiva regional a curto prazo. Esta opção x vai mudar esta pequena coisa nesta pequena gaveta desta prateleira, nesta sala deste armazém que é a minha vida, durante alguns minutos. E depois passamos ao lado de outro caminho que, a médio prazo, globalmente, iria trazer muito mais dividendos, ou, se assim quisermos, ser melhor, no seu todo mais espontânea e com maior potencial de gerar felicidade. Isto acontece mesmo cada um de nós sabendo mais ou menos conscientemente - e de antemão! - disso. O conceito de energia de activação assusta-nos.
Olho à minha volta e não faltam situações de energia retida. Pessoas que são bombas à espera de explodir, e que se admiram quando vêem o seu rastilho a arder. Ou pessoas cujo rastilho é tão grande que quando arde todo a bomba já está chocha. Ou apagam o rastilho. Passamos grande parte do tempo a escolher as hipóteses não espontâneas, soprando para o rastilho, prolongando-o, adiando o BOOOOM! Uma bomba é feita com o intuito único de explodir, e uma vida é feita de múltiplas e pequenas bombas. Apesar disso, o que fazemos tantas vezes é abafar os fogos todos. Vivemos não para ganhar mais, mas para perder menos; não para disfrutar, mas para tentar não sofrer. Temos vergonha de dizer sim, medo de dizer não, e orgulho demais para dizer todas as restantes palavras em defeito e calar aquelas em excesso. E vamos acumulando frustração na proporção inversa da felicidade atingida, consentindo que, lenta mas inexoravelmente, nos atem, reatem, amordacem e ancorem a situações que na realidade não queremos. Tudo isto porque tememos o custo inicial de reagir. Pode-se passar uma vida inteira com medo de se ser explosivamente feliz pelo caos que isso causaria nos nossos surroundings - animais, vegetais, minerais, e os Outros. Somos meninos que ao crescerem aprendem a desobedecer ao universo, e ele castiga-nos provocando em nós um estado permanente de tédio, insatisfação, angústia e mal estar geral. Dizemos então para nós próprios - até para nos convencermos disso mesmo - que não sabemos porque é. Que nos falta algo... bom!
É tão bom quando estamos a perder o jogo em casa por 0-1 aos 89', e arranjamos forças para marcar dois golos nos minutos de compensação. Pena que tantas vezes recolhamos aos balneários após o apito final, engolindo a nossa auto-patranha de que perder só por um não é mau nos dias que correm. E às vezes era só encostar para a baliza aberta...
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Agradar-me-ia muito poder dar voltas ao mundo à velocidade da luz e poder voltar atrás. Ou que, pelo acreditar inabalável, gerasse uma aura verde fluorescente que espalhasse um pouco mais de honestidade nas pessoas para com elas mesmas; que lhes lembrasse que cada um de nós só dispõe desta vez. E dar-lhes muita, muita coragem, como a que eu gostava de ter e não tenho.
Queria poder libertar toda a minha frustração em vários raios de energia pura enquanto gritava assustadoramente KAME AME! Queria poder fazer isso, e que fosse tão normal como uma aula de 50 minutos por dia de body combat. Gostava que fosse possível. Ficaria de bem com o universo e ele retribuir-me-ia com a felicidade.