Caminho sobre a orla irregular do passeio tentando encontrar um ponto de equilíbrio. Estou só com os pensamentos que acompanham o corpo e a mochila que carrego. Não sei bem para onde vou, muito embora conheça perfeitamente o caminho que percorro. Olho em frente e vislumbro um cruzeiro que brama a sua partida da doca entrecortado pelo padrão dos descobrimentos, hoje dotado da imponente beleza de um primeiro encontro. Nunca senti tal devoção.
À proa, o infante lidera os fervorosos rostos de uma nação que um dia ousou destronar Adamastor. O sal, as lágrimas legaram uma das mais prolíficas passagens da nossa história. Mas tudo vale a pena, não só pelo tudo mas também pela pena, sem a qual a premente vontade de superação sucumbiria na mais grotesca das virtudes.
Mesmo que não tenhamos consciência, o valor atribuído à causa depende em parte do grau de impossibilidade de concretização e o esforço e sacrifício pessoais são indissociáveis da felicidade. Contudo, há dias em que preciso apenas de simples momentos como este, aqui e agora. O lânguido passar do vento sobre a face, adequa-se à minha atitude de renegação face a qualquer assunto mundano.
Volto a mim e ao mar, calmo e suave espraiando-se a meu lado. Espectral, caminho contra o sol, cruzo pessoas, vozes, esplanadas, pescadores de rio que comentam as marés e os pormenores técnicos dos quais resulta a escassez da pescaria. O silêncio permite-me alcançar o som da ponte, que brilha ao raiar último do pôr-do-sol e sombreia o Tejo, já matizado por um cacilheiro laranja e branco. Presencio em mim uma certa sensação de alívio e bem-estar. Se pudesse, continuaria o meu percurso infinitamente, deixando para trás a poeira de terra batida ou somente as marcas no solo de uma qualquer terra inóspita.
O desejo de contactar com o desconhecido impele os meus sentidos. A necessidade de partir rumo a mundos tão diferentes daquele em que vivemos freme dentro de mim. Preciso sair e conhecer a outra versão do mundo e da vida, na tentativa de fazer um update de conhecimentos que só a vivência presencial permite. Pode ser que um dia possa concretizar esse sonho. Por enquanto são as luzes das “docas” que iluminam o limiar da tarde. É fim-de-semana adivinhando-se por certo uma noite de folia por estas bandas.
Estou prestes a chegar ao carro. É preciso voltar à realidade e ganhar fôlego para conduzir até casa. O dia foi demasiadamente perfeito para tolerar o trânsito e a confusão característicos das horas de ponta. Homens e mulheres apressam-se e entre tropelias várias lá encontram um espaço na fila ao lado. Muitos regozijam-se pelas suas façanhas em estrada, outros nem sequer dão conta dos seus hábitos, comportando-se como máquinas programadas para a rotina do dia-a-dia, acabando por não usufruir dos frutos do seu trabalho. É verdade que o pão não nasce por geração espontânea contudo, parar um pouco e sentir que pelo menos há vida em nós não paga imposto.
Hoje redescobri que a vida deve ser um elo de fugas e que a evasão, por mais responsabilidades e prazos estudantis ou laborais que tenhamos, é a forma mais eficaz de recuperar a força e retomar o percurso que nos cabe com maior perseverança.
Ganho coragem, parto.