5 de abril de 2006

Apresentemos as nossas desculpas!

Estou aqui sem fazer nada, não queres ir à esplanada num sítio qualquer beber café? Ai, não posso! Tenho que ir buscar a bilha do gás! Ah, pronto, o dever primeiro, claro! Assim 'tá bem!

Tenho andado a ler um livro que me foi emprestado, sobre inteligência emocional. Embora muitas das coisas que lá estão escritas não sejam propriamente surpreendentes, o ambiente que é criado serve de suporte motivacional para que tenha mais atenção em relação a alguns mecanismos emocionais que as pessoas utilizam no dia-a-dia. No mesmo livro, a autora (é uma "ela", o que também não constitui surpresa...) sublinha a importância das reacções motivadas pelo instinto, a forma inata de analisar pessoas instantaneamente, a primazia das emoções sobre os raciocínios como geradoras de comportamentos e atitudes que se querem o mais adequados possível a cada colisão social , seja ela conflituosa ou apenas circunstancial!

Em muitos casos sabemos que as emoções são exteriorizadas, verbalmente, é certo, mas as interpretações levam a enganos e a confusões de consequências desastrosas.

Sem querer estar a interromper o assunto, não podia deixar isto em claro: está aqui a dar no Portugal no Coração, na RTP1, o Júlio Isidro com mais uma das pérolas da televisão nacional: aqueles cromos da harmónica (gaita de beiços, para os leigos) que foram não sei quantas vezes seguidas campeões do mundo, e que são uma família de um pai, não sei quantos filhos e netos e acho que até o cão sabe tocar aquela bodega! Campeonato do mundo de gaita de beiços. Que lindo, hã? Também devemos ser campeões da bisca de 3 e de quem come mais bolas de berlim. Deus ma pardoe. Que harmonia... desde que me lembro de existir que eles aparecem na TV!

Bem, continuando: sabe-se perfeitamente que as pessoas dizem A quando querem dizer B, particularmente quando são confrontadas com situações em que as emoções lhes saem do âmago, aparecem por baixo da pele, e elas sabem que será de algum modo ridículo, constrangedor, embaraçoso, penoso, seja o que for, se elas forem manifestadas na íntegra e sem areia. Então o A seria algo como: hoje não... tenho dores de cabeça, desculpa, amo-te querido!; o B será algo como: Pá, tou um bocado farta de ti!; ou então: Com essa barba hás de ter muita sorte...; ou ainda pior: Tou páquí a dizer que me dói a cabeça mas devia doer era a ti...

Mesmo assim, se as emoções são importantes para dirigir os nossos comportamentos, é igualmente importante estar alerta para podermos interpretá-los da forma mais adequada e elaborarmos a melhor resposta. Aqui entram qualidades como a experiência, a atenção, a inteligência, e, porque não dizê-lo, o conhecimento sobre nós próprios e sobre situações que envolvem terceiros. Sim, porque se é verdade que não devemos fazer aos outros aquilo que não gostamos que nos façam a nós, também não é mentira que nas costas dos outros vemos nós muitas vezes as nossas...

Vamos ao cinema à noite? Ah e tal, não deve dar, tenho que ir lavar o carro a campo-de-ourique! Ok, tudo bem! De que interessa retorquir que estão a chover calhaus, as estradas estão inundadas, há uma praga de gafanhotos que se espetam contra os vidros e faróis e pára-choques, nascem vulcões Etna por baixo dos pneus dos carros e que cospem cinza e piroclastos, e toda a cidade está em obras com lama e em pinturas de prédios e está tudo encharcado de tinta?Convém perceber a mensagem, mesmo que venha codificada, transformada, ou mesmo antagónica, em certos casos.
No outro dia estive até às tantas a ver um filme com o Nicholas Cage e o Malkovich em que eles vão num avião cheio de presos perigosos, sabem? E há uma cena em que uns bacanos comunicam por carta, aparentemente inofensiva, mas que se pusessem por cima uma cópia da "Última ceia", com os apóstolos e Jesus com os olhos furados, via-se pelos olhos as letras e elas formavam palavras e era assim que a mensagem passava. Perceberam? Isto é parecido.
Há desculpas muito boas que resultam sempre, como: Tenho varicela! Não posso sair de casa! Até dá para justificar faltas no ensino superior, porque é uma doença infecto-contagiosa! Mas tudo tem um lado mau: convém que só se use uma vez, senão pode-se ser apanhado numa mentira. E que a pessoa não conheça a nossa mãe! E já agora convém não ir passear nesses dias para o Colombo ou para o parque das nações... Estás aqui! Atão a varicela? Ah, vê lá tu que não era! Foi um rash que apareceu por causa de uma lata de atum que comi!

Outra desculpa muito boa é: Não vai dar! Tenho um casamento! Desculpa!Também aqui existe uma desvantagem, porque não se pode (ou não se deve, porque eu conheço quem o tenha feito) usar se o evento a que nos queremos cortar é outro casamento.

Mas nem sempre dá para elaborar uma desculpa boa. E o nosso cérebro é uma caixinha de surpresas que, no pânico de querer fazer malabarismo com 500 ovos sem deixar cair nenhum (ou seja, cortarmo-nos, não fazer a pessoa sentir-se mal, e ainda por cima não ser apanhado numa mentira) às vezes inventa razões fantásticas. Err... não posso! Tenho que ir tirar as natas ao leite! Tenho que ir desligar o esquentador! Tenho que ir fazer um defrag ao disco rígido! Ahmm... epá, não dá, desculpa, tenho uns anos da minha prima do Cacém! Atão mas... isso não foi em Fevereiro? Não, essa é a outra! Ah... assim 'tá bem! Não queres ir jogar à bola connosco? Anda lá, falta-nos um! Epá, só se me arranjarem uma t-shirt porque eu tou todo suado! 'Tá bem, a gente arranja, anda lá! Err... mas é que... Mas é que o quê? Não queres vir? Não, não é isso, é que fiquei de ficar em casa porque vem cá o homem da luz ver o contador! Ah... assim 'tá bem!

Em suma: aconselho-nos a sermos tendencialmente verdadeiros nas nossas respostas, porque isso evita males maiores; ao mesmo tempo, devemos estar mais atentos ao que nos é dito - conteúdo e forma - e sermos mais tolerantes e condescententes. Desta forma percebemos imediatamente a essência da mensagem e escusamos de estar a tentar encostar a pessoa à parede, apanhá-la na mentira, porque isso é inútil. Não devemos esperar algo como "não me apetece" como resposta. É muito raro isso acontecer, e pressupõe uma relação muito aprofundada. Nesse caso, ou deixa de ser necessária a "mentirinha piedosa", ou então ela adquire a dimensão de "mentirona à cabrão". Entre pessoas que se dão pouco, ou alguma coisa, o normal é ser-se enganado! Espera-se que assim seja.
Por mais que se advogue a sinceridade como elemento essencial nas relações, a verdade é que ela se transmite de muitas formas, acessória e simultaneamente à mensagem verbal. Basta estar com alguma atenção!

Por último, deixo-vos com uma curiosidade: há pessoas com lesões cerebrais bem localizadas que deixam de ter a percepção destes códigos sociais, e perdem a habilidade de dissimular. Simplesmente dizem sem quaisquer complexos a verdade. Essas pessoas são consideradas como tendo algum grau de incapacidade, o que de certa forma um tanto perversa que me está mesmo agora a ocorrer, mostra o que pensamos sobre quem é incapaz de mentir, e, por outro, o medo que temos de, muitas vezes, sermos confrontados com a verdade.
Ás vezes é pior a emenda que o soneto!

10 comentários:

  1. Eu cá prefiro dizer a verdade nua e crua por muito que ela doa...já perdi grandes amigos da onça desta forma...eh he...do género.."Oh Inês, tás sempre a inventar histórias e confusões!Achas isso normal?"..."Ah, desculpa mas ando com um problema com drogas..ando viciada em exctasy...e então dá-me pra mentir."...errr..."Oh Inês!Outra vez?Acabei agora de dizer que te fartas de inventar coisas!Deves pensar que temos todos um O na testa!"...bem, ela lá admitiu que não era normal e eu lá deixei passar.Outra caracteristica da Inês era a impaciencia e o facto de ser um bocado chata.A miuda estava constantemente a ligar pra minha casa, o que não me chateava muito mas ao meu pai fazia confusão.Um dia liga-me quando eu estava prestes a entrar na banheira,o meu pai atende e diz que eu ligava quando acabasse de tomar banho.Eu ainda gritei que ainda estava cá fora mas ele desligou entretanto.Tudo certo então,entrei para a banheira,abro a torneira e qual não é o meu espanto ...o telefone toca...era a Inês!O meu pai diz-lhe que ela é uma chata,que devia controlar-se um bocado, que se ele disse que depois eu ligava era para ela esperar...ela diz: "Ah peço imensa desculpa mas tinha ouvido a voz da Raquel e tal...". O meu pai aceitou...eu passei-me! Quando acabei o tal banho desço as escadas e ligo-lhe: "Então Raquel tás boa?"..."Eh pá! Oh Inês!Que conversa é essa de ligares 2 segundos depois do meu pai ter dito que depois eu ligava?","Ah, eu já pedi desculpas ao teu pai e tal...", "Pois, mas isso é contigo e com o meu pai! Eu cá não tolero este tipo de comportamento(detesto gente chata e claro que não disse exactamente isto, disse de outra forma menos educada...)". Acabei por dizer-lhe tudo o que já lhe tinha dito acerca da sua pessoa, disse-lhe tantas verdades que ela acabou por chorar ao telefone e despedir-se dizendo que eu era uma pessoa má. Eu acho que não sou má...ela é que é maricas! Resumindo...deixamos de nos falar e eu não fiquei com pena porque não me interessava dar-me com pessoas assim. Com isto tudo quero dizer que se disserem a verdade, aqueles que são realmente vossos amigos, intimos e afins não se vão embora e até agradecem a sinceridade. Claro que há diversas formas de dizer a mesma coisa...ou de chofre ou com tacto e diplomacia...mas deve-se dizer sempre a verdade de forma a seres verdadeiro com os outros e contigo mesmo.É o que eu acho.Mesmo quando não te apetece ir tomar o tal café na esplanada...é melhor dizer que simplesmente não estás para aí virado..e pronto!É o que eu acho!

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  2. Por falar em café...Olha lá João, quando é que nós nos encontramos afinal? Ou tens que ir lavar a trança? Ir passear a cadela? Mudar o eixo de rotação da Terra? Unir a Austrália à Nova Zelândia?

    Rui

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  3. A realidade é reflectida neste post! Grande parte das pessoas anda mesmo à espera da desculpa. Acho que te esqueceste duma coisa importante: a via de transmissão agora mais utilizada para estas desculpas: o sms! "deskulpa mas n da, fikei de ir ver a caixa do correio!"...acho que a próxima geração de telm. virá com templates de sms de desculpas! "Deskulpa.... mas dia... tenho de tratar da relva!" ou "É bem pensado ... mas logo tenho umas carpetes para sacudir e um colchão para bater"!

    Ri-me bastante!! É o que interessa! O blog já precisava de um lufada de boa disposição!

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  4. a verdade do que dizemos, a verdade do que somos, a verdade das nossas emoções...?

    e não é tudo isso subjectivo? não variam por vezes as nossas verdades com as nossas interpretações dos nossos próprios sentimentos?

    mas, com tantos moralismos, e falando de verdades, tens sido sincero ctg pp? já deixaste de trepar nenúfares? já nadas com os peixes? ;)

    **

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  5. "Trepar nenúfares"...?
    Em vez de príncipe saiu sapo?

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  6. Será que queremos mesmo saber sempre a verdade?

    Não nos saberá melhor às vezes a mentirinha piedosa? Afinal só doi quando se descobre que foi apenas uma ilusão...

    Beijo grande senhor ÉSSE TÊ PÊ

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  7. Como era bom poder contar com a honestidade alheia! Por mais que me digam que às vezes sabia bem uma "mentirinha rebuçado" para nos adoçar os ouvidos, eu prefiro contentar-me com a por vezes indigesta verdade. Porque pelo menos assim não fico abandonada à terrível missão de ler nas entrelinhas e tentar adivinhar os pensamentos/intenções das pessoas. Esta é uma tarefa extremamente perigosa e que tem gerado (pelo menos no meu caso!) resultados a roçar o desastroso. Talvez o problema seja meu e não saiba avaliar as pessoas, mas a meu ver talvez o defeito do processo seja precisamente o facto de eu esperar delas um pouco mais de honestidade do que realmente expõem. Acho que é necessário perceber que a honestidade não implica a crueldade, afinal há sempre mais do que uma maneira de dizer o que há a ser dito, sem com isso pôr em causa o que realmente é necessário dizer. Mas lá está, diz o velho ditado que "quem diz o que quer, ouve o que não quer", porque à paz das tantas são tantos os logros que nos pode cair em cima alguma coisa de que não estamos à espera... Mas quem normalmente diz o que pensa (respeitosa e cordialmente, claro) estará certamente galvanizado o suficiente para ouvir "as verdades" dos outros...

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  8. uma desculpa q resulta sempre é a de dizeres que ias a caminho, mas uma nave extra-terrestre (vulgo disco voador) estava na berma com um pneu furado, e tu muito amavelmente te propuseste a ajudar a modar o pneu (pq as e.t's. até eram jeitosas) e depois, no final, ela convidaram-te para ires beber um copo com elas. Quando se trata de gajas, a malta percebe sempre... Julio Punk CCP

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  9. NOTA:
    mudar está com "o" propositadamente, e "elas" está sem "s" também deliberadamente, para dar uma conotação de maior realismo à dissertação. Mais erros que me estejam agora a fugir à vista desarmada (não gosto de armas) poderão ser considerados também como um código retórico singular e pessoal.

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  10. Caros amigos e leitores

    Estou radiante pela vossa adesão à discussão! Como tal, aqui vai a minha resposta aos vossos comentários. Estou a ver que tenho de ser mais acutilante, mais terra-a-terra, para vos fazer sair da concha :)

    Tens muita razão, Djeff (Júlio Punk). Quando se trata de gajas um gajo percebe sempre, nem é preciso entrar em grandes explicações, não é? No entanto, esse é um motivo tão bom, mas tão bom, que escusamos de inventar outra merda qualquer. Até nos fica bem "olha, não posso, vou ali ter com uma gaja". Mas claro que isto só funciona de gajo para gajo, certo? E muitas vezes, para mal dos pecados dos rapazes, provavelmente o maior volume de desculpas que é descarregado é de gajo para gaja ou de gaja para gajo.
    Também gostei da tua provocação sobre a ortografia. Não precisavas de me avisar sobre o teu estilo pessoal, eu nunca consideraria erros no teu comment ;)

    Claro que há mais de uma maneira de dizer o que é preciso dizer. E eu não me quis armar em rapaz verdadeiro e detentor da honestidade e integridade suprema. Apenas quis falar nisto. Na verdade sou uma pessoa como as outras, que às vezes comete erros e outras vezes se confunde muito a tentar perceber o que os outros realmente querem dizer. Mas vejo padrões no MO das pessoas, particularmente no que toca a este tema. Reconheço a utilidade de algumas mentirinhas pontuais; mas respeito igualmente a necessidade de, por um lado, haver um extremo cuidado nestas coisas (porque se a mentira se apanha, a dor ainda é maior), e, por outro, o facto de mentir poder tornar-se um vício, como o é para muita gente. Aliás, isso está bem documentado em vários estudos sobre o assunto.

    Resta dizer, sobre isso, que a mentira é uma das perversões mais subtis do desenvolvimento evolutivo. Se este é um comportamento que surgiu, e não só subsistiu como se refinou, a verdade é que tem que ser de alguma forma útil.
    Eu acho que o acto de mentir é, por um lado, uma tentativa de adquirir mais liberdade em relação a alguma pessoa ou a alguma situação, ou de ganhar poder. Por outro lado, como é quase sempre utilizado de forma irracional, incompleta, pouco inteligente, pouco cautelosa, acaba por surtir o efeito contrário, ou seja, fazer com que a pessoa perca a sua liberdade por ficar enredada nas suas próprias mentiras.

    Príncipe? Sapo? Não estou a compreender nada... wribbit! Wribbit!

    Cara afilhada: não quis ser moralista. Como deves saber, eu sou um apaixonado por comportamentos humanos. Até pelos meus. Por isso, gosto muito de observar os outros e rever-me nas suas atitudes. Torno a dizer que não sou nem melhor nem pior do que os outros, embora goste de pensar que sim :)
    Eu não sei nadar, Vera. E gosto muito de apanhar sol... e sinto-me suficientemente leve para estar por cima de um nenúfar. Sim, tenho sido sincero, não se tem notado? ;)

    Pedro: se é boa disposição, conta comigo. Este sol faz-me brilhar por dentro!

    Desde já aviso, tal como faço várias vezes: Em agosto vou para aljezur. Quem vier, vem, que não vier que sa f***! lol

    E isto leva-me ao café do Rui: epá, quando quiseres e eu puder. Eu compreendo que estejas farto de ser derrotado no solitaire showdown e me queiras espancar pessoalmente, recorrendo a um furgão cheio de ciganos com facas e com paus.

    Cara Raquel: vejo que também tu tens sido assolada com reflexões sobre este tema. Segundo me parece, tiveste uma situação difícil com uma amiga tua, não é? Felizmente nunca tive grandes problemas parecidos, com amigos meus. Já tive outros constrangimentos.

    Sinceramente, não sei muito bem definir a minha opinião, mas... acho que devemos pelo menos tentar manifestar perante os outros aquilo que queremos. Imaginem um vector v (não consigo meter a setinha por cima), que supostamente é a verdade. O problema das pessoas é que muitas vezes em vez de seguirem um vector que tenha uma componente na direcção de v, não! Seguem um vector perpendicular, e muitas vezes um vector da direcção de -v!
    E depois há às pessoas que querem seguir v, mas só conseguem seguir 0,01v, ou seja omitem tudo, mantêm-se caladas, e só dão uma *hint*. Já não é mau de todo.

    Agora aquelas que seguem -v e esperam que a gente perceba que queriam dizer v... deus ma pardoe, é passar um risco por cima!

    Um abraço!!!

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