26 de abril de 2006

Hino à Paixão

Está muito sol hoje, e este cheiro a pólen de malmequer embrulhado em mil zumbidos de abelhas está a fazer-me lembrar de ti.Transpiro por todos os poros, para depois uma brisa me refrescar o molhado da t-shirt branquinha e me arrancar um par de espirros. Sim, porque em mim eles vêm sempre aos dois de cada vez, como tu sabes...

Vejo lá fora, pela janela, os miúdos da escola comendo bolicaos na sua hora de almoço, a rirem ainda mais alto do que o barulho dos carros que passam, apressados. Correm uns atrás dos outros, com as mochilas maiores que eles, com a energia que nunca mais terão, embora não o saibam. O céu está estupidamente azul e ainda estamos em Abril!
Entro em casa a tempo do jornal da tarde. A uns milhares de km, há 20 anos, rebentou um qualquer reactor 4 de uma central nuclear, e as notícias não falam de outra coisa. E a greve da PJ, e o Cavaco. Não quero. Volto a sair de casa e não digo para onde vou, porque também não sei. Dirijo-me a pé para o que resta do meu antigo campo de flores, 0,5 % do que já existiu. Há malmequeres, margaridas, madressilvas... e de novo o cheiro embebedante da primavera. Acho que é possível ficar-se louco só com este aroma, ao pensar nas recordações que traz, e no que significa na língua da natureza.

Tenho saudades tuas... e tenho saudades de sentir saudades de ti. Do teu sorriso rasgado, enorme, que só me mostraste algumas vezes. Da tua gargalhadinha que só pude ainda imaginar, mas que de certeza que é encantadora.

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Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes os Zéfiros brincar por entre flores? Vês como ali beijando-se os Amores, incitam nossos ósculos ardentes! Ei-las de planta em planta as inocentes, as vagas borboletas de mil cores! Naquele arbusto o rouxinol suspira; ora nas folhas a abelhinha pára, ora nos ares sussurrando gira: que alegre campo! Que manhã tão clara!

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Tinha tantos planos para ti, para nós! Saíamos daqui, iamos fazer o expresso do oriente... passávamos por Veneza, Grécia... Egipto... Singapura... Índia, Japão... e depois faziamos tudo outra vez! Tantos sítios que eu nunca vi! Tantas pessoas que nunca conheci... sei que já os viste e já os conheceste a quase todos, tantas vezes como às estrelas do céu ou aos grãos de areia do Kalahari mas... para mim serias sempre original, origem e fim. Tantos lugares... mas nem isso seria importante, porque sei que és capaz de fazer desaparecer o mundo se preciso for. E se não for preciso também. Mas agora é! Se ao menos voltasses para mim, ou me viesses visitar mais uma vez! Prometo que desta vez te tratarei como dádiva, e não como direito. Perdoa-me por te confundir tantas vezes com outras, mas é só a minha tentativa de te procurar nelas! É sonhar assim tão alto? É querer demais? Dizem-me que nos dias que correm não devo esperar, mas... o ar não me sabe ao mesmo sem ti. Quero aquela sensação de poder morrer afogado naquele momento e nem notar. Porque "é mesmo isto! Agora é que é!". Faz-me sentir o reactor 4 outra vez...
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O ledo passarinho, que gorjeia, d’alma exprimindo a cândida ternura; o rio transparente, que murmura, e por entre pedrinhas serpenteia; o Sol, que o céu diáfano passeia, a Lua, que lhe deve a formosura, o sorriso da Aurora, alegre e pura, a rosa, que entre os Zéfiros ondeia; a serena, amorosa Primavera, o doce autor das glórias que consigo, a Deusa das paixões e de Citera; quanto digo, meu bem, quanto não digo; tudo em tua presença degenera, nada se pode comparar contigo.

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Julguei ver-te a dobrar uma esquina, num fim de túnel, ao fundo da rua, num beco que parecia sem saída... tantas vezes! E de todas as vezes desapareceste, como num truque de câmara de cinema. Num frame estavas lá, no outro já não. E tão real, ia jurar que... tu bem sabes como as minhas rugas, na pele e no cérebro, desapareciam nas tuas visitas. Conheces-me bem... eras visita frequente na minha Casa. Porque não vens ter comigo como dantes? Não era preciso eu fazer nada... era inevitável, era a ordem natural das coisas, como a queda dos objectos de cima para baixo. Era sem querer. Era sem pedir. Era sem qualquer tipo de medo. Instalavas-te e ficavas, para durares ou para ires embora logo a seguir, mas sempre com a promessa de voltar. Como queria ter-te aproveitado melhor, sabendo de antemão que não durarias para sempre!

Sinto falta de me prenderes a respiração por entre os teus dedos. De ficar rouco de tanto rir contigo, com dores na face de não parar de sorrir. De ficar com suores frios e mãos nervosas. De não saber o que te dizer! Quero as massagens perfumadas que me fazias na nuca, quero o conforto que me davas aos pés, quero a forma como me fazias esquecer as dores! Ainda o sabes fazer, não é verdade?

É fim do dia e torno a entrar em casa, para as notícias. Já não cheira a malmequeres, voltou o vento e as abelhas foram para as colmeias. Está frio, entro nas escadas.
Zangaste-te comigo? Não vais fugir para sempre de mim, pois não? Não precisas de vir agora! Promete-me apenas... promete-me que voltas um dia, porque a primavera não é a mesma sem ti...

17 de abril de 2006

Invitation

Não sei bem que horas serão... mas não tenho sono. Depois de uma semana cheia de atribulações e com um assalto à mistura (em plena madrugada do dia 14) durante o qual foram furtados 3 telemóveis, uns ténis Nike, 2 perfumes dos monhés, 3 relógios e 2 canetas do grande S.L.B., já para não falar da nota de 10 euros que eu tinha achado nesse dia, nada poderá parecer mais calmo do que este momento em que escrevo (no intervalo da Frida).
Apesar da descontração aparente, estou nervosa porque no meio disto tudo ainda tive que tentar preparar-me para uma participação num recital para guitarra portuguesa e viola dedilhada na biblioteca do Palácio Nacional da Ajua. Embora vá com toda a certeza cometer "gafes" (faz parte da minha estúpida natureza... ai... os nervos), não poderia deixar de vos convidar para este momento... mesmo que a minha participação seja uma merda... o local é bonito lol
Assim sendo, quem quiser ir lá ouvir um pouco de música, fica aqui o convite... http://www.em-conservatorio-nacional.rcts.pt/agenda.html (procurem no dia 18 de Abril). Se por acaso algum de vós for, não fazeis caso da minha azelhice!
Boas noites.. que a Frida está a começar! (stp ainda não li uma linha de medicina lolollol... tou lixada!!!!!)

5 de abril de 2006

Apresentemos as nossas desculpas!

Estou aqui sem fazer nada, não queres ir à esplanada num sítio qualquer beber café? Ai, não posso! Tenho que ir buscar a bilha do gás! Ah, pronto, o dever primeiro, claro! Assim 'tá bem!

Tenho andado a ler um livro que me foi emprestado, sobre inteligência emocional. Embora muitas das coisas que lá estão escritas não sejam propriamente surpreendentes, o ambiente que é criado serve de suporte motivacional para que tenha mais atenção em relação a alguns mecanismos emocionais que as pessoas utilizam no dia-a-dia. No mesmo livro, a autora (é uma "ela", o que também não constitui surpresa...) sublinha a importância das reacções motivadas pelo instinto, a forma inata de analisar pessoas instantaneamente, a primazia das emoções sobre os raciocínios como geradoras de comportamentos e atitudes que se querem o mais adequados possível a cada colisão social , seja ela conflituosa ou apenas circunstancial!

Em muitos casos sabemos que as emoções são exteriorizadas, verbalmente, é certo, mas as interpretações levam a enganos e a confusões de consequências desastrosas.

Sem querer estar a interromper o assunto, não podia deixar isto em claro: está aqui a dar no Portugal no Coração, na RTP1, o Júlio Isidro com mais uma das pérolas da televisão nacional: aqueles cromos da harmónica (gaita de beiços, para os leigos) que foram não sei quantas vezes seguidas campeões do mundo, e que são uma família de um pai, não sei quantos filhos e netos e acho que até o cão sabe tocar aquela bodega! Campeonato do mundo de gaita de beiços. Que lindo, hã? Também devemos ser campeões da bisca de 3 e de quem come mais bolas de berlim. Deus ma pardoe. Que harmonia... desde que me lembro de existir que eles aparecem na TV!

Bem, continuando: sabe-se perfeitamente que as pessoas dizem A quando querem dizer B, particularmente quando são confrontadas com situações em que as emoções lhes saem do âmago, aparecem por baixo da pele, e elas sabem que será de algum modo ridículo, constrangedor, embaraçoso, penoso, seja o que for, se elas forem manifestadas na íntegra e sem areia. Então o A seria algo como: hoje não... tenho dores de cabeça, desculpa, amo-te querido!; o B será algo como: Pá, tou um bocado farta de ti!; ou então: Com essa barba hás de ter muita sorte...; ou ainda pior: Tou páquí a dizer que me dói a cabeça mas devia doer era a ti...

Mesmo assim, se as emoções são importantes para dirigir os nossos comportamentos, é igualmente importante estar alerta para podermos interpretá-los da forma mais adequada e elaborarmos a melhor resposta. Aqui entram qualidades como a experiência, a atenção, a inteligência, e, porque não dizê-lo, o conhecimento sobre nós próprios e sobre situações que envolvem terceiros. Sim, porque se é verdade que não devemos fazer aos outros aquilo que não gostamos que nos façam a nós, também não é mentira que nas costas dos outros vemos nós muitas vezes as nossas...

Vamos ao cinema à noite? Ah e tal, não deve dar, tenho que ir lavar o carro a campo-de-ourique! Ok, tudo bem! De que interessa retorquir que estão a chover calhaus, as estradas estão inundadas, há uma praga de gafanhotos que se espetam contra os vidros e faróis e pára-choques, nascem vulcões Etna por baixo dos pneus dos carros e que cospem cinza e piroclastos, e toda a cidade está em obras com lama e em pinturas de prédios e está tudo encharcado de tinta?Convém perceber a mensagem, mesmo que venha codificada, transformada, ou mesmo antagónica, em certos casos.
No outro dia estive até às tantas a ver um filme com o Nicholas Cage e o Malkovich em que eles vão num avião cheio de presos perigosos, sabem? E há uma cena em que uns bacanos comunicam por carta, aparentemente inofensiva, mas que se pusessem por cima uma cópia da "Última ceia", com os apóstolos e Jesus com os olhos furados, via-se pelos olhos as letras e elas formavam palavras e era assim que a mensagem passava. Perceberam? Isto é parecido.
Há desculpas muito boas que resultam sempre, como: Tenho varicela! Não posso sair de casa! Até dá para justificar faltas no ensino superior, porque é uma doença infecto-contagiosa! Mas tudo tem um lado mau: convém que só se use uma vez, senão pode-se ser apanhado numa mentira. E que a pessoa não conheça a nossa mãe! E já agora convém não ir passear nesses dias para o Colombo ou para o parque das nações... Estás aqui! Atão a varicela? Ah, vê lá tu que não era! Foi um rash que apareceu por causa de uma lata de atum que comi!

Outra desculpa muito boa é: Não vai dar! Tenho um casamento! Desculpa!Também aqui existe uma desvantagem, porque não se pode (ou não se deve, porque eu conheço quem o tenha feito) usar se o evento a que nos queremos cortar é outro casamento.

Mas nem sempre dá para elaborar uma desculpa boa. E o nosso cérebro é uma caixinha de surpresas que, no pânico de querer fazer malabarismo com 500 ovos sem deixar cair nenhum (ou seja, cortarmo-nos, não fazer a pessoa sentir-se mal, e ainda por cima não ser apanhado numa mentira) às vezes inventa razões fantásticas. Err... não posso! Tenho que ir tirar as natas ao leite! Tenho que ir desligar o esquentador! Tenho que ir fazer um defrag ao disco rígido! Ahmm... epá, não dá, desculpa, tenho uns anos da minha prima do Cacém! Atão mas... isso não foi em Fevereiro? Não, essa é a outra! Ah... assim 'tá bem! Não queres ir jogar à bola connosco? Anda lá, falta-nos um! Epá, só se me arranjarem uma t-shirt porque eu tou todo suado! 'Tá bem, a gente arranja, anda lá! Err... mas é que... Mas é que o quê? Não queres vir? Não, não é isso, é que fiquei de ficar em casa porque vem cá o homem da luz ver o contador! Ah... assim 'tá bem!

Em suma: aconselho-nos a sermos tendencialmente verdadeiros nas nossas respostas, porque isso evita males maiores; ao mesmo tempo, devemos estar mais atentos ao que nos é dito - conteúdo e forma - e sermos mais tolerantes e condescententes. Desta forma percebemos imediatamente a essência da mensagem e escusamos de estar a tentar encostar a pessoa à parede, apanhá-la na mentira, porque isso é inútil. Não devemos esperar algo como "não me apetece" como resposta. É muito raro isso acontecer, e pressupõe uma relação muito aprofundada. Nesse caso, ou deixa de ser necessária a "mentirinha piedosa", ou então ela adquire a dimensão de "mentirona à cabrão". Entre pessoas que se dão pouco, ou alguma coisa, o normal é ser-se enganado! Espera-se que assim seja.
Por mais que se advogue a sinceridade como elemento essencial nas relações, a verdade é que ela se transmite de muitas formas, acessória e simultaneamente à mensagem verbal. Basta estar com alguma atenção!

Por último, deixo-vos com uma curiosidade: há pessoas com lesões cerebrais bem localizadas que deixam de ter a percepção destes códigos sociais, e perdem a habilidade de dissimular. Simplesmente dizem sem quaisquer complexos a verdade. Essas pessoas são consideradas como tendo algum grau de incapacidade, o que de certa forma um tanto perversa que me está mesmo agora a ocorrer, mostra o que pensamos sobre quem é incapaz de mentir, e, por outro, o medo que temos de, muitas vezes, sermos confrontados com a verdade.
Ás vezes é pior a emenda que o soneto!