2 de agosto de 2005

Olhe, desculpe: era um cérebro, "fachavôr"!



Aqui está ele, em todo o seu esplendor e simplicidade. Órgão nobre do corpo humano, responsável pelo controlo da variadíssima panóplia de funções fisiológicas, pela própria vida e pela própria morte. Explicarei mais adiante porque é um órgão responsável pela morte. Como podem ver, é através dele que entramos em contacto com o mundo exterior. É através dele que interpretamos e processamos mais impulsos e "sinais" que qualquer um dos computadores mais potentes existentes nos nossos dias. Utilizamo-lo para o bem e para o mal.

Até aqui, julgo eu, não vos trouxe nada de novo. "É um cérebro, já sabemos disso!" dirão uns; "Faz falta a muitas pessoas..." dirão outros; "Não vejo aí nenhuma área responsável pela maldade!" retorquirão os mais revoltados. A verdade que encontramos nesta imagem, na imagem do que cada um de nós tem na nossa cabeça, é a ausência de verdade. Porquê? Não será a verdade, um mundo pleno de felicidade? O que é a verdade? Será que as descobertas científicas, por muito evidentes e verdadeiras que sejam aos olhos da ciência, fazem parte da verdade absoluta? Ou fazem apenas parte de uma verdade do mundo que recebemos mediante milhares e milhares de estímulos através da nossa retina, da nossa cóclea, do nosso vestíbulo, do nosso nervo olfactivo, da nossa língua (e dos três pares cranianos que a inervam), dos nossos nervos periféricos? Questões meramente existênciais, baseadas na complexidade da mente humana, um novelo de neurónios perfeitamente organizado. Vemos pessoas a morrer famintas ou em ambientes de condições agrestes que ora escaldam a pele e a fazem sair como plástico, expondo a hipoderme palpitante e pulsátil, sanguinolenta e sebosa, ou que ora a esfriam violentamente como se ficasse rígida e possuida pela pungência gélida de azoto líquido, deixando a epiderme estaladiça e o corpo estático como se de uma estatueta de Miguel Ângelo se tratasse (sim, o rapaz do Renascimento e não o pseudo-músico dos "Delfins" - a tua tia é que é como um rio!). Execuções à beira-rio, num ambiente calmo e pacífico onde corpos jazem em valas previamente feitas para esse acto. Baleados multiplamente em vários locais do corpo, os rostos encarnados, afogados no próprio sangue exprimem sofrimento, enquanto os soldados se rejubilam pela proeza cometida. Uma seringa espetada numa veia, um orgasmo abdominal intenso que se difunde pelo corpo. Depois, a viagem prolonga-se e leva-nos mais além. A respiração fica mais lenta. O corpo entorpece. A respiração pára. O homem morre. O ser humano provoca a sua própria morte. O cérebro que ele tem, mata-o e leva-o a matar. Porquê? É isso que o torna um ser superior?

O ser humano tem uma complexidade intelectual mediada pela simplicidade dos neurotransmissores e dos seus receptores. A serotonina e a noradrenalina medeiam o estado de euforia, agressão, depressão e líbido existente no ser humano. A dopamina induz-nos num estado de relaxamento cerebral mas, ao mesmo tempo, diz-nos que precisamos de um determinado estímulo para nos induzir aquela sensação de prazer imenso, que queremos repetir vezes sem conta. A soma destes componentes pode ser explosiva. Vejamos Hitler: morte e poderio sócio-económico davam-lhe prazer (não me venham dizer que estou a fazer uma visão redutora do Hitler, porque tenho consciência de que o estou a fazer). Vejamos Saddam: morte e poderio sócio-económico eram iguais a prazer. Milosevic: igual aos anteriores. Estes são os maus exemplos. Digamos, os meninos que na escola passavam o tempo no recreio, virados de costas para o pátio, a observarem a parede, contando atentamente o número de pedrinhas existentes na mesma, enquanto planeavam o próximo estratagema para partirem os dentes ao colega da mesa do lado. Depois temos os génios que surgiram em múltiplos locais e alturas da História da humanidade: Albert Einstein, Leonardo DaVinci, André Vesalio, Egas Moniz. Estes foram aqueles em que o prazer e vício provinham do imenso orgasmo mental na descoberta da verdade, baseada na evidência científica. Génios culturais cujo prazer era alimentado pela multiplicidade de expressões do intelecto são muitos: músicos, escritores, entre outros artistas. Dentro deste grupo temos Fernando Pessoa, Luis de Camões, William Shakespeare, Charles Dickens, Alexander Dumas, Mozart, Beethoven, Chopin, entre muitos outros. Depois temos os filósofos. Aqueles que se "orgasmisam" por tudo e por nada, pois a procura incessante e desenfreada por algo que nos projecte para outro plano é infrutífera. No entanto, o seu esforço é hercúleo e tem um valor incomensurável. O devido crédito e valor a grandes filósofos e grandes "mestres da mente" dos nossos tempos, como Sócrates (o do "choque tecnológico" teria muito que pedalar para chegar às unhas dos pés deste senhor), Platão, Kant, Nietzsche, etc..
A questão que coloco é: sabendo a múltipla variedade de comportamentos e opções que o ser humano pode tomar, como é que nos podemos resignar ao simples facto de que somos mediados por tão poucos neurotransmissores? Não sei. As combinações possíveis num dado momento entre todos os neurotransmissores libertados em todos os axónios, são enormes! Como é que podemos definir que determinadas combinações consistem num padrão comportamental?

Enquanto penso nisso, imagino-me ao lado de determinadas personagens da actualidade, a erguer o braço, esticando o dedo e a dizer: "Olhe, desculpe: era um cérebro, 'fachavôr'! Não, não é para mim! É para o meu colega aqui do lado!".

4 comentários:

  1. Limão bébé? ui ui! lloolol
    Cyber, long time no write! :) lerei com atenção o teu texto antes de me pronunciar, certo? :)
    Grande abraço ;)

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  2. eram estes posts que eu dizia que faziam falta aqui. :D seja novamente bem vindo, com esse belo naco de prosa médica. Quando um gajo se põe a pensar realmente naquilo que constitui, vá lá, uma consciência ou uma alma, e chegamos à conclusão que tudo não passa de arranjos mais ou menos corrdenados de libertação e uptake de neurotransmissores (e que são muito poucos, afinal), e da sua acção sobre receptores especificos. Tudo se resume àquela dupla cadeia em forma de helice, com uma data de C, T, A e G repetidos de uma maneira ordenada (?), que, mudando uma base às vezes muda uma vida inteira. Podíamos perguntar se há mais alguma coisa a reger a vida para além destas reacções químicas e biológicas mais ou menos previstas. Eu não sei. Mas lá que gosto de viver, gosto!

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  3. o si cariño, te gusta? por acaso, rompeste la ventana?

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