25 de agosto de 2004

Diário de um Magoado - Manta Rota, parte I

Aqui o pessoal não aproveita o tempo como eu! Cada dia é mais quente que o outro (mais ou menos), e está-se bem é na rua, mesmo de noite! Isto tem aqui um bar muito jeitoso mesmo na praia, onde a cerveja é surpreendentemente barata ;)
Também noutros sítios a cerveja é barata, mas o café é ao mesmo preço! Aqui tento aproveitar ao máximo o tempo disponível para passear, andar ao ar livre... enquanto o pessoal joga às cartas em casa :). São opções :) tenho dormido muito pouco porque isto basicamente resume-se a copos, praia e desporto. Não está mal!
Aproveitei para vir aqui e tive muita sorte... estava aqui a beber um galão e houve um gajo que meteu aqui uma data de moedas e depois foi-se embora; de maneira que agora estou a navegar à pala há uma data de tempo :P

Novidades serão postificadas em breve. Um grande bem haja!

17 de agosto de 2004

Lembram-se?

Lembram-se do Conan? Do He-Man? Do Tom Sawyer? Do brinca brincando? Da arca de Noé? Lembram-se de ansiarem pelas férias grandes, e dos gelados de 20 paus que eram só gelo e uma montanha de Es? e as peta-zetas... quase que nos partiam os molares, era a melhor comparação que podíamos ter com uma fusão nuclear! O Sport Billy e os tranformers e o clube Disney? As correrias para ir brincar para a rua onde o último a chegar era um ovo podre e o primeiro era o rei deles? Nunca tive grande problema em ser o rei dos ovos podres! E as futeboladas? Era de sol a sol, com breves reabastecimentos a que as nossas maes teimavam chamar almoço e lanche... quero cá saber da sandes de marmelada e do iogurte vigor sabor a morango, aquilo era ácido como a porra! - tenho de ir jogar! Tu vais a baliza! Eu? Eu sou o dono da bola, eu jogo onde quiser! E todos diziam que sim nem que o rapaz precisasse de ajuda para empurrar a bola! Eu sou o balakov, e eu o Paneira. Eu cá sou o Domingos... Olha-me aquele coxo, parece o Nogueira! Por falar nisso, trocas-me o Magnunson? Dou-te 10 cromos! Lembram-se? E jogar ao guelas, bilas ou para os puristas: o berlinde? E depois voltava a escola, todos diziam que seca mas todos corriam nos primeiros dias. Os amigos, as amigas, o cheiro dos livros novos, as professoras... que azar, a mim calhou-me a Peralta, dizem que a mulher e lixada, 'tou feito ao bife! Lembram-se?

Eu lembro-me de outras coisas, lembro-me de ver chitas num morro olhando as desprevenidas gazelas de Thompson. Lembro-me do mgh, especialmente nocturno. Também me lembro de requintados repastos, à base de grelhados a lenha (quando o dinheiro chegava: carvão, que luxo!), regados com grades de litrosas que entre os espaços deixados entre si, traziam emborcadas garrafas do pior vinho branco, quais peças de tetris preparadas para irem abaixo. Lembro-me de 2 jovens a abalarem a pacatez duma vila serrana com os olhos no oceano, ao se apresentarem nos locais de vida nocturna envergandos vestes adarjosas, e mesmo assim alvo de paparazzi! Lembro-me de foras de jogo, muitos foras de jogo. Jogadores que foram avisados vezes sem conta! Alguns hábeis, furtando-se ao olhar do fiscal de linha, outros mais lentos, caindo nessa infracção por uma margem escandalosa. Lembro-me também de noites estreladas e de céus azuis, de montanhas agrestes e de um oceano imenso. Das viagens para o El Dorado, algo simples mas sagrado como uma boa noite de sono, onde acordamos e sentimos uma marca nas costas, e então reparamos que dormimos toda a noite em cima duma pedra, esquisito, nao notei nada!

Por vezes dou por mim a desejar que o tempo voltasse atrás, queria que fosse sempre assim. Quero o conan, os marretas, o brinca brincando, a rua sésamo (vão dizer que não gostavam?). Quero os jogos de bola, o suor na cara, os tennis velhos. Quero o leite frio, o tapete velho da sala e a minha almofada. Quero as músicas dos metallica, as punkalhadas e o grunge pá' tola. Quero ser careta. Quero ir jogar à bola com os meus amigos na praia o verão todo! Quero dar uma gargalhada sem saber o porquê e quero não pensar no futuro. Se pudesse ser assim, o meu nome era Peter Pan! A nossa vida muda por vezes sem darmos conta, qual vulcão peleano. Anos e anos adormecido, enquanto as suas lavas ácidas e silicatosas se acumulam obstruindo a chaminé principal. Por vezes, há um abalo, mas não é o suficiente para evacuar as cidades do sopé. De repente, sem aviso, uma explosão piroclástica ocorre e a paisagem muda. Tudo morre e nada sobrevive e fim da história. Mas não, não é bem assim. Primeiro vêm os líquenes, tenuamente; depois plantinhas e árvores e tudo o resto. Não é como dantes, não é igual, é só diferente. Pode não ser melhor nem pior, e só diferente. O que é bom é saber que os nossos amigos de ontem vão ser os nossos amigos de amanhã, que o amigo que outrora cruzou a bola qual drulovic para um golo memorável, pode bem ser o mesmo que será padrinho para uma coisa qualquer, ou fiador para isto ou aquilo, ou ainda precisar da ajuda para uma tarefa herculeana!

13 de agosto de 2004

Tetris - Como esquecer a pessoa que amamos

Já perderam no tetris sem fazer uma única linha? Aconteceu-me por várias vezes seguidas, numa dessas noites de Agosto cujo ambiente faz lembrar Saigão, no Vietname que aparece no "Desaparecido em combate", com o Chuck Norris; aquele ambiente muito quente, mas com 100% de humidade. Quem gosta muito do Chuck é a avó da minha "mais que tudo", porque ele ganha sempre aos maus - já não se fazem homens destes!
Mal dou por mim e estou numa dimensão muito "Lost in Translation": com os sonos trocados, sozinho, em que as noites se tornam dias e os dias se tornam noites; em que qualquer foco de luz é envolvido por uma auréola suave, de algodão, de onde fogem raios em todas as direcções - os olhos cansados e embaciados do sono distorcem as cores e as formas. A diferença é que, em vez de em Tóquio, estou em casa, iluminado pela luz encandeante do monitor do pc; com a caixa do computador aberta, o piscar da luz da placa de rede exerce uma espécie de hipnotismo ainda mais profundo, do qual só acordo com uma espécie de ruído telefónico proveniente da televisão: começaram as televendas.
Decido fazer um pouco de exercício: à falta de halteres, chega bem um garrafão de 5 litros de água do luso. É pouco peso, pensariam os experientes, mas para mim chega fazer o movimento devagar e muitas vezes. Ao fim de algum tempo, qual Chuck, estou coberto de suor, com os braços e ombros doridos, cabeça a latejar; mas o exercício é para continuar, mesmo na dor, enquanto tudo passa e repassa na mente em remoínhos e torrentes incontroláveis. Dizem que as piores de todas as dores são as de dentes, as cólicas renais e as dores de amor. Já tinha tido as outras, agora tenho as de amor. Não sei de qual gosto mais. Também dizem que as dores dão tréguas de dia mas pioram muito à noite...
É estranho como, passado algum tempo, só vêm à cabeça as boas memórias, e essas, comparadas com o presente, causam uma dor tão grande na alma como uma queimadura de ferro em brasa no corpo; como uma longa cãimbra que permanece nas vísceras, em espasmos fortíssimos. E o braço dói mais, todos os músculos se contraem num gemido de raiva, e mais uma vez o garrafão sobe.


Quando vivemos no espectro de alguém, somos progressivamente invadidos por outra energia que não é a nossa - algo que embebe as nossas células e as faz viver para alimentar essa energia, essa presença. Enquanto a simbiose existe e dá frutos, a relação é altamente compensadora: todos os elos da relação se desenvolvem, crescem com grande vigor e imponência, levando à ilusão e à crença de que só assim ambos os seres podem viver. Cresce a relação como um prédio com alicerces fortes, compacto, bonito... mas quando morre, essas células ficam votadas ao abandono; são nervos pulsantes, agredidos, envolvidos por tecido necrosado, moribundo - uma ferida. Quando os restos das raízes do outro ser forem removidos progressivamente, quando o tecido atingido (que é todo) for reparado e substituido - uma cicatriz - terei voltado a ser alguém tanto mais próximo do que era quanto possível. É assustadora a maneira como o nosso consciente e subconsciente passam a viver em prol de outra pessoa, silenciosamente, lenta mas inevitavelmente. Quando a união é cancelada, o ego atinge um mínimo histórico (talvez relativo, mas sempre sentido como absoluto). Ficamos deprimidos, hiperpolarizados, impassíveis de qualquer excitação.
No choque extremo, é impossível não invocar a separação primordial: quando deixamos de ser unos com a nossa mãe para constituirmos um ser independente.
Seguidamente, tudo é muito confuso. Esperamos comunicação da outra parte; exigimos essa comunicação, mas imediatamente vem à mente que não depende de nós, que não a devemos desejar, que ela provavelmente não virá, sob a forma que queremos, nem hoje nem nunca. Percorre-nos então um arrepio visceral, profundo. "- Dirá alguma coisa!- E se não disser? - Tem que dizer! - Mas não me deve nada! Separámo-nos! Levará a vida dela e ligar-se-à a outra pessoa! Deixou de fazer parte de mim! - Como pode tal coisa acontecer? Eramos um do outro..." - é o que penso de mim para mim numa fracção de segundo multiplicada por um número muito grande, hora após hora, dia após dia. Sinto um grande vazio na barriga. Parece-me que não tenho baço.


Quando a energia se esgota, volto para o computador. Desenterro músicas amigas de longa data, meio encobertas pelo tempo que entretanto passou, não contaminadas pelos últimos anos. Vem à tona o metal mais antigo, o grunge não batido pelas massas, como o mexilhão protegido das vagas... e sente-se uma réstia da pessoa despreocupada e pura que era há muito tempo a querer voltar à superfície. Pessoas, coisas e lugares de outros tempos voltarão à memória. Tornarei a apreciar coisas simples que deixei de fazer, não por falta de tempo, mas por falta de dedicação, e porque outros valores se levantaram entretanto para as lançar na sombra ostracizante. Tudo isso acontecerá. Sinto-o irracionalmente como uma questão de esperança, mas sei racionalmente que é uma questão de tempo.

Removo primeiro as expressões próprias da pessoa ou com ela comuns do meu próprio discurso interior, e das minhas conversas com os meus interlocutores. Esqueço entretanto o cheiro da pessoa; deixo de antecipar os telefonemas, de correr para o telefone quando ele toca em dada hora do dia, porque saberei já, inconscientemente, que não é para mim. Esqueço partes dos contornos da cara da pessoa. Vejo então depois as coisas, lugares, situações e pessoas de acordo com o que elas valem para mim, sem me perguntar o que pensaria o outro. Rio-me das coisas sem antecipar o riso do outro face a essas mesmas coisas. Aprendo a gozar a liberdade de usar o meu tempo, de canalizar a minha alegria, a minha energia e os meus recursos para outras coisas e pessoas; mas principalmente, habituo-me a gostar de usar tudo isso em meu exclusivo proveito, em vez de ansiar a todo o momento a partilha de um bocadinho de tudo com o outro. Afinal de contas, sou Eu que eu estou a tentar recuperar. Mas se eu sei que isto é possível, porque é que não quero fazê-lo?


A seguir ao banho, noto que a pele da cara está coberta por uma cutícula de cera brilhante - apareceu por causa das poucas horas de sono por dia. Não é com banhos que ela se combate.
De volta ao tetris, já a noite está a dar lugar ao início do dia. Os pássaros cantam, as carrinhas de abastecimento dos cafés estacionam em 2ª fila. Ouve-se esporadicamente o ruído da ignição do motor de um automóvel - nem todos estão de férias em Agosto. Oiço a música dos Air, do Lost in Translation - "Alone in Kyoto", vez após vez...
Construo um prédio enorme no tetris, como os do Japão, classicamente à espera que depois apareçam aquelas peças em forma paralelipipédica. Fico orgulhoso da construção, compacta, com um ou outro buraquinho apenas. Deixei-me levar naquela cadência muito própria do primeiro nível, aquela lentidão das peças, aquele alento de construção, como se o objectivo do jogo fosse mesmo aquele; acordei de súbito, alertado pelo facto de estar quase a perder, estrangulado pela falta de espaço. Tenho que limpar o jogo, tenho que deitar abaixo o que construí. E as tais peças que não vêm...