Silêncio.
Como quando falha a electricidade e tudo se cala, e se procuram as velas para que não caia tudo na escuridão. Não se ouve a energia a correr pelas artérias da casa. Não se ouve a televisão, o frigorífico. O que ouço é aquele wíííííííím que permanece nos ouvidos. Ou talvez seja um som que os cérebros citadinos imaginam para preencher o vazio inesperado. Para evitar o pavor de termos de nos ouvir de repente a nós próprios.
Calma.
Como quando a respiração abranda tanto que nem se dá por ela, como se se tornasse dispensável. Os movimentos tornam-se lentos, harmoniosos, e apenas para realizar objectivos prementes, que não os há. Nada digo, porque não é preciso, e na verdade ninguém estaria para escutar. Como na história da árvore que cai no meio da floresta e não posso garantir que fez estrondo porque não estava lá para ouvir. Porquê? Não o sei.
Penso nas estrelas do meu céu. Luzes que já se apagaram lá no sítio que ocupavam. Já brilharam, já ofuscaram, e acabaram por explodir. Ou então, contrariando a lógica científica que aprendi, foram morar para outro lado. Não sei... não estava lá para ver. Porquê? Também não sei.
E também não sei o que deixaram nos seus lugares. É muito menos do que nada, com certeza. O nada é o zero, não aquece nem arrefece. Mas são lugares cuja simples recordação traz gelo e corta a respiração. Aperta o peito. Faz crescer uma bola no fundo da garganta.
São buracos mais escuros do que o simples negro. São faróis de breu que atraem os barcos para as rochas.
Essas estrelas reluzem em mim e reluzirão por muito tempo, porque a luz é muito veloz, mas as distâncias a percorrer são enormes. Elas já se foram embora, mas continuam a ser o referencial porque a luz continua a vir. Luz do passado.
O aqui e o aí são tão longe um do outro que acabam por viver em diferentes coordenadas espaço/tempo. E afastam-se à deriva enquanto estou calmo e em silêncio, sem nada poder fazer para o impedir.
*
Sou mais um gato pardo que quebra o silêncio
de alguém diferente em cada noite escura
Até que os pés cheguem ao chão
Sou a corda que segura
Sou aquele que vai à frente e alumia duas vezes
só até à primeira encruzilhada.
Sou o outro
O que relembra a pessoa realmente amada
Sou um tudo de segundos, dispersos
No desde sempre de quase nada
Do cântaro que se partirá, sou a asa
Já esquecida ao pé da fonte
Sou o filho pródigo que não volta a casa
O bandido que anda a monte
Sou um papel dobrado em 8 debaixo da mesa
Para que não fique bamba
Sou a lamparina que, no meio do túnel, ainda acesa
dá luz a outra lamparina qualquer
mesmo antes de se apagar...