30 de dezembro de 2004

Uma estranha altura do ano

Esta altura do ano deixa-me sempre um pouco deprimido. Este corrupio para comprar prendas, esta última hipótese de praticar o bem antes do ano acabar. Eu não sei se o resto do mundo está a par mas, quem passa necessidade nesta altura do ano também o passa nos outros meses todos! O Natal traz ao de cima os valores e sentimentos de humanismo que andam o ano todo silenciados dentro de muitos de nós. Vai daí, sabendo disso, o pessoal desata a fazer peditórios e afins para isto e para aquilo. Nesta altura do ano passam-se ainda coisas estranhas que quebram a rotina dos dias. Além de todo o tipo de peditórios, cabazes, rifas, lotarias e, a última moda, relógios da swatch para ajudar tudo o que é criancinha desamparada, dentro de nós dão-se transformações. O bom dia e o boa tarde chegam a ser frequentes. Os sorrisos, espécie em extinção no resto do ano, encontram aqui uma altura menos desfavorável. E depois temos o bom natal… eu penso muito nisto. Mas afinal de contas, o que é um bom natal? É ter muitas prendinhas? É passar a noite de Natal sem incidentes (especialmente de viação) de maior? É conseguirmos sobreviver ás doses mortais de glicose e rezar para que o nosso pâncreas aguente mais uns anitos? Não sei. Se calhar é uma forma de dizer isto tudo e, quem sabe, muito mais. Mas esta festa essencialmente religiosa toca a todos da mesma forma, quer o sejamos ou não. As Igrejas enchem-se e até têm sessões da missa do galo, onde à porta, populam arrumadores de carros e outros enfermos, na esperança que o Natal lhes traga mais qualquer coisa.

Recebi um mail dum amigo que está no Brasil. Dizia ele que natal sem frio não era Natal e que nós temos sorte de termos um Natal à séria. Mas, principalmente, ele dizia que sentia a falta da família, nem sabendo o porque de ser, especificamente nesta altura. Falou-me ainda deste “bicho” que é a altura do Natal e como transforma as pessoas. Segundo ele, usualmente não se bebem refrigerantes na sua casa mas, nesta altura, estão lá sempre à disposição as garrafas de Coca-cola e de outros refrigerantes variados. É como se nos oferecêssemos uma prenda a nós próprios.

A árvore, as prendas, a comida, tudo isto vivido muito intensamente. As facturações astronómicas das lojas, as iluminações de Natal e a maior árvore de Natal da Europa (que utiliza electricidade espanhola, de certeza!). Os telefonemas, os postais de boas festas e, sinais do tempo, os sms de boas festas. As renas, o trenó e o Pai Natal. Mas qual Pai Natal? Qual deles é o verdadeiro? Deve ser aquele que dá no telejornal que sai directamente da Lapónia. Mas esse… não sei, tem um saquito de prendas muito pequenito e só tem uma rena a puxar o trenó! Uma coisa sei: o do Colombo não é de certeza! Além das barbas serem postiças, esteve sempre lá sem fazer compras, só tirava fotos!

Se calhar não tenho motivos para ficar deprimido. Se calhar tem mais a ver com um ano que acaba do que com o Natal. Se calhar…

A propósito da "cannabis"...

Análise dos efeitos negativos da "cannabis" por técnicos, utilizadores e políticos.
O "senso comum" gere a opinião pública.


"A decisão de condicionar ou não a venda de certos objectos tais como armas de fogo, armas brancas ou de certas substâncias como o veneno para ratos ou a cannabis é, essencialmente, política.
Quando alguns políticos pretendem tomar uma decisão, frequentemente pedem a opinião a peritos especializados que têm um saber específico sobre a utilização, as características e as consequências de determinados objectos. Umas vezes, fazem-no para avaliar qual a pertinência das medidas que propõem, dos riscos ou consequências eventuais dessas mesmas decisões, e, outras vezes, pretendem justificar as decisões que à partida já estão tomadas e que são de cariz puramente político. Deste modo, infelizmente, em certos pareceres os peritos surgem mais como álibi do que como ajuda à decisão.
A atitude perante a utilização da cannabis tem sido objecto de grande paixão e, certamente, os interessados em jogo são os motivadores da organização dos lobbies que a ela estão associados. Os argumentos que circulam na opinião pública a favor ou contra o consumo "hedonístico" ou "terapêutico" da cannabis baseiam-se contudo no "senso" comum, mas as paixões vivenciadas e o "militantismo" desencadeado são enormes.
Ao nível técnico, os inconvenientes e riscos da utilização da cannabis são plenamente conhecidos, pois a literatura científica é pródiga em demonstrá-los. Tanto do ponto de vista psiquiátrico como do ponto de vista somático parece existir, entre os peritos, um certo consenso relativamente às consequências negativas que o consumo da cannabis provoca.
Fazendo uma rápida revisão sobre alguns dos artigos publicados ultimamente, para além de muitos outros inconvenientes apontados, vamos salientar os que se inserem no âmbito psiquiátrico:

- o consumo excessivo da cannabis está associado à antecipação de uma primeira descompensação de tipo esquizofrénico, cerca de pelo menos três anos e meio, em relação aos sujeitos abstinentes;
- o consumo de cannabis parece funcionar como um risco acrescido no desencadear de um primeiro surto de esquizofrenia em pessoas sem antecedentes, com particular incidência em pessoas vulneráveis;
- o consumo de cannabis parece ter uma relação causal com a psicose;
- em determinados casos a utilização da cannabis está associada ao desencadeamento de ataques de pânico e perturbações de pânico.

Gostaríamos de sublinhar que, na nossa experiência de mais de 30 anos de prática clínica psiquiátrica, inúmeros são os casos de jovens que foram acompanhados devido a descompensações psicóticas, infelizmente graves na maior parte dos casos, ligadas ao consumo de cannabis.
Ao nível somático, também têm sido descritas perturbações variadas que vão desde o desencadeamento de pancreatites que se manifestam terapeuticamente sensíveis à abstenção da cannabis até à manifestação de arterites que se apresentam também sensíveis à abstinência.
Realçamos ainda que estão descritas a acção teratogénica da cannabis, as perturbações ocasionadas no sistema imunitário, o aumento do risco de cancro no tracto respiratório e a influência nociva sobre a condução de veículos, sobretudo se associada ao consumo de álcool, facto que é frequente.
De maneira genérica, a avaliação objectiva e subjectiva dos utilizadores excessivos sugere, a longo prazo, inúmeros elementos negativos associados ao consumo de cannabis.

Em conclusão, numa perspectiva puramente científica e técnica, consideramos que não há razão para afirmar que a utilização da cannabis é mais inócua que outros comportamentos de risco tais como a roleta russa, circular a alta velocidade em contra mão ou ter relações sexuais não protegidas com desconhecidos, desvalorizando os efeitos negativos que daí advêm, para si mesmo e para os outros.

João Hipólito
Director do Departamento de Psicologia e Sociologia da Universidade Autónoma de Lisboa"

Caros leitores: num destes dias passei os olhos por uma estante em que se encontravam diversos panfletos e revistas, numa biblioteca do Hospital de Santa Maria (tinha ido para lá estudar). Li este artigo, gostei, ri-me, e achei que talvez vocês também gostassem de ler. Bem sei que o blog tem primado pelos posts originais (no sentido de serem pessoais), mas considerem isto uma excepção.
Queria ainda deixar claro que, contrariamente aos meus posts anteriores, o facto de este artigo ter uma tendência argumentativa, tal não significa que eu concorde ou discorde dessa tendência. Deixo essa parte para vós!
Um grande bem haja, e votos de um melhor 2005.

18 de dezembro de 2004

Ou será verde alface?

Escrevo ao frio. Não chove. Há um isqueiro que se acende do lado esquerdo. Embora não goste do fumo do cigarro, a aridez do momento é suficiente para que procure aconchego no calor da cinza.
Reconheço perfeitamente o espaço. Vivo intensamente o tempo- relógio de ponteiros que na eterna espera do momento conta cada minuto como sendo o primeiro.
E as pessoas passam a passo acertado e maquinal, como numa coreografia de fardas em que tudo parece igual.
Sinto-me sozinha neste paradoxal espaço público sem público. Tudo corre na busca desenfreada da acção. O dia pesa sobre as minhas pálpebras e talvez apenas por isso esteja tão atenta aos subtis acontecimentos que espontaneamente se revelam.
Todos os dias dessensibilizamos os nossos sentidos em relação ao mundo que nos rodeia. Cada vez mais nos tornamos tolerantes em relação à vida.
Vivemos na era da informação, do consumismo, da captação de ondas. Num natal em que a grande maioria das pessoas coloca a saúde no topo das necessidades apenas por descargo de consciência, prontamente me apercebo do selvático quotidiano que transfigura o horizonte de muitos que nele vivem. É muito fácil adoptar os valores da multidão. Como é oportuno ser-se aceite na moda do preto. Para quê pensar que o verde ervilha até poderia ficar bem? Falta originalidade, criatividade, imaginação. Falta o gosto pela superação dos sonhos, se é que eles chegam a existir. Falta o porquê da curiosidade.
A fasquia está cada vez mais alta. O limite do contentamento começa quando o do próximo acaba. Tudo se processa a um ritmo totalmente insuperável. A ambição é mais forte do que os princípios. Hoje, tudo quer tudo a todo o custo.
A pseudo facilitação em que vivemos torna-nos inconscientes, numa ilusão constante. O mundo do crédito é aliciante. Poucos pensam no amanhã! Muitos andam ao frio com a falsa certeza de que existe cura para uma possível gripe.
As pessoas passam por mim e acham-me estranha. Venho de um jogo de futsal. Trago um fato de treino antigo e uma Monte Campo. Os meus cabelos estão húmidos e completamente anarquizados. Olham para mim com um ar desconfiado.
Escrevo este texto de bloco e lápis na mão. E as pessoas continuam a olhar… E eu a adorar este momento.
Porque será que é preciso andar com o Código Civil debaixo do braço para que os outros nos incluam num padrão normal? Porque é a vida um hipérbato de prioridades e suposições?
Os transeuntes olham para mim com ar de suspeição sem sequer me conhecerem. E tudo isto porque não venho de sapatinhos vela, nem de malinha do cavalinho (suponho que seja uma marca). A aparência precede a essência em termos das prioridades dos que nos rodeiam.
O mundo está neoplásico. Caminhamos para a proliferativa indferenciação das massas.
Apanhamos a boleia das marcas que incessantemente se metastizam e invadem os sentidos… as mentes.
A busca material suplanta as necessidades básicas; o pré-congelado antecipa-se ao feito na hora; a pré-concepção adultera a verdadeira essência do ser.
Tudo não passa de uma massa vascularizada pelas artérias da inércia do pensar. Os factores de crescimento do decorar sem perceber, são codominantes com os factores de necrose do sentido crítico e da reflexão!
Bem… vou andando! Um duche quente espera-me. Levarei comigo a saudade de um mundo puro… de nada!

1 de dezembro de 2004

Fake Plastic Trees

Ah caralho, que ontem o nosso Presidente (como está, Vª Exª.?) mostrou que tem os tomates no sítio! Após 4 meses e 20 dias a aturar um incompetente à frente do governo, o nosso Chefe decidiu que já chegava e mandou mas é este governo para a rua.

Como dizia o nosso antigo primeiro-ministro, Prof. Aníbal, na última edição do «Espesso»,
por dever patriótico cabe às elites profissionais contribuírem para que na vida partidária portuguesa os políticos competentes possam afastar os incompetentes
Quando um ex-primeiro ministro com a craveira deste algarvio de um real cabrão (antes que voem os insultos, deixem-me dizer que eu sou algarvio também) vem dizer que quem está à frente do Governo é incompetente, o sôr Presidente tem que ouvir...